Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

História, datas e processos

11 DE SETEMBRO, A GUERRA
(*)

Alberto Dines

A Primeira Guerra Mundial começou no dia 4 de agosto de 1914, a Segunda, no dia 1? de setembro de 1939, insignificante diferença de 27 dias. Mas se algum historiador revisionista proclamar que o segundo conflito não foi provocado pela invasão da Polônia e se iniciou dias antes, quando Hitler ameaçou apossar-se do porto de Dantzig, teremos uma coincidência de efemérides. O que é rigorosamente irrelevante, embora os dois grandes massacres mundiais relacionem-se entre si.

O golpe militar contra o presidente Allende, no Chile, e o ataque terrorista contra as torres gêmeas, em Nova York, deram-se no mesmo dia, 11 de setembro, e, como não poderia deixar de ser, são lembrados conjuntamente pela mídia. A diferença de 28 anos coloca-os em processos diferentes, embora o movimento e o curso da história seja único e indivisível ? da queda de Roma à reunião de Cancún.

A tragédia chilena costuma ser examinada no contexto da Guerra Fria e, apesar do nome, tão sanguinária como os períodos mais quentes. O massacre perpetrado contra alvos civis em Nova York foi a maior ação terrorista até hoje registrada e, mesmo não sendo a primeira, certamente vai consagrar-se como o início de nova conflagração mundial. Pode ser classificada como Quarta Guerra Mundial, já que a Guerra Fria assumiu proporções globais, alongou-se por 44 anos e hoje pode ser enxergada como a Terceira Guerra Mundial.

Com formato intermitente, diferenciam-se no teor: apesar dos pretextos ideológicos, a Guerra Fria foi uma guerra de conquista, não apenas de territórios mas de poder político e militar, estendendo-se além da esfera terrestre.

O conflito atual tem conotações religiosas, culturais, também ideológicas, mas comporta claras disputas de soberanias, como é o caso da Palestina, do subcontinente indiano, da Indonésia, das Filipinas e da Colômbia.

Quando a al-Qaeda convoca as massas para expulsar os infiéis dos lugares santos da Arábia Saudita, mostra-se empenhada em preservar a sua civilização mas igualmente em conquistar uma base territorial e, a partir dela, impor os seus valores.

Enquanto a Segunda Guerra Mundial foi antinazi-fascista e dividiu o mundo em dois campos geopolíticos bem definidos, agora configura-se uma guerra de fragmentação: cada país e cada bloco de nações está sacudido por profundas dissidências e cismas. Na mesma Europa liberal, avançada e supranacional, praticamente no mesmo dia, Sílvio Berlusconi, presidente da União Européia, faz um preito ao chauvinista Mussolini e a chanceler da Suécia, defensora do pan-europeísmo, é morta a punhaladas por um desconhecido.

O ataque terrorista aos EUA sugeriu inicialmente uma luta entre a democracia e seus inimigos. Dois anos depois, o presidente dos EUA capitula aos adversários propondo uma série de medidas que confrontam a própria idéia democrática. Enquanto seu interlocutor médio-oriental, Ariel Sharon, faz as únicas coisas que não deveria fazer: sepulta os acordos de Oslo, mantém os assentamentos ilegais e, agora, pretende a expulsão de Arafat do território palestino.

Guerra sem fronteiras, global, serve-se das melhores criações do espírito humano para legitimar as mais perversas ações. Faz do homem, bomba, e, da vida, arma letal. Acabaram-se os santuários, evaporou-se a neutralidade, isentos transformam-se em radicais. Guerra sem convenções nem regras confunde agredidos com agressores, santifica a violência ? todas as violências ? como arma política. Guerra dos bodes expiatórios, sem inocentes, onde todos são culpados, mesmo as vítimas.

Setembro não é pior do que agosto nem o dia 11 mais macabro do que o 31. A história não tem vontades, preferências ou superstições. Todas as datas têm seqüência e conseqüências.

(*) Copyright Jornal do Brasil, 13/9/03. com o título original “Datas e processos”