JN & BANGU 1
Berto Oliveira (*)
A imprensa carioca foi unânime na expressão de repúdio à revolta ocorrida em Bangu 1. E não poderia ter sido de outro jeito, é claro. Mas o tom da indignação variou. Enquanto alguns veículos resolveram enfiar o dedo fundo na ferida e até considerar o mandato da atual governadora acabado por inanição administrativa, outros simplesmente repetiram a lengalenga oratória em torno do tema.
Contudo, há muitos adjetivos que bastam para classificar o que aconteceu na quarta-feira no Jornal Nacional da Rede Globo. Num tom grave, o âncora do telejornal leu comunicado sucinto no qual a emissora manifestava sua indignação quanto ao clima generalizado de insegurança pública que se instalou na cidade do Rio de Janeiro.
Superficial, ambíguo e recheado de frases de efeito, a ordem do dia global pode muito bem ser classificada como uma daquelas típicas peças da retórica vazia tão comumente utilizadas pelas classes políticas brasileiras, quando o caldo engrossa e querem tirar bom proveito da situação. Atirando para todos os lados, culpou os governantes do passado pelas mazelas do presente, exigiu até uma ação emergencial do Congresso Nacional, mas curiosamente procurou livrar a cara da atual administração estadual. E em nenhum momento propôs concretamente qualquer coisa ou sequer firmou algum compromisso.
Enquanto numa frase apoiava a atitude enérgica, mas cautelosa, da governadora do estado, noutra cobrava-lhe uma ação mais firme contra o terror do bandidismo (O Globo, por exemplo, cobrou a falta de uma intervenção dura e radical em Bangu 1 antes mesmo da rebelião). Se por um lado o editorial reiterava a existência de um estado de direito e de um império da lei que protegem a todos os cidadãos, noutro exigiu soluções definitivas contra bandidos aos quais definiu como irrecuperáveis. Seria isto um apoio implícito à pena de morte?
A hora da TV Globo
A oração global terminou afirmando que chegou a hora de todos os brasileiros terem a coragem de fazer alguma coisa contra a violência urbana (sic). Na frase final ("O momento é este"), fez óbvia alusão às eleições em curso, deixando subentendido que tal bravura deveria se manifestar pelo voto. Estranhamente, porém, não houve o mais tênue indício daquilo que a própria emissora poderia ou deveria fazer em prol desta mesma cruzada.
Sem dúvida alguma, a hipocrisia é a verdadeira campeã de audiência na sociedade brasileira. Nas circunstâncias de calamidade pública, como esta que estamos vivendo, não raramente observamos setores da sociedade convenientemente se servirem do bônus da crítica sem a mínima intenção de assumir o ônus da ação. Provavelmente se sentem desobrigados quanto a isto.
Não há como negarmos o poder relativo de influência da TV Globo sobre seu telespectador. Suas novelas, por exemplo, desde sempre criaram modismos e tendências comportamentais. Não há como também desconhecermos que muitas dessas influências são intensamente danosas aos interesses psicossociais e emocionais das crianças e dos adolescentes.
A emissora sabe disso muito bem e melhor do que ninguém, mas nunca fez nada para dar a sua programação uma qualidade pedagógica mais condizente com as necessidades dos telespectadores e da própria sociedade cidadã da qual faz parte. Certamente é sua obrigação ética tentar reverter os malefícios do lixo cultural não-reciclável que joga diariamente em todos os lares brasileiros.
Talvez tenha chegado a hora de a TV Globo acreditar que ela mesma deve enfrentar com coragem essa questão e dar um basta ao poder nocivo da sua programação. O momento ainda é este.
(*) Pedagogo, Rio de Janeiro