Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Gulherme Fiuza

CENSURA DO TR?FICO

"Polícia investiga ameaça a MV Bill", no mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 5/8/03

"A Polícia Federal abriu um inquérito, no final da tarde de sexta-feira, para investigar ameaças de morte ao rapper MV Bill e a seu empresário, Celso Athayde. Investigações preliminares indicam que os dois teriam sido avisados de que, se o documentário ?Falcão, meninos do tráfico?, de sua autoria, fosse exibido no ?Fantástico?, da Rede Globo, ambos morreriam. A exibição foi desautorizada por Bill e Athayde três dias antes do documentário ir ao ar, no último domingo.

O delegado Antônio Rayol, titular da Delegacia de Prevenção e Repressão a Entorpecentes e responsável pela abertura do inquérito, diz não ter mais nenhuma dúvida do que ocorreu: ?Já temos certeza de que MV Bill e Celso Athayde foram ameaçados de morte, e que este foi o argumento decisivo para o veto à veiculação do documentário.?

O delegado acredita que a emissora mantenha a expectativa de levar o material ao ar, se autorizada, mas não confia na versão dos autores de ?Falcão? de que não revelariam os motivos do veto. ?Apesar de ter direitos contratuais incontestáveis para a exibição do documentário, a Globo preferiu arcar com prejuízos materiais e morais a se sentir responsável por duas mortes?, afirma Rayol.

As investigações ainda não apontaram a origem das ameaças. Mas a Polícia Federal já sabe que, embora o filme retrate bastidores do tráfico de drogas em todo o país, os autores da coação pertencem mesmo a grupos do Rio de Janeiro. Na própria sexta-feira, a PF enviou um ofício à TV Globo solicitando as fitas com o material gravado. O delegado Rayol acredita que ali deve haver pistas valiosas para chegar aos autores das ameaças de morte.

Até a noite de segunda-feira, a emissora ainda não tinha respondido ao ofício. Caso não concorde em disponibilizar as fitas, a PF requisitará o material por ordem judicial. Esta decisão já tem respaldo no Ministério Público e no Judiciário, sondados previamente.

O passo seguinte do inquérito será convocar MV Bill e Celso Athayde para depor. ?Vamos tentar fazê-los entender que o melhor que têm a fazer é enfrentar a situação. Tornar a ameaça pública é o único caminho para dissuadir os autores, deixando-os expostos?, explica o delegado. Ele informou que será oferecida proteção permanente aos autores de ?Falcão?.

Rayol se diz pessoalmente ultrajado com a tentativa do crime organizado de controlar o que pode ou não ser divulgado para a sociedade: ?Se a hipótese se confirmar, trata-se de um precedente gravíssimo. A liberdade de imprensa e o direito da sociedade à informação, características do Estado de Direito, estão ameaçados pelo narcotráfico.?

O delegado vê um paralelo entre o episódio do veto à exibição de ?Falcão, meninos do tráfico? e o assassinato do traficante Márcio Amaro, o Marcinho VP. Ele acredita que o ex-traficante do Morro Dona Marta, em Botafogo, pagou com a vida pelas informações que deu ao repórter Caco Barcellos, publicadas no livro ?Abusado?. Rayol lembra que o traficante que alertara VP de que ele estava falando demais é o mesmo que, segundo o livro, mandara matar o próprio irmão.

?Aí não adianta mudar o nome, a represália vem mesmo. No caso de ‘Meninos do tráfico’, as regras são as mesmas. Tolera-se fofocas e indiscrições, desde que não vazem para um best-seller ou uma vitrine nacional como o ‘Fantástico’?, avalia Antônio Rayol. Ele acredita que chegar aos autores das ameaças de morte a MV Bill e Celso Athayde é questão de tempo."

 

"Esclarecimento da TV Globo", copyright Rede Globo, 5/08/03

"De: Central Globo de Jornalismo

Para: NoMínimo

Em relação ao texto ?Polícia investiga ameaça de morte a MV Bill?, de Guilherme Fiuza, a TV Globo enviou à redação de No Mínimo a correspondência abaixo:

Em relação ao artigo ?Polícia investiga ameaça a MV Bill?, a TV Globo reitera que desconhece os motivos que levaram MV Bill e Celso Athayde, diretores do documentário ?Falcão, meninos do tráfico?, a desistirem de sua exibição no último Fantástico. Os dois apenas disseram que os motivos eram de foro íntimo.

