DOCUMENTÁRIOS
Dennis Barbosa (*)
Quais são os fenômenos recentes mais chamativos na televisão brasileira? Facilmente se nota que estão ligados à "verdade". Seja com helicópteros na cobertura de acidentes, seja com infames reality shows, há um público sedento pelo "real" vidrado na telinha. Não vejo virtude nessas atrações, mas a questão que levantam ? de que há muita gente cansada de encenações de amores impossíveis, mortes trágicas e outras coisas que novelas repetem à exaustão ? é importante e oportuna.
Ora, se temos uma audiência que quer tomar mais contato com histórias reais ? e a televisão, por operar com concessão do Estado, tem obrigação de servir ao interesse público ?, por que não unir o útil ao agradável e resgatar o documentário, estilo praticamente relegado, fora da TV paga, a animais exóticos e tolos especiais estrangeiros?
O estigma de superficialidade da televisão esbarra no documentário. Com ele, é possível, de fato, ensinar algo ao telespectador e fazer com que ele reflita. A ficção também permite isso? Sem dúvida, mas o caminho é mais tortuoso. Um telespectador de classe média começa a se perguntar montes de coisas ao assistir Cidade dos Homens, mas tudo estará coberto pelo véu da ficção. Ao ver um trabalho documental, esse telespectador saberá que está sendo exposto a algo que realmente existe em algum lugar deste mundo.
Matérias curtas
Ao contrário do que rege a crença da maioria das pessoas, definitivamente o gênero não está fadado à chatice. Há diversos meios de aumentar seu dinamismo. Pode-se, por exemplo, recorrer a um toque de ficção como fez Marcelo Masagão em Nós que aqui estamos por vós esperamos, no qual personagens reais e inventados traçam uma história do século passado. A já citada sensação do real é outro elemento que enche o documentário de ação. Nenhuma ficção de Hollywood terá a tensão da câmera tremida dos irmãos Naudet no World Trade Center prestes a ruir, em 9/11.
Acontecimentos como aquele e outros tantos que têm sacudido o mundo nestes tempos reforçam a necessidade de se fazer documentários. O público quer entretenimento, mas está ávido por entender o que acontece por aí. Pautas fantásticas e inéditas pipocam ao nosso redor. O mundo que se uniformiza culturalmente pela globalização exige que documentaristas resgatem e preservem as particularidades em extinção dos povos. Os conflitos incessantes precisam ser melhor compreendidos e meras notas cobertas com imagens de agências internacionais não dão conta disso. Acompanhar pelo noticiário a seqüência de chacinas e atentados com que palestinos e israelenses se presenteiam não é suficiente para saber o que pretende aquela gente que se odeia.
Dizem que as pessoas hoje lêem menos. É provável que isso seja verdade. Mas não por isso deixam de necessitar informação aprofundada, e o documentarista está pronto a prover essa informação.
Tenho saudades de programas como Documento Especial, da finada TV Manchete. Quero esquecer momentos de tristeza como os que vivi recentemente, assistindo a um programa que mostrava as mal-dubladas venturas e desventuras de uma família americana ao criar seus recém-nascidos gêmeos sêxtuplos. Será que um enlatado estrangeiro é mais barato até que mandar um repórter mais ousado caçar alguma coisa interessante na própria cidade da emissora? Não seria a redenção do documentarismo televisivo brasileiro, mas já seria um bom começo. E mesmo que não compensasse do ponto de vista financeiro, talvez valesse a pena pelo prestígio e pelo, digamos, resgate da dignidade da TV.
Estou certo de que o problema não está na falta de jornalistas-documentaristas, pois há diversos muito capacitados que hoje se escondem em matérias de dois ou três minutos ? não que estas também não tenham seu papel. O que a televisão brasileira precisa fazer é dar esta chance a seus profissionais ? e ao seu público.
(*) Estudante de Jornalismo na ECA-USP, diretor de Muito além da razão, documentário vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 2002