‘Os Estados europeus, vários países emergentes, como o Brasil e a China, e outros da África, da Ásia e da América Latina, consideram que as coisas não podem continuar assim. A Internet não pode continuar sendo controlada por uma empresa subordinada ao governo dos EUA.
No fim de semana passado estive participando em um grande colóquio sobre o tema ‘Ética e comunicação – Direitos e informações no sistema global’. O encontro, organizado pela província de Veneza aconteceu perto dessa cidade, em uma pequena ilha chamada San Servolo, localizada na mesma lagoa, em um dos prédios restaurados com supremo gosto, que durante décadas serviram como asilo psiquiátrico para homens… Participavam alguns dos melhores especialistas italianos, como Roberto Savio, Giulietto Chiesa, Giovanni Cesareo e Fausto Colombo, debatendo em torno de algumas preocupações principais: o direito de ter acesso a uma informação confiável; a necessidade de contar com notícias autênticas, seguras e verificáveis; a expansão exponencial dos meios de comunicação de massas; o excesso de dados que circulam pela web; a fratura digital; a procura por novas formas de regulamentação e de governo das redes midiáticas.
Discutiu-se muito sobre a crise do jornalismo, sobre como os cidadãos organizados no que tenho chamado de quinto poder poderiam controlar melhor a mídia. E também se falou bastante das tecnologias abertas e da conveniência de transformar os programas digitais em bens comuns da humanidade.
Porém, os debates mais intensos e apaixonados giraram em torno dos temas que serão debatidos durante a 2ª Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que acontecerá em novembro próximo na Tunísia, patrocinada pela ONU. E, mais especificamente, sobre a questão do controle da Internet. Este problema tem se transformado em uma polêmica de alcance geopolítico uma vez que existe uma divergência importante entre os Estados Unidos, por uma parte, e a União Européia e os países emergentes, pela outra, para saber como deve ser modificada a gestão da Internet.
É evidente que, em um mundo cada vez mais globalizado e no qual as redes de comunicação (sendo a Internet a principal delas) têm uma importância estratégica, o controle dessas redes outorga à potência que o exerce uma superioridade estratégica decisiva. Da mesma maneira que no século XIX o controle e das rotas de navegação mundiais conferia à Inglaterra um domínio sobre todo o planeta.
Atualmente, a Internet está controlada pela empresa da Califórnia ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), a qual administra a Rede e atribui, por exemplo, os nomes de domínio (o .es da Espanha). Desde novembro de 1998, essa empresa está sob a tutela do Departamento de Comércio norte-americano, segundo consta em um acordo assinado entre o ICANN e o Governo dos Estados Unidos, válido até setembro de 2006.
No colóquio de San Servolo foi lembrado que na sexta-feira da semana passada, dia 30 de setembro, em Genebra, terminaram duas semanas de negociações infrutíferas entre os Estados Unidos e a União Européia, durante as quais se tentou pôr fim às profundas divergências sobre o controle e a regulação da Internet.
Os Estados europeus, vários países emergentes, como o Brasil e a China, e outros da África, da Ásia e da América Latina, consideram que as coisas não podem continuar assim. A Internet não pode continuar sendo controlada por uma empresa subordinada ao governo dos Estados Unidos. Esse será o debate central no próximo mês de novembro na Tunísia. O que está em jogo é a liberdade de expressão na Rede.
A cada dia, um maior número de países exigem a criação de uma nova autoridade internacional, abrigada no seio da ONU, que seja encarregada de garantir uma gestão independente e equânime da Internet. E cada vez são mais os cidadãos do mundo todo que apóiam essa nova exigência democrática.’
Gerusa Marques
‘Conselho do Senado quer limitar capital externo também na internet’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/10/05
‘O Conselho de Comunicação Social do Senado é favorável a estender às empresas de internet e telefonia o limite de 30% à participação de capital estrangeiro quando se tratar de produção, programação e provimento de conteúdo. A Constituição prevê a restrição para jornais, rádios e TVs. Mas há dúvidas entre as operadoras de telefonia se a limitação atingiria a distribuição de seu conteúdo, como a transmissão de imagens pelo celular.