A TV Globo lembra também que na carta assinada pelos autores em 4 de julho, autorizando a exibição do documentário, está dito o seguinte, no item oitavo: ?Vocês nos disseram, em relação à segurança pessoal de vocês, que estão conscientes da repercussão que o trabalho terá, mas nos garantiram que se sentem seguros e que não correm riscos de vida decorrentes da exibição do documentário. Segundo vocês, é a história de vida dos dois, sempre ligada aos sofrimentos das comunidades carentes de todo o Brasil, que lhes permitiu fazer o documentário e exibi-lo. A TV Globo, em nenhum momento, fez pressão para exibir o documentário, embora tenha se mostrado sempre disposta a exibi-lo, dada a sua alta relevância social. A idéia de exibi-lo partiu de vocês, que nos ofereceram essa oportunidade, motivo pelo qual, mais uma vez, somos gratos.? Esta carta foi divulgada pela TV Globo aos órgãos de imprensa do Brasil.

A TV Globo respondeu ao ofício encaminhado pela Polícia Federal, pedindo acesso às fitas do documentário, informando que as mesmas não estão em seu poder, uma vez que o documentário não pertence à emissora. A TV Globo reafirma que respeita a decisão dos autores, conhecidos por sua forte preocupação com os problemas sociais, e entende que eles têm o direito de revelar ou não os motivos que os levaram a tomar tal medida."

 


"Produtores vetam a exibição de filme sobre tráfico no ?Fantástico?", copyright Folha de S. Paulo, 1/08/03

"A Central Globo de Jornalismo informou ontem, em nota oficial, que a exibição do documentário ?Falcão, os Meninos do Tráfico? no ?Fantástico? do próximo domingo foi suspensa por determinação dos produtores da obra, Celso Athayde e o rapper MV Bill.

O documentário, de 54 minutos, mostraria depoimentos de traficantes e de crianças que trabalham no tráfico de drogas, que exporiam os motivos que os levaram a entrar para o crime.

A Globo chegou a anunciar a exibição das cenas no último ?Fantástico? e em anúncios publicados em jornais.

De acordo com a nota da Globo, a decisão é de responsabilidade exclusiva de MV Bill e Athayde, que teriam se recusado a explicar as razões para o cancelamento da exibição.

A Folha apurou, no entanto, que houve desentendimento entre o ?Fantástico? e a produção do documentário quanto à edição do material.

Bill e Athayde negociam com a Columbia Pictures para co-produção e distribuição de uma versão de ?Falcão? para os cinemas e queriam preservar determinadas imagens. A Columbia confirma a negociação.

A Globo não quis se pronunciar sobre a questão da edição, mas divulgou uma carta em que Bill e Athayde diziam estar ?de acordo com a edição final do especial?.

A nota informa ainda que a emissora não irá processá-los, apesar do ?enorme prejuízo financeiro e moral que a TV Globo terá por não exibir um documentário amplamente anunciado?."

 

"Globo não vai mais exibir documentário sobre o tráfico", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/08/03

"Não vai mais ao ar o documentário ?Falcão, os meninos do tráfico?, que seria exibido no Fantástico, da TV Globo, no próximo domingo (03/08). MV Bill e Celso Athayde, diretores do documentário, decidiram suspender a autorização dada anteriormente. Eles apenas disseram que os motivos de ?foro íntimo? não seriam revelados. Para reiterar essa decisão, MV Bill e Athayde escreveram carta à Central Globo de Jornalismo.

Leia abaixo a nota enviada à imprensa pela CGJ:

?MV Bill e Celso Athayde, ambos da Central Única das Favelas, compareceram ontem à noite à Central Globo de Jornalismo para notificá-la que tinham decidido suspender a autorização concedida à TV Globo no dia 4 de julho para exibição do documentário ?Falcão, os meninos do tráfico?, no Fantástico dopróximo domingo. A exibição do documentário foi amplamente divulgada pelo Fantástico de domingo passado, por chamadas especiais nos blocos comerciais da emissora e por anúncios publicitários publicados em jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Na reunião de ontem, além dos dois representantes da CUFA, estavam o diretor da Central Globo de Jornalismo, Carlos Henrique Schroder, e Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo. MV Bill e Celso Athayde, mesmo insistentemente questionados sobre as razões do veto, negaram-se a dar explicações, dizendo apenas que os motivos, classificados por eles como de ?foro íntimo?, não seriam revelados. A eles foi explicado o enorme prejuízo financeiro (foram quatro meses de trabalho intenso de nossos profissionais), mas principalmente moral, que a TV Globo terá por não exibir um documentário amplamente anunciado. Mesmo assim, os dois mantiveram a decisão de não revelar os motivos. A TV Globo não quer ser juiz de ninguém e acredita que as razões dos autores do documentário, que sempre se mostraram engajados na luta por um Brasil melhor, sejam suficientemente fortes para que eles ajam dessa maneira.

