Saturday, 07 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Haroldo Ceravolo Sereza

JOEL SILVEIRA / MEMÓRIAS

"As memórias e as alegrias de Joel Silveira", copyright O Estado de S. Paulo, 10/11/01

"Joel Silveira, de 83 anos, uma vez candidato (à vaga de Barbosa Lima Sobrinho) – e agora anticandidato (à de Jorge Amado) – à Academia Brasileira de Letras, é um dos repórteres que marcaram o jornalismo brasileiro. Além de ter atuado como correspondente na 2.? Guerra Mundial, acompanhando as Forças Expedicionárias Brasileiras, cobriu fatos e personagens que marcaram a vida política do País.

Agora, já na idade ?mais que provecta?, como ele próprio define, dedica-se a escrever e reescrever suas lembranças – e mais algumas delas, novas e velhas, estão reunidas num novo volume, que recebeu o simpático título Memórias de Alegria – extraído de um verso do canto 3.? de Os Lusíadas.

?O título não é meu, é do Luís de Camões, e as lembranças são mais dos outros do que minhas?, brinca Silveira, nascido em Sergipe, mas desde 1937 um morador no Rio de Janeiro. ?Eu vivi uma vida intensa, falei com muita gente, acho que tenho o que contar?, continua.

Nesse livro, estão reunidas especialmente lembranças de repórter de Silveira. O texto que dá início à obra, por exemplo, rememora sua cobertura de uma batalha que não houve: a de Goiânia, quando o coronel Mauro Borges, governador do Estado de Goiás, ameaça uma resistência, em novembro de 1964, ao regime que chegara ao poder meio ano antes. Retido no Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano, com a família do governador, Silveira só pôde relatar o que não aconteceu nos três dias da ?resistência?, depois que Brasília achou uma saída jurídica para o afastamento de Borges – que aceitou o acordo.

Apesar de falar de momentos críticos e de nomes importantes da vida política e cultural brasileira – passeiam pelas páginas de João Goulart (que o recebeu de paletó de pijama) a Antônio Maria (um campeão de fliperama), da poetisa Adalgisa Nery (?trintona tão bonita?) a Tancredo Neves (?um homem reconhecidamente bem-educado?), o livro cumpre o que promete seu título: há um clima de otimismo, de bom humor, que atravessa todos os textos. O comentário, em geral, é secundário, lateral, como que retirando essa espécie de farda que as personalidades e os políticos parecem carregar na guerra do dia-a-dia. ?É um livro alegre, mas verdadeiro, não tem invenção; tenho a impressão de que ele vai agradar?, avalia o autor.

Antes um fanático defensor da máquina de escrever portátil (vira e mexe, ela aparece nas suas narrativas, quase tanto quanto os uísques que o fígado do jornalista enfrentou bravamente), Silveira agora dita seus textos. Problemas de saúde lhe tiraram as forças dos braços. ?Não me adaptei ao computador, não tenho paciência; é como pedir para um sujeito que sempre ouviu Beethoven para tocar Chopin, não dá.?

Apesar de dizer que tem ?horror a falar? (ao contrário do que diz de José Lins do Rego), Silveira afirma estar contente com o novo modo de trabalho. ?Dá para perceber os erros mais rapidamente, a gente troca na hora, não deixa para depois.? Ditando e abrindo as gavetas de textos já publicados ou não, Joel prepara agora uma continuação de seu livro Fogueiras, publicado pela Mauad, a mesma editora de Memórias de Alegria, em 1998. ?Essas são memórias mais pessoais.?

Quanto à candidatura à ABL, Joel desconversa. Diz que sabe que vai ser derrotado, que não fez campanha nenhuma, que lançou seu nome apenas como anticandidato ao consenso que se formava em torno de Zélia Gattai. Como não pode mais andar, declara: ?Meu medo agora é ganhar: de que adianta ser eleito e não poder ir à Academia??"

 

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"Joel Silveira evita tom heróico e saudosismo", copyright O Estado de S. Paulo, 10/11/01

"Em determinado momento de suas Memórias de Alegria, Joel Silveira fala de seu retorno a um jornal, para uma visita anos depois de deixar de freqüentá-los. Ele começa a se lembrar das ?redações antigas? por que havia passado. ?E me vieram à lembrança todos os componentes daquele mundo caótico: o teclar incessante e nervoso das máquinas de escrever, a chegada de repórteres suados, as piadas grosseiras, o cafezinho excessivamente açucarado e morno, a intromissão de populares com reclamações e apelos? – em resumo, ?era o caos!?.