Ontem, o conselho aprovou o relatório de Paulo Tonet, representante das empresas da imprensa escrita, que recomenda aceitar a proposta de emenda constitucional do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), que estende o limite a outros setores. Maguito argumenta que a Constituição deve mudar, pois é anterior ao processo de expansão da internet e de transmissão de programas de TV por celular. Tonet disse que a emenda não pretende limitar a distribuição de conteúdo, mas lembra que, se uma empresa de telecomunicações, que tem 90% de capital estrangeiro, quiser produzir conteúdo, ‘ela tem de se adequar a essa norma’.
A aprovação do conselho é só uma sugestão aos senadores. A proposta de Maguito está sob análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e aguarda parecer de Fernando Bezerra (PTB-RN) desde maio. Representante da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) no conselho, Celso Schröder, reclamou: ‘É um assunto de extrema importância, discutido às pressas, atendendo interesses de um segmento econômico.’ Para ele, a emenda quer impedir as empresas de telecomunicações de entrar no mercado de produção de conteúdo.’
Tela Viva
‘CCS dá aval à PEC que regula conteúdos em novas mídias’, copyright Tela Viva, 11/10/05
‘O Conselho de Comunicação Social aprovou, por unanimidade, o parecer do conselheiro Paulo Roberto Tonet (representante das empresas de mídia impressa no CCS) sobre a proposta de Emenda Constitucional 55/2004, de autoria do senador Maguito Vilela (PMDB/GO), que basicamente estabelece a empresas que produzam, programem ou provenham conteúdos dirigidos a brasileiros as mesmas regras que hoje se aplicam ao rádio e à televisão. O relatório de Paulo Tonet considera ‘adequada e oportuna’ a aprovação da proposta por representar ‘uma salvaguarda importante à cultura, produção artística, jornalística e identidade nacionais’. Tonet diz que não se trata de uma reserva de mercado às empresas de comunicação. O que se faz, diz o relator, é uniformizar ‘a norma (já existente) para toda e qualquer iniciativa de produção de conteúdo brasileiro destinado a brasileiros’. Questionamento Houve apenas um questionamento, do conselheiro Geraldo Pereira dos Santos (representante de trabalhadores na indústria de cinema) no sentido de que, mesmo em relação à produção publicitária (que está excluída da restrição constitucional, pela proposta do senador Maguito Vilela), se respeite o limite de prioridade a profissionais brasileiros. A proposta foi acatada pelo CCS e será incorporada pelo relatório. O conselheiro Roberto Wagner (representante da sociedade civil) chegou a pedir que se considerasse a inclusão, na PEC, de uma restrição a que eventos esportivos de interesse nacional fossem obrigatoriamente transmitidos pela televisão aberta. Fernando Bittencourt (diretor de engenharia da tv Globo e representante dos engenheiros de televisão no CCS) também levantou o fato de a PEC não tratar de conteúdos esportivos e sugeriu que se limitasse a compra desse tipo de evento por empresas estrangeiras, o que desbalancearia a programação das emissoras brasileiras. Paulo Tonet considerou que as colocações, ainda que pertinentes, abririam demais o tema e não foram acatadas. O presidente do Conselho de Comunicação Social, Arnaldo Niskier, também manifestou sua concordância com a proposta do senador Maguito Vilela. ‘A proposta mostra coragem e patriotismo ao tocar no assunto’, afirma. ‘É um momento de corrigir distorções’, complementa. Paulo Tonet não considera que a proposta do senador Maguito limite a atuação de empresas de telecomunicações sobre um serviço que hoje é considerado de valor adicionado, portanto não regulado. ‘A PEC só se aplica a quem produzir conteúdo no Brasil’, diz. Questionado sobre o fato de o texto proposto falar em limitações a empresas que ‘provenham’ conteúdo, Tonet esclareceu que no seu entendimento prover não é a mesma coisa que distribuir. ‘Uma tele de capital estrangeiro pode distribuir o que quiser. Se for conteúdo para brasileiro, aí é que se aplicariam as regras que hoje valem para a televisão’, diz, referindo-se à limitação de 30% para capital estrangeiro e à obrigação de dirigentes brasileiros. Sem debate Sobre programadoras de tv por assinatura, Tonet diz que