DIPLOMA EM XEQUE
Ricardo Mello (*)
A decisão liminar, agora ratificada em primeira instância judicial, que acaba com a obrigatoriedade do diploma na profissão de jornalista já rendeu páginas e páginas de argumentos prós (poucos, diga-se de passagem) e contrários. A um olhar mais atento apresentam-se argumentos críticos muito fracos, utilizados pelos que defendem a obrigatoriedade da formação superior.
Nem é mais preciso ficar repetindo a velha história da reserva de mercado, da qual são acusados os mentores da obrigatoriedade e seus defensores, assim como é dispensável a lembrança de que muitos dos grandes jornalistas brasileiros nunca estiveram em um banco de faculdade de Jornalismo (em alguns casos, em faculdade nenhuma).
O que impera, nesse caso, é um emaranhado de opiniões carregadas de hipocrisia, proferidas por pessoas que se esquecem da própria experiência profissional e de vida para argumentar a favor de seus interesses pessoais. Nesse jogo de empurrar a culpa para o outro lado, é claro que fazem parte tanto patrões quanto empregados, o que não isenta nenhum deles de alguma culpa, adequada a cada um dos seus papéis.
Imbecil ou talentoso?
Por que os patrões querem tanto contratar jornalistas sem diploma universitário? Para pagar menos? Contratar amigos? Formar profissionais de acordo com sua visão? Todas as alternativas anteriores seria a opção mais adequada. E quais são os interesses do outro lado? Reservar mercado a jornalistas formados, mesmo que saídos de pífios cursos particulares? Garantir a existências dessas fábricas de diploma? Elitizar a profissão? Eu certamente também assinalaria todas as opções.
O que não consigo enxergar nessa discussão toda é um só argumento honesto e livre de intere$$e$ nocivos ao verdadeiro papel do jornalismo no universo democrático. Todos querem ganhar com o diploma (ou a inexistência dele), mas no leitor, no telespectador ou no ouvinte é que ninguém está pensando. Muito importante seria o papel dos sindicatos de jornalismo se estivessem montando estruturas fiscalizatórias que garantissem que qualquer profissional, formado ou não, recebesse no seu contracheque pelo menos o piso mínimo da categoria, sobretudo no interior do Brasil, onde há jornalistas formados pela Unesp, com registro no MTb e tudo mais, recebendo R$ 200 mensais.
Mesmo os jornalistas que ora defendem o diploma não deixam de reconhecer a existência de talentos natos para o jornalismo. Quem ousará desqualificar profissionais como Cláudio Abramo, Carlos Brickman, entre outros? Mas não são essas figuras conhecidas os únicos exemplares de bons jornalistas que já nascem quase prontos, que têm verdadeira vocação pelo jornalismo. Será desprezado o talento se o acaso do destino o colocar numa família pobre de Ituverava, SP, sem curso de Jornalismo? Essa mesma família certamente não teria condições de custear os estudos desse talentoso jovem no curso mais próximo, a 80 quilômetros de distância. Estaria ele então fadado a ser bancário, balconista ou lavrador? Reconhecendo o respeito devido a essas profissões, é preciso também pensar na infelicidade do jovem, privado de exercer a profissão de sua vida.
O que faria um empregador que não tivesse como escapar de pagar salário mais alto a seu repórter? Contrataria um imbecil qualquer ou um talentoso profissional sem diploma?
Até o fim
A resposta é óbvia. Esse mesmo jornalista "nato" poderia concorrer a uma vaga com outro profissional formado? É claro que sim, mas enfrentaria muitas dificuldades para superá-lo, e só o faria se fosse realmente bom no que faz, o que já seria mérito suficiente para justificar a preferência por sua contratação. Certamente, tendo de pagar salários melhores, mais jornalistas formados estariam hoje sendo contratados pelos meios de comunicação do país, mesmo que espaços continuassem abertos aos demais profissionais talentosos que não podem ser simplesmente ignorados.
Quanto a apenas obedecer ao dono do jornal, sem poder exercer livremente a crítica, a investigação, pergunto: que jornalista formado tem hoje, em qualquer jornal, revista, televisão ou rádio do país, essa prerrogativa? Formado ou não o profissional, o que vale é a opinião do dono. Afinal, a regra criada por Assis Chateaubriand infelizmente continua valendo. "No meu jornal, eu tenho opinião. Quer ter a sua, então sai e vai comprar o seu jornal."
É claro que a universidade é importante na formação de um bom profissional em qualquer área, mas não é o único caminho a ser percorrido por quem quer se tornar bom jornalista. Os principais requisitos para se chegar a isso são ética, visão crítica e honestidade. Nem ética nem honestidade estão à disposição na academia, mas sim na vida social do indivíduo. Na formação de seu caráter desde a infância.
Quanto à hipocrisia dos defensores do diploma, curioso é perceber que até mesmo jornalistas mais antigos, também sem formação universitária, mas já devidamente provisionados pelos sindicatos, atiram pedras na decisão da Justiça.
Vou até o fim em meu curso de Jornalismo, tendo a certeza de que ele fará de mim um profissional bem preparado, com visão crítica e competência para trabalhar em qualquer lugar do país, como empregado ou patrão, se um dia lá chegar. Enquanto isso, desafio, a atirar o primeiro gravador o jornalista diplomado que não tiver entrado em sua primeira redação muito antes de erguer, orgulhoso, seu canudo no dia da colação de grau.
(*) Estudante de Jornalismo