TELEJORNALISMO EM PAPEL
Mauricio Zagari (*)
Telejornalismo, internet e guerrilha tecnológica, de Antônio Cláudio Brasil, 375 pp., Editora Ciência Moderna, Rio de Janeiro, 2002. Preço: R$ 35,10. E-mail: <lcm@lcm.com.br>, tel. (21) 2201-6662
Divórcios acontecem. E, quando acontecem com pessoas próximas, é comum escutarmos delas desabafos do tipo "como eu pude viver tantos anos com ela e não perceber isso?". Ou ainda "só agora, com o fim do casamento, comecei a enxergar coisas sobre ela que antes não via". O fato é: a proximidade e a afetividade que cercam um relacionamento a dois muitas vezes obscurecem o lado negro do objeto amado. Isso vale para qualquer tipo de relacionamento amoroso. E parece que, quando finalmente se toma consciência dos defeitos do outro, a carga pode tornar-se pesada demais ? e o casamento acaba. O jornalista Antônio Cláudio Brasil é um felizardo: ele conseguiu identificar, ainda no curso de seu caso de amor, muitos dos defeitos do objeto de seu afeto ? o telejornalismo. Em Telejornalismo, internet e guerrilha tecnológica, Brasil mergulha de cabeça nos bastidores da notícia e traz à discussão questões nem sempre confortáveis sobre esse casamento, que para ele já dura mais de 30 anos.
O livro prepara uma salada de frutas de assuntos ligados à modernidade do jornalismo televisivo e comenta quais frutas estão podres, quais estão prestes a apodrecer e sugere o que fazer para evitar que apodre&ccccedil;am ainda mais. Também analisa o fim do oligopólio dos tradicionais "mamões, bananas e maçãs" do jornalismo e propõe um possível, embora ainda nebuloso, futuro dessa salada, com a chegada de frutas novas. O que fazer quando desponta no cenário o "kiwi" da internet, por exemplo? A salada deve manter-se igual ou é necessário reformular seu formato, seu sabor e a disposição dos ingredientes? Frutas novas e frutas velhas. Internet e televisão. Como organizar de forma frutífera essa equação?
Telejornalismo, internet e guerrilha tecnológica é uma obra que pretende se aproximar dos gregos da academia e dos troianos da prática jornalística. E faz isso por meio de um discurso bem azeitado e de uma variedade de assuntos que são capazes de interessar ? ou incomodar ? do pensador ao apresentador, do estagiário ao proprietário.
A obra é uma coletânea de 37 artigos escritos isoladamente, muitos dos quais publicados no sítio do Observatório da Imprensa (www.obsevatoriodaimprensa.com.br). Reunidos num corpo só, mantêm o fio condutor, sempre o jornalismo audiovisual. Brasil passeia por intrincados corredores desse universo e consegue não se perder em suas andanças. Adotando uma linguagem simples, direta e coloquial, defende com competência na forma o que explora no conteúdo: a informação objetiva, que toca na ferida. E que sinta a dor quem quiser.
Casamento mais sólido
Definitivamente, o objetivo não é agradar. Pelo contrário. A visão crítica com que o livro enxerga a programação das emissoras de TV, a forma de trabalhar de grandes estrelas da telinha (em busca de um "televidão") e o uso de tecnologias que se tornaram queridinhas do telejornalismo, como as câmeras escondidas, podem desagradar medalhões ? e medalhinhas ? do meio jornalístico. Para Brasil, a máxima "em time que está ganhando não se mexe" não vale. Ele faz coro com o Barão de Coubertin e defende que o importante não é vencer, principalmente se para vencer for preciso emburrecer ou adotar práticas antiéticas, mas sim manter o nível da competição, mesmo se para isso for preciso escapar das correntes escravagistas dos índices de audiência. Maquiavel, esse então, Brasil o condena à pena capital.
Nesse campo, o certo não é o fácil. A fama não é o alvo. A superfície não basta. A obra propõe que os índices de audiência sejam substituídos por índices de qualidade. Uma qualidade que brote regada pelo suor, pela investigação, pela informação e, se for preciso, pela guerrilha. Guerrilha da câmera na mão, dos videofones à tiracolo e da transmissão democrática e despudorada pela internet. Uma internet que ganha cores libertadoras ao criar a possibilidade de quebrar estruturas empresariais, formatos engessados e conteúdos entrincheirados em clichês. Enfim, uma guerrilha por enquanto amorfa mas que tem tudo para revolucionar o jornalismo audiovisual do futuro.
Divórcios acontecem. Mas Telejornalismo, internet e guerrilha tecnológica prova que detectar e trazer à luz os defeitos do objeto amado durante o casamento não precisa ser motivo de divórcio. Pelo contrário, pode ser o estímulo que faltava para que esse casamento seja ainda mais sólido, por meio da contínua reavaliação dos valores e das práticas que envolvem essa relação.
(*) Jornalista, editor do Cineview da Globosat