conteúdos estrangeiros poderão ser distribuídos. A limitação está para quem produzir conteúdos ‘dirigidos ao público brasileiro’. Sobre uma eventual limitação que estaria sendo criada a empresas provedoras de internet, o relator da matéria no Conselho de Comunicação Social diz não existe uma limitação. ‘Estamos falando apenas de quem produz conteúdo’. Ele reconhece, contudo, que a mesma empresa de capital estrangeiro que hoje produz no Brasil poderá se instalar em outro país e continuar produzindo e distribuindo pela internet seu conteúdo de outro país. Celso Schöeder, secretário geral da Federação Nacional dos Jornalistas e membro-suplente do CCS, teria posição diferente dos demais conselheiros, mas não as pôde se manifestar por estar ausente no momento em que foi colocado em debate o relatório da PEC. Ele pondera que o parecer do conselheiro Tonet deixou de abordar questões importantes de interpretação do texto da PEC, como a definição dos termos à que a proposta se refere (‘por exemplo, o que é conteúdo dirigido ao público brasileiro?’, indaga). Para Schröeder, o relatório também desconsiderou que existem debates sobre temas semelhantes já sendo travados tanto no âmbito do grupo de trabalho de tv digital quanto no grupo para a Lei de Comunicação e que o assunto mereceria discussão muito mais ampla. ‘Se tivéssemos sido consultados pelo conselheiro que relatou o tema, teríamos sugerido que a PEC não fosse adiante nesse momento’. Paulo Tonet não entrou em detalhes jurídicos da proposta do senador Maguito Vilela, muitos deles apontados como inconstitucionais por advogados e especialistas no tema. ‘A justificação trazida na proposta (da PEC) em exame é de invulgar eloqüência e é auto-explicativa, podendo por si só constituir-se em fundamento deste parecer’, diz Paulo Tonet.’
GOOGLE, 7 ANOS
Folha de S. Paulo / Associated Press
‘Google faz sete anos e expande tentáculos’, copyright Folha de S. Paulo / Associated Press, 12/10/05
‘Há sete anos, o Google era um mecanismo de busca básico. Hoje, é uma criatura tecnológica que cria novos e intrigantes tentáculos quase todas as semanas.
Na semana passada, por exemplo, o Google uniu forças com a Sun, fabricante do StarOffice, concorrente do Office, da Microsoft, que, junto com o Yahoo!, figura entre os principais rivais da companhia. O buscador também acaba de lançar seu leitor de RSS (www.google.com/reader), que permite que o usuário receba as novidades publicadas na rede.
Outros investimentos podem estar a caminho. Graças aos seus entusiasmados acionistas, a empresa americana dispõe de US$ 7,1 bilhões para gastar, o que tem estimulado um jogo de adivinhação sobre até onde o Google chegará com tantas inovações.
Estaria construindo uma sistema operacional para acabar com o domínio da Microsoft sobre os computadores pessoais? Ou planejando a construção de uma rede gratuita de conexão sem fio à internet que cobriria os EUA?
Onipresença
‘O Google quer estar em todos os lugares onde as pessoas estão’, diz Danny Sullivan, editor do site Search Engine Watch (searchenginewatch.com).
O Google já agrega projetos como a criação de uma biblioteca virtual – gerada com a digitalização de acervos, o que preocupa o mercado editorial-, o comunicador Google Talk -que, por permitir bate-papo via voz, alimentou especulações sobre a criação de um sistema de telefonia- e o provimento de acesso sem fio à internet -abrangendo cidades próximas à sua sede, no Vale do Silício, e com pretensões de expandir-se até San Francisco.
Outros projetos envolvem a concepção de um sistema de pagamentos on-line -indício de interesse em entrar no comércio eletrônico- e o armazenamento de vídeos e transcrições, que, por sua vez, alimentam teorias sobre a criação de um canal de TV.
Os objetivos do Google a longo prazo, porém, permanecem obscuros. Não se sabe se está apenas explorando meios alternativos de distribuição de propaganda -origem de quase todo seu lucro- ou se pretende transformar a maneira como as pessoas trabalham, se comunicam, compram, lêem e até assistem à TV.
Segredos
Ex-alunos da Universidade de Stanford, Larry Page e Sergey Brin nunca gostaram da discussão sobre as implicações subjacentes ao objetivo da empresa: ‘Organizar a informação e torná-la útil e acessível universalmente.’