Silveira conta ainda que, já na rua, virou-se para o amigo que o conduzira à redação, ascética e repleta de ?engenhos de sensibilidade à flor da pele?, e perguntou: ?Você tem certeza de que acabei de visitar uma redação de jornal?? Para depois concluir: ?Assim, até eu!?

De um modo geral, essa é a marca das lembranças de Silveira reunidas nesse no livro: não há um tom de heroísmo no seu discurso, nem de saudosismo. As lembranças, boa parte delas de fatos secundários da vida política e cultural brasileira, funcionam mais como crônicas do que como registro histórico, e o repórter parece, depois de decorrido tanto tempo, poder falar livremente daquilo que não teve a pretensão ou o poder de mudar a cadeia de fatos.

Os encontros com Getúlio Vargas e com João Goulart são absolutamente prosaicos. Jango, por exemplo, em 1974, conta do tempo em que visitava Getúlio, ?exilado? em sua fazenda em São Borja, e tece uma singular teoria sobre o que é solidão, depois de, num intervalo de 15 dias, ver a mesma camisa de Getúlio largada num canto do quarto. Tancredo Neves praticamente apenas usa sua casa para um encontro secreto, em que Paulo Francis faz uma aparição inesperada. O jornalista Carlos Lacerda aparece como seu chefe, no tempo em que Silveira trabalhou para Assis Chateaubriand e seus Diários Associados, mas a ele não são reservados nem muitas críticas nem elogios.

Aliás, são poucos os personagens que poderiam, a partir da leitura de Memórias de Alegria, figurar no rol de ?inimigos? de Silveira – que, além de jornalista, sempre foi um grande provocador. Talvez caiba na classificação o governador mineiro Magalhães Pinto, que impediu o lançamento de um livro do governador de Sergipe, afastado depois de 1964, Seixas Dória, em Belo Horizonte, e Lourival Fontes, que, além de ter dirigido o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, responsável pela censura) de Getúlio, ainda se casou com a cobiçada poetisa Adalgisa Nery, viúva do pintor Ismael Nery.

As lembranças dos escritores próximos a Silveira – José Lins do Rego e Rubem Braga, entre outros – são em geral simpáticas. Sobra uma farpa para Mário de Andrade, que fez ressalvas a um livro de contos de Silveira – o jornalista acabou sendo defendido por Graciliano Ramos.

Muitas das histórias que Joel Silveira conta são velhas conhecidas. O talento de Antônio Maria para o fliperama, por exemplo, já está contado no livro Viagem com o Presidente Eleito, em que Silveira narra o período em que acompanhou Jânio Quadros antes que ele tomasse posse. Mas quem pode ou deve exigir originalidade de alguém que já viveu tanto e bebeu tanto uísque até recentemente – parou porque, como indica o título de um dos textos, para ele, Bebida É Conversa: ?Parei de beber simplesmente pelo fato de não ter mais com quem conversar.?

Uma ressalva importante à edição de Memórias de Alegria: além de vários erros de digitação deixados pelo caminho, o livro reproduz de modo bastante incorreto os versos de Camões que servem de epígrafe e que sugeriram o título da obra, numa grave falha da revisão. A versão correta, integrante do canto 3.?, é: ?E quanto, enfim, cuidava e quanto via,/ Eram tudo memórias de alegria.?

Memórias de Alegria. Recordações de Joel Silveira.208 páginas, R$ 29,00. Editora Mauad (tel. 0–21-2533-7422)"

 

MÍDIA: TEORIA E POLÍTICA / RESENHA

"Intelectual vê concentração e pouca democracia na mídia", copyright Folha de S. Paulo, 11/11/01

"No momento em que a TV alavanca a pefelista Roseana Sarney e vira pomo da discórdia entre pré-candidatos tucanos, é útil lembrar o papel desempenhado por esse meio de comunicação em eleições passadas.

Essa é uma das possibilidades oferecidas por ?Mídia: Teoria e Política?, obra de Venício Artur de Lima que será lançada hoje, às 17h, no encerramento da Feira do Livro de Porto Alegre. O lançamento em São Paulo será amanhã, às 19h, no Museu da Cultura da PUC.

Alguns inéditos e outros atualizados, os dez textos do livro são fruto de pesquisas desenvolvidas nos últimos 20 anos pelo autor, respeitado estudioso dos meios de comunicação no país.

