"Limites e bom senso", copyright O Estado de S.Paulo, 2/10/00
"Dois motivos me fazem estranhar certas reações à Portaria 796, que atualiza as regras de classificação etária dos programas. O primeiro é que essa portaria reafirma a essência de sua antecessora, a 773, de 1990, até então em vigor e nunca contestada pela indústria do entretenimento.
Não há pontos duvidosos na portaria, toda ela de fácil interpretação. Nada que o bom senso não permita resolver, além do fato de estar o Ministério da Justiça pronto a esclarecer quaisquer dúvidas surgidas. Além do mais, tal prática já vinha ocorrendo há dez anos, e não houve alteração substancial que levasse à necessidade de um período longo de adaptação.
Portanto, mostrar surpresa com a nova portaria é aparentar uma ingenuidade que certamente não é a característica do setor. Pior é classificá-la de ‘censura’, a qual, se assim fosse, estaria em vigor há dez anos sem ninguém saber ou mesmo reclamar.
O segundo motivo de estranheza é o surto de esquecimento que parece ter tomado conta de diretores das principais redes de televisão, ‘surpresos’ com a portaria que alguns chegam a classificar de ‘inconstitucional’.
Em nenhum momento mencionaram as inúmeras reuniões patrocinadas pelo Ministério da Justiça, desde a gestão do ministro Nelson Jobim, com o objetivo de buscar fórmulas capazes de estabelecer limites para as programações televisivas. A expectativa do governo era a de que as emissoras elaborassem um sistema de auto-regulamentação que coibisse os excessos e estimulasse os programas positivos, a exemplo do que já ocorre eficientemente na publicidade.
Interlocutora das primeiras reuniões, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), apesar do compromisso formal, nunca conseguiu avançar na execução daquela proposta. Pior, disputas internas dividiram e enfraqueceram a entidade, passando, então, as tentativas a ser feitas individualmente com cada rede.
Desde 1998, ainda como secretário nacional de Direitos Humanos, resolvi assumir a tarefa de negociar com as TVs. Foram inúmeros os encontros com as diretorias da Globo, da Record, do SBT e da Bandeirantes, entre outras. Em todos eles, apesar da consciência da necessidade de tratar o assunto seriamente, a conversa sempre esbarrou nas acusações mútuas e, no final, não avançávamos na questão.
Observa-se, portanto, que não foi por falta de iniciativa do governo que não se estabeleceu no País uma forma de controle de qualidade na programação das TVs. Aliás, um controle reclamado pela sociedade, conforme atesta pesquisa de opinião pública encomendada pelo Ministério da Justiça em 1997. Aquela pesquisa mostrou, também, que a sociedade brasileira não quer a volta da censura oficial, o que coincide com a posição do governo. Entretanto, as mães, os pais e os responsáveis querem algum tipo de balizamento e esperam que o governo cumpra a obrigação constitucional de oferecer-lhes os instrumentos de exercício da cidadania. Nesse caso, a classificação indicativa.
Quanto à eficácia ou não desse instrumento, ela sempre dependerá fundamentalmente da participação dos interessados, sobretudo os pais. Sua função educadora, entretanto, selecionando o que os filhos vêem na TV, jamais será substituída pelo governo.
À indústria do entretenimento cabe refletir mais profundamente sobre seu papel indutor de comportamentos. Nos países que cultuam a liberdade de expressão há mais tempo que nós, a influência da TV na formação das pessoas passa por amplo processo de discussão. Estudos em análise no Congresso dos Estados Unidos revelam a relação direta entre a violência na TV e nas ruas.
Aliás, nem é preciso ir tão longe para fazer essa constatação. O programa Fantástico, da Rede Globo, na edição de 17/9/2000 apresentou entrevista com o rapaz que descarregou uma arma contra pessoas num cinema em São Paulo.
Nela ele admite que seu ato violento foi influenciado por filmes a que assistiu. Já a revista IstoÉ (edição de 18/9/2000) traz reportagem sobre o aumento da criminalidade entre as mulheres. Segundo a matéria, as mulheres que escolhem o caminho do crime o fazem sempre de olho no falso glamour que envolve os filmes sobre violência.
Não tem o Ministério da Justiça a pretensão de ditar valores morais para a sociedade, muito menos exercer qualquer tipo de censura. Ao mesmo tempo, não pode fazer vista grossa à disseminação de conceitos, imagens ou enredos distorcidos que venham a contribuir para o aumento da criminalidade e da violência, por exemplo.
O Plano Nacional de Segurança Pública, ao mesmo tempo que contempla ações policiais, de promoção social e aperfeiçoamento legislativo, prevê a participação efetiva dos meios de comunicação de massa como indutores de mudança de comportamentos, que forneçam uma cultura de não-violência.