Eric Schmidt, diretor-executivo do Google, que aconselha Page e Brin em decisões importantes, deu mostras de que não pretende divulgar nenhum segredo. ‘Você não tem como saber o que estamos fazendo sem se infiltrar nas entranhas de nossa empresa’, disse Schmidt, em entrevista à Associated Press.
Em 2004, por exemplo, muitos acreditaram que a empresa planejava lançar seu próprio navegador, mas Schmidt, desde então, nega qualquer plano do tipo.
John Battelle (battellemedia.com), autor de um livro sobre o impacto e o potencial do Google, acredita que tanto mistério acabou transformando-o em algo equivalente a uma ilustração do teste de Rorschach -imagem amorfa que é definida pelos medos e esperanças de quem olha para ela. ‘Ao ver uma empresa nova redefinir a indústria da tecnologia, podemos ficar com medo do que ela é capaz de fazer ou esperar mais do que ela pode alcançar’, diz Battelle.
Um dos indícios sobre o quanto a empresa pretende crescer foi a construção do ‘Googleplex’, campus de 93 mil m2 junto ao centro de pesquisas Ames, da Nasa. A empresa pretende aproveitar os poderosos cérebros dos cientistas espaciais, incorporando-os em sua folha de pagamento -lista que quase triplicou nos últimos dois anos e que conta atualmente com 4.200 funcionários.
Mas, apesar do crescimento, o Google ainda é quase um anão se comparado à Microsoft, que emprega 61 mil funcionários e tem quase US$ 38 bilhões em caixa.
Rivalidade
Por outro lado, poucas empresas se preocupam mais com o Google do que a Microsoft: o rival tem assediado sua força de trabalho em busca de engenheiros talentosos. Entre os desertores estão Kai-Fu Lee -impedido de trabalhar com sistemas de busca após ser processado pela empresa de Bill Gates- e Mark Lucovsky, um dos principais membros da equipe responsável pelo Windows.
Stephen Arnold, cujo recém-lançado livro eletrônico ‘The Google Legacy’ (www.infonortics.com/publications/google/google-legacy.html) examina as ambições da empresa para além das buscas on-line, disse estar convencido de que o buscador tem planos de construir uma alternativa ao sistema operacional Windows, que funcionaria com base na internet.
Tal fato não passou despercebido pela diretoria da Microsoft, cujo diretor-executivo Steve Ballmer teria, segundo declarações do ex-funcionário Lucovsky, prometido acabar com o Google em um discurso cheio de obscenidades, proferido no final do ano passado.
O analista Lauren Rich Fine suspeita que o Google possa comprar uma fatia de seu maior parceiro de negócios, a America Online -e assim frustrar o planos da Microsoft de formar uma aliança com a AOL. O Google recusou-se a comentar tal possibilidade.
O Google tem tanto poder que alguns observadores do setor suspeitam que a empresa possa se tornar um Ícaro do século 21, derrotada por seu excesso de confiança. Outros acham que o Google possui habilidade técnica necessária para cuidar de todos os seus projetos.
Mas mesmo otimistas como Battelle têm suas dúvidas. ‘Não há garantias para o Google’, ele diz. ‘A grande pergunta é se eles conseguirão alcançar tudo o que desejam antes que alguém apareça com idéias ainda melhores.’
Tradução de Flávio da Rocha Silveira’
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‘
Campanha pede a sobrevivência de Jeeves‘, copyright Folha de S. Paulo, 12/10/05‘‘Salvem o Jeeves!’ Esse é o apelo que os fãs do personagem do site Ask Jeeves (www.askjeeves.com), figura engravatada que permeia as páginas do buscador, estão fazendo aos donos da Ask (www.ask.com), responsável pelo site e pelo projeto de banir o mascote.
Segundo a Ask, que em maio deste ano foi vendida à Inter-Active, a permanência de Jeeves é incongruente com as mudanças ocorridas no buscador, decorrentes da venda. Além disso, ela estaria buscando novas maneiras de atrair seus visitantes.
A ausência de Jeeves, anunciada em setembro, não tem data marcada para acontecer. Ela deverá ser sentida aos poucos, conforme sua figura se tornar menos freqüente no site.
A campanha pela sobrevivência de Jeeves está no blog savejeeves.blogspot.com, no qual o autor conclama os internautas a abraçarem a defesa do mascote.’