A TV Globo decidiu acatar a decisão dos autores. A TV Globo sempre respeita a propriedade intelectual das obras que exibe e cumpre fielmente os contratos que assina, razão pela qual poderia processá-los por danos materiais e, principalmente, morais que a não exibição de uma atração anunciada causará à emissora. Mas a CGJ decidiu não processá-los por entender que a questão não é financeira. O que se deseja é exibir o documentário, que a TV Globo considera de grande importância na busca de soluções para o problema do tráfico de drogas no país. A TV Globo mantém o interesse em exibir o documentário e deixou isso claro aos autores, que nos prometeram prioridade se mudarem de idéia. A eles foi pedido que escrevessem uma carta formalizando sua decisão e deixando claro que a nós não foramrevelados os motivos do veto, apesar de nossa insistência (este documento está sendo também divulgado junto com esta nota).

?Falcão, os meninos do tráfico? é um documentário de 54 minutos, produzido e dirigido por MV Bill e Celso Athayde, que durante dois anos percorreram favelas de todo o país, colhendo depoimentos que retratam as razões e o ambiente que levam milhares de crianças a aderirem ao tráfico de drogas. O único objetivo do documentário, segundo sempre nos disseram os seus autores, era mostrar ao país a gravidade do problema e contribuir na busca de soluções que transformem meninos em cidadãos, dando a eles uma alternativa ao crime. A conclusão é de que somente a polícia não basta para superar este lado do problema do tráfico de drogas. Foram 120 horas de fitas gravadas. O papel da equipe do Fantástico foi ver todas essas fitas, selecionar os momentos mais significativos e fazer a edição final, sempre com a supervisão e concordância de MV Bill e Celso Athayde. A TV Globo só tomou a iniciativa de anunciar a exibição do documentário quando dispôs de uma autorização oficial escrita. A TV Globo não tinha o menor receio de que os autores pudessem desistir da exibição do programa até mesmo porque a idéia de exibir o programa partira deles, que durante todo o tempo tiveram uma postura de trabalhar num ambiente de parceria e harmonia. Como prova disso, divulgamos também cartas de MV Bill e Celso Athayde, acompanhadas de flores, endereçadas a Carlos Henrique Schroder, Ali Kamel e a Luiz Nascimento, diretor do Fantástico, saudando a parceria com a TV Globo. As cartas e as flores foram recebidas na segunda-feira, um dia depois de o Fantásticoanunciar a exibição do documentário e de as chamadas do programa terem ido ao ar. Estamos divulgando também junto a esse comunicado a íntegra do acordo assinado no dia 4 de julho.

As razões que nos levaram a fazer uma parceria com MV Bill e Celso Athayde permanecem válidas. Lamentamos profundamente a decisão dos autores, mas esperamos que eles decidam exibir o documentário o quanto antes. Se o fizerem, a TV Globo exibirá o programa na íntegra, sem alterações, tal como seria exibido neste domingo. A versão que irá ao ar será a mesma que já foi vista por doze personalidades públicas, entre cineastas, escritores,compositores e atores.?

CENTRAL GLOBO DE JORNALISMO Rio de Janeiro, 31 de julho de 2003

Agora a carta de MV Bill e Celso Athayde enviada à CGJ:

?Como resultado de nossa reunião de ontem à noite, realizada na Rede Globo de Televisão, da qual participaram, além dos signatários desta, Carlos Henrique Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo, e Ali Kamel, diretor-executivo de Jornalismo, comunicamos, oficialmente, à Rede Globo de Televisão que, por motivos de foro íntimo, os quais nos reservamos o direito de não revelar, proibimos a exibição do especial ?Falcão – Meninos do Tráfico?, no programa Fantástico do próximo domingo. Desta maneira, estamos suspendendo, em caráter irrevogável, a autorização que havia sido por nós concedida à TV Globo, no dia 4 de julho de 2003, permitindo que nosso documentário fosse exibido no programa. Reconhecemos que foi somente a partir de nossa assinatura em tal autorização que a TV Globo anunciou publicamente para o próximo domingo a exibição do documentário. Tomamos tal atitude na qualidade de únicos proprietários da obra em questão. Deixamos claro desde já que estivemos de acordo com a edição final do especial, feita pela equipe do Fantástico, e, mais uma vez, voltamos a afirmar que os motivos pelos quais vetamos sua exibição são de caráter pessoal. Isso foi dito aos senhores inúmeras vezes em nossa reunião, quando os senhores insistiram para saber os motivos que nos levam a tal atitude. Lamentamos os transtornos causados à TV Globo e aos seus espectadores. Agradecemos a todos pelo respeito e cuidado com que a emissora conduziu o trabalho desde o início e garantimos que a Rede Globo terá prioridade na exibição do especial ?Falcão – Meninos do Tráfico? tão logo decidamos veiculá-lo.

Solicito à TV Globo que nos devolva os originais brutos que deram origem ao documentário.

Atenciosamente,?

Celso Athayde

MV Bill

Fonte: Globo Online"