As TVs devem ser parceiras essenciais no combate a todas as formas de violência e, para isso, precisam buscar maneiras inteligentes e não apelativas de retratar a realidade, oferecendo suas programações sem impor demasiadamente à sociedade, sobretudo às crianças e aos adolescentes, exposição exagerada e, muitas vezes, banal da violência. Está na hora de os meios de comunicação, especialmente a televisão, patrocinarem, com equilíbrio e lucidez, a promoção de valores éticos e a formação de um clima de paz. É obrigação mínima de um ministro da Justiça responsável estimular a discussão de questões de interesse da sociedade. [José Gregori é ministro da Justiça]"
"Hollywood promete filmes mais leves", copyright O Globo, 28/9/00
"Criticados duramente no Congresso americano por fazerem filmes violentos para crianças, executivos de Hollywood reuniram-se ontem no Capitólio com uma comissão de senadores para anunciar que vão impor limites à violência no cinema. Mas não conseguiram convencer os senadores.
– O plano está cheio de falhas – disse, irritado, o senador John McCain, que disputara com George Bush a candidatura à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano.
O plano apresentado ontem por oito diretores de grandes estúdios consiste em reduzir a dose de violência nos filmes para que estes possam ser vistos por platéias mais jovens. Este mês, um relatório da Comissão Federal de Comércio acusou a indústria de entretenimento americana de oferecer a crianças filmes, músicas e jogos eletrônicos repletos de violência. Além disso, o jornal ‘The New York Times’ publicou ontem uma reportagem segundo a qual Hollywood testa filmes restritos para menores de 17 anos exibindo-os para platéias com crianças de 9 e 10 anos.
O presidente da Sony, Me Harris, reconheceu que a Columbia Pictures, empresa associada à Sony, agiu mal ao exibir ‘O quinto elemento’, filme de ficção científica, para uma platéia jovem.
O senador Kay Bailey advertiu os executivos de que, se a indústria de cinema não responder aos apelos, será criada uma legislação para regulamentá-la. Hollywood se opõe à criação de leis, alegando que isto constituiria censura."
"Casa Branca sem Bill e Monica", copyright no. <www.no.com.br>, 28/09/00
"A televisão brasileira traduziu o Survivor e fez sucesso com o No Limite. Adaptamos o David Letterman e aí está o Jô, com caneca e verve rápida. Difícil será transformar West Wing, que teve 18 indicações e levou 9 estatuetas do Emmy este ano, em algo brasileirinho. A série dramatiza, com muito charme e inteligência, embora politicamente corretíssima, os bastidores da Casa Branca. Um repórter tem um caso com a assessora de imprensa do presidente, por exemplo. Como confiar que ela não está passando notícias confidenciais durante o cigarrinho do depois? Um assessor direto do presidente teve passado alcoólatra e é denunciado por uma funcionária da Casa Branca, que sofreu na infância com um pai dependente e, ufa!, sabe que ninguém pode tomar decisões sérias nessas condições. São dramas comuns mas, eis a boa sacada, eles aqui misturam-se com os dramas que mudam uma nação. O presidente é Martin Sheen. Às vezes parece morgadão demais, um republicano com ares de Eduardo Suplicy, e talvez por isso, para pegar aos trancos, nos goles da cafeína, está sempre escorado numa caneca mesmo quando despacha com visitas de responsa.
Viaja-se na maionese da demagogia americana. Prepare-se para não ter um frouxo quando o little colored que faz a secretaria particular do presidente entrar no quarto do supremo mandatário e, já que o homem não havia acordado com o despertador, sacolejá-lo até que os olhos de sua excelência se ponham bem abertos e comecem a decidir os destinos da pátria. Quem seria esse Eduardo Jorge na versão brasileira? Só mesmo um Matheus Nachtergaele. Nos tiroteios da ala oeste do Palácio da Alvorada, ele precisaria, no entanto, incorporar ao mesmo tempo a esperteza do João Grilo e a songamonguice do Chicó. No episódio deste domingo, 1o de outubro, às 19 horas (reprise quarta-feira, 20 horas, na Warner), veja como o tratamento de canal da assessora de imprensa (Allison Janney, melhor atriz coadjuvante do Emmy 2000) quase provoca uma crise de Estado. Saiba também como o entediado chefe de comunicação (Richard Schiff, melhor ator coadjuvante) vai tirar da cadeia de um subúrbio de Connectitut o juiz que a Casa Branca indicou para a Corte Suprema. Às vezes é tudo verborrágico demais, intricado demais, salas escuras demais e salão oval de menos. O gatinho Rob Lowe, um dos secretários do presidente, já andou se divertindo com uma estagiária num capítulo antigo. Mas coisa de jovem solteiro. Sem charuto, sem perjúrio à constituição, sem danos ao contribuinte e sem vestido espermatozado. O humor em West Wing escapa só de vez em quando, o que não prejudica em nada a ótima qualidade da série. Afinal já há por aí presidentes engraçadinhos demais em cartaz."
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