MICROSOFT & REALNETWORKS
Folha de S. Paulo
‘Microsoft paga US$ 761 mi à RealNetworks’, copyright Folha de S. Paulo, 12/10/05
‘A Microsoft concordou em pagar US$ 761 milhões à empresa RealNetworks em um acordo no caso antitruste contra a gigante de software, acusada de usar sua posição no mercado para promover o Windows Media Player.
A RealNetworks argumentava no caso que, ao oferecer o Media Player gratuitamente junto com o Windows, a Microsoft prejudicava as vendas do RealPlayer.
O acordo prevê, além do pagamento, uma cooperação entre as duas empresas, o que é positivo para a RealNetworks, que ganhará novos canais para seus produtos.
Este caso era um dos últimos relacionados a um processo do governo americano contra a Microsoft, que foi encerrado em 2002.
A Microsoft vai pagar US$ 460 milhões em dinheiro como compensação e vai gastar mais US$ 301 milhões para promover o serviço Rhapsody no portal MSN. O Rhapsody é um serviço de venda e assinatura de música on-line operado pela RealNetworks.
A RealNetworks também ganhou acesso a tecnologias do Media Player que poderão ser usados para melhorar o RealPlayer.’
RÁDIOS COMUNITÁRIAS
Bia Barbosa
‘Movimento deve radicalizar as ações contra a repressão’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 11/10/05
‘Depois de perder a crença no diálogo com o governo, a Abraço, que reúne parte das rádios comunitárias do Brasil, deve ir às ruas para reivindicar mudanças na legislação e protestar contra a repressão da Anatel. Videoconferência do movimento cobrou abertura de relatório do executivo sobre o tema.
Na semana passada a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fechou mais uma rádio comunitária em Pernambuco. A emissora JSP FM, do Jardim São Paulo, é uma das primeiras rádios comunitárias a serem instaladas no Recife; funciona desde a década de 80. Seu coordenador participou da instalação da maioria das rádios comunitárias da capital. Diariamente, a Rádio JSP abre espaço em sua programação para novas expressões culturais do estado, veicula notícias e campanhas de utilidade pública, prestando um verdadeiro serviço à sua comunidade. No dia 28, a emissora foi invadida por dez homens (quatro agentes da Anatel, quatro da Polícia Federal armados com metralhadoras e dois oficiais de Justiça). Com um mandado de busca e apreensão emitido pelo juiz Georgius Luis Argentini Príncipe Credidio, juiz substituto do trabalho, os agentes fecharam a emissora e apreenderam todos os equipamentos da rádio: transmissor, processador de áudio, microfones, mesa de som e de canais, computador, CD Player, amplificadores e um gerador.
A cena de truculência, de agressões verbais e abuso de autoridade não é nenhuma novidade no cotidiano daqueles que trabalham e lutam há décadas pelo funcionamento das emissoras comunitárias como um instrumento da democratização da comunicação no país. Depois de diversas tentativas de estabelecimento de diálogo com o governo federal, o movimento formado por parte dessas rádios decidiu agora radicalizar o processo de reivindicação de seu direito à comunicação. As emissoras organizadas em torno da Abraço (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias) pretendem ir às ruas e pressionar de maneira mais forte o Ministério das Comunicações (MiniCom), que é o órgão responsável pela análise dos pedidos de concessão de outorgas.
‘Esgotaram-se os canais de credibilidade que poderíamos ter com o governo e com o ministério. O governo está chegando em sua reta final, com pouco tempo de vida, e as coisas não mudaram. O momento da esperança e da credibilidade passou. Parte-se agora pra um momento de desesperança e de enfrentamento real, quando a expectativa de diálogo praticamente terminou. A radicalização é uma tendência que se manifesta espontaneamente devido a essa desilusão muito forte’, explica Ricado Campolim, membro da Coordenação Nacional da Abraço e do coletivo estadual da entidade em São Paulo.
No estado, segundo Campolim, há cerca de 260 rádios comunitárias autorizadas e mais de 3 mil em funcionamento. Somente na região metropolitana da capital, há 400 emissoras que aguardam a autorização do MiniCom, mas que são obrigadas a funcionarem na ilegalidade porque, até hoje, não se definiu qual o canal no dial que poderá ser ocupado pelas comunitárias.