Lima, 56, é professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília). Atualmente dá aulas na Universidade de Caxias do Sul, além de integrar a equipe que implanta a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.

Antes de chegar à política, o livro se ocupa de teoria da comunicação nos três capítulos iniciais, de interesse mais restrito a estudantes e especialistas.

Na sequência, outros dois são dedicados à investigação das mudanças no panorama mundial do setor de comunicações, submetido a acelerada concentração, e de seus reflexos no país. Para o autor, são três as características do caso brasileiro: manutenção do domínio exercido por poucos grupos familiares e por elites regionais; entrada em cena de ?um novo e poderoso ator?, representado pelas igrejas, em especial evangélicas; fortalecimento, por meio da expansão horizontal, vertical e cruzada de propriedade, da posição hegemônica das Organizações Globo.

Diagnóstico de Lima: ?Além da total exclusão das empresas públicas e do ingresso de vários ?global players?, as ?reformas para o mercado? não produziram, até o momento, alteração fundamental na hierarquia dos grupos que historicamente controlam o setor no Brasil.?

A mudança, diz, só terá chance de ocorrer com a entrada do capital estrangeiro, até hoje impedida pela Constituição. Vale lembrar que, para vários analistas, o poder da Globo poderá crescer ainda mais, a depender dos termos em que se der a regulamentação da abertura.

A hegemonia de um único grupo empresarial, conclui o autor, representa ameaça não apenas ?para a liberdade de expressão, mas para a própria democracia?. Talvez pela proximidade de uma nova eleição, o capítulo sobre o primeiro turno de 1989 é o mais interessante dos três que analisam o papel da TV no processo político brasileiro.

Na hipótese de Lima, a vitória de Collor teria sido definida antes mesmo do horário gratuito, tanto pelo tratamento generoso que lhe foi dispensado por quase toda a imprensa quanto pelos programas de pequenos partidos usados pelo candidato para se apresentar ao eleitorado.

Filtrados pela história, alguns episódios se transformam em pura ironia. É assim com a declaração de Roberto Marinho à Folha, em julho daquele ano, justificando sua preferência pelo governador de Alagoas. Este seria, na opinião do dono da Globo, ?mais assentado, mais ponderado e mais equilibrado? que os adversários.

A importância da obra vai além dessas curiosidades. Distorções nela relatadas seguem em vigor. É o caso da prática, adotada pela maioria dos institutos de pesquisa, de trabalhar simultaneamente para veículos de comunicação e candidatos.

Mas algumas observações do autor pecam por excesso de simplificação. Lima inclui as novelas no pacote de programação que teria favorecido Collor, sob o argumento de que nas tramas ?a política e o político eram vistos sempre negativamente?.

?Vale Tudo? (1988-1989) é citada como exemplo maior do fenômeno. Ocorre que a história de Gilberto Braga, com suas discussões sobre ?ética? e um protagonista (Antonio Fagundes) que estrelava ao mesmo tempo a propaganda do PT, foi uma mão na roda para eleger Luiza Erundina em São Paulo.

É certo que as novelas, em sintonia com o senso comum, promovem a desqualificação da política. Mas seu efeito sobre o telespectador parece ser mais matizado do que sugere o livro.

Completam o volume duas pesquisas sobre telejornalismo. O objeto da primeira é o DF-TV, noticiário da Globo em Brasília.

O estudo acerta ao identificar no programa um ?enquadramento adverso em relação à administração local? que não encontra paralelo no noticiário de rede da emissora sobre o governo federal. Quem acompanhou o SP-TV durante a agonia de Celso Pitta sabe do que se trata.

Mas, em outra simplificação antiglobal, o autor exagera ao afirmar que a ênfase da pauta em demandas imediatas da população faz com que esta ?não se organize para encontrar a solução de seus problemas mediante o exercício pleno da cidadania.? Por mais que existam motivos para criticar esses programas, carece de demonstração a idéia de que ?o DF-TV não contribui para a solução dos problemas apontados, mas para sua perpetuação.?

A segunda pesquisa constata o progressivo desaparecimento da política e de outros assuntos ?sérios? do ?Jornal Nacional?. Ainda que a conclusão não surpreenda, pois o fenômeno vem de longe, o estudo tem o mérito de quantificá-lo pela primeira vez, a partir de mais de 400 horas de fitas. "(Mídia: Teoria e Política? Editora Fundação Perseu Abramo 368 páginas Preço: R$ 30")"