‘O governo caminha a passos lentos enquanto há uma urgência de medidas da Presidência da República para solucionar o problema dos tantos milhares de pedidos arquivados, parados e com situação indefinida. Há entidades que nem entram com pedidos por falta de crédito no MiniCom. Não confiam que o governo possa realmente resolver a questão das rádios comunitárias’, explica.
O movimento já solicitou uma audiência com a ministra Dilma Roussef, já que a Casa Civil vinha se mostrando mais aberta ao diálogo do que o próprio Ministério das Comunicações. Outra iniciativa será a realização de audiências públicas nos estados para a discussão do relatório do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) formado para discutir uma política do governo para as rádios comunitárias. Formado em novembro de 2005, o grupo começou a funcionar somente em fevereiro deste ano, com representantes dos ministérios e de órgãos como a Anatel, o Ministério Público e os Poderes Legislativo e Judiciário. Depois de 24 reuniões ordinárias e 10 extraordinárias, muitas com a participação da sociedade civil, o GTI concluiu um documento que aborda questões como os processos e procedimentos de análise e seleção do MiniCom para a concessão de outorgas, mudanças na legislação que regula o funcionamento das rádios comunitárias e a fiscalização das emissoras. Foi o segundo grupo de trabalho criado pelo governo Lula para debater o tema.
O relatório já foi encaminhado ao ministro das Comunicações, Hélio Costa. No entanto, apesar de já ter chegado às mãos das emissoras comerciais, ainda não foi divulgado oficialmente. Somente nesta sexta-feira (7) o movimento das rádios comunitárias teve acesso ao seu conteúdo, depois da pressão realizada durante uma videoconferência nacional que reuniu militantes pela democratização da comunicação de 13 unidades da federação (Bahia, Espírito Santo, Goiânia, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal).
Conectados via Interlegis, um sistema de câmeras de vídeo instaladas nas Assembléias estaduais e no Senado Federal, ele debateram com o MiniCom e com a Casa Civil as posições que o governo deve tomar agora que o GTI encerrou suas atividades. A proposta de criação do GTI partiu da Casa Civil e a sua coordenação ficou com o Ministério das Comunicações. A 6a videoconferência organizada pelo movimento de rádios comunitárias homenageou Conceição de Oliveira, que faleceu no Piauí logo após uma fiscalização na emissora em que trabalhava por conta da violência dos fiscais.
Segundo Alexandra Costa, coordenadora do serviço de radiodifusão comunitária do Ministério das Comunicações e relatora executiva do relatório, há um decreto presidencial que veda a divulgação de relatórios de grupos de trabalho sobre políticas públicas antes que o ente que o criou o receba. No caso, o presidente Lula ainda não recebeu oficialmente o documento – isso deve acontecer depois da volta de sua viagem internacional.
‘O presidente Lula precisa logo abrir o relatório para que possamos discutir o que interessa. O ministro Hélio Costa, que responde pelos interesses do mercado comercial, já disse que é contra o documento. Ao mesmo tempo, há posições interessantes da Casa Civil. Então quem fala pelo governo? Não podemos mais ser enrolados. Estamos perdendo o controle sobre o movimento. No interior do Rio Grande do Sul já jogaram até uma bomba num carro da Anatel’, contou Clementino dos Santos Lopes, coordenador nacional da Abraço.
Conflito interno
Para o representante da Casa Civili no GTI, é natural que haja divergências dentro do governo Lula no que tange à regulamentação e funcionamento das rádios comunitárias. ‘Dentro do Palácio do Planalto há um grupo que tem uma visão e que está trabalhando na construção dessas posições. E há um grupo que pensa de forma diferente. Não há um bloco monolítico hegemônico, mas não há nenhum problema nisso. O que precisamos é chegar a denominadores comuns. Antes desse governo não se debatia uma mudança na questão da fiscalização e da anistia às rádios comunitárias. Agora, a discussão foi reaberta’, garante André Barbosa.
A Casa Civil tem adotado uma postura de diálogo com a Anatel e com seus últimos presidentes, que viam o ato da punição às rádios comunitárias que funcionam sem outorga como legal. ‘Há um processo de intuito autoritário no Brasil, que se dá por impulsos que usam a interpretação e o cumprimento da lei sem perceber o dinamismo dos processos. O que tentamos debater é que há uma diferença entre o direito constituído e o direito natural. É daí que vem a truculência nas fiscalizações. As pessoas não enxergam que o direito natural está acima do constitucional’, aponta Barbosa.
‘Eu tenho a posição de que rádio comunitária não é crime, mas a nossa legislação criminaliza sim a ação das emissoras não autorizadas. Então temos que lutar para que não seja assim. Fazer uma indicação para o presidente Lula para que essa ação não seja criminal, para que não se fechem emissoras como a Pop Goiaba, em Niterói (RJ), lacrada recentemente’, disse. A Casa Civil já entrou em contato com a presidência da Anatel para questionar o porquê do fechamento da Pop Goiaba num momento em que o relatório do GTI aponta para outros processos de fiscalização das comunitárias, mais ainda não obteve retorno.
Recomendações
Apesar de ainda não tornado público oficialmente, o conteúdo do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho Interministerial foi apresentado simplificadamente durante a videoconferência desta sexta-feira. Uma das recomendações abordadas fala da necessidade de se discutir a sustentabilidade das emissoras comunitárias. Hoje, pela lei federal, elas são proibidas de receberam recursos advindos de publicidade. Somente o apoio cultural é autorizado, mesmo assim restrito a empresas com endereço num raio de um quilômetro da rádio. A proposta de mudança neste aspecto da lei é criticada sobretudo pelas emissoras comerciais, que temem perder verbas para as concorrentes.
Outra reivindicação do movimento das rádios comunitárias citada no relatório refere-se à possibilidade de formação de redes para a transmissão – também proibidas pela lei atual. ‘Os setores conservadores têm medo de que as rádios comunitárias formem uma rede para discutir a transformação social através das rádios. E é isso o que queremos: discutir a realidade comunitária, trocar experiências, programas, conteúdo, melhorar a qualidade de vida das pessoas e divulgar ações governamentais. Essa é a revolução que queremos fazer’, explicou Barbosa.
O documento também aponta para mudanças no processo de fiscalização por parte da Anatel. Em vez de ser violento, deve ser educativo, oferecer alternativas as emissoras, como a possibilidade de funcionar em outra freqüência enquanto aguarda sua definitiva. Atualmente, há rádios que são fechadas na reta final dos processos de concessão de outorga, quando estão esperando apenas homologação.
A celeridade e desburocratização nas autorizações de funcionamento é outro ponto central do relatório do GTI. A Casa Civil já solicitou ao governo mais recursos para o MiniCom, de forma a agilizar as outorgas, que hoje demoram em média dois anos para saírem. Desde 30 de outubro de 2004, há um decreto, ainda não implementado, para a reabertura das antigas delegacias regionais do MiniCom nos estados, o que agilizaria os processos.
Depois da chegada de Hélio Costa ao ministério, no entanto, o movimento pela democratização das comunicações tem poucas esperanças de uma mudança neste cenário. Em declarações feitas à imprensa, Costa se mostrou em alguns momentos contrário às rádios comunitárias e ao próprio relatório do GTI. ‘O ministro Hélio Costa não é contra as rádios comunitárias em hipótese alguma. Há apenas uma preocupação com as rádios que não atuam junto à sociedade e não são reflexo do que a comunidade deseja’, desmentiu Alexandra Costa.
Outro receio é que a Conferência Nacional de Radiodifusão Comunitária, agendada para abril do ano que vem, não saia das intenções do governo. Segundo a Casa Civil, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) já recebeu autorização para captar recursos para a construção do evento. Muita coisa, no entanto, segue em suspense. O presidente da Anatel será trocado em novembro e as emissoras comerciais, as empresas de telecomunicações e os provedores de internet já começam a fazer seu lobby.
No final de novembro, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados promoverá uma audiência pública para discutir o relatório do GTI e o futuro da radiodifusão comunitária no país. E no final deste mês, em Minas Gerais, acontece uma assembléia paralela da Abraço durante a plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Serão espaços para o movimento organizar sua mobilização não apenas contra a política adotada atualmente em relação às rádios comunitárias, mas contra seus principais defensores: os grandes e poucos grupos que hoje controlam a comunicação no país.’