Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Imprensa

ENTREVISTA / MINO CARTA

"As confissões de Mino Carta", copyright Revista Imprensa, edição de fevereiro

"Ele acaba de lançar um livro onde os personagens tem nomes fictícios mas a história é verdadeira.

No livro, ‘Castelo de Âmbar’, ele traça um retrato que muitos podem achar cruel da imprensa brasileira nos últimos anos. Mas, apesar dos ‘codinomes’ o que Mino Carta mostra no seu livro são experiências e sentimentos vividos pelo autor.

Nesta entrevista, feita pela equipe da revista IMPRENSA, Mino Carta vai além do livro. Ele continua falando verdades duras, mas que precisam ser ditas.

Faz uma análise melancólica da nossa imprensa, diz ela sempre serviu ao poder e conta não lê mais jornais brasileiros. Finalmente mostra onde Lula, que foi seu candidato, errou.

IMPRENSA – Mino, eu queria iniciar esta entrevista com a última frase sua no final do programa Roda-Viva, que a revista imprensa inclusive já tinha publicado. Você dizia que esperava, depois desse período negro dos anos de chumbo da ditadura, da morte do Vlado Herzog, que o sol da liberdade se abriria em raios fúlgidos. E o sol não abriu. Por que você acha que o sol não abriu?

Mino Carta – A minha expectativa era totalmente descabida. Foi provado apenas isso. O sol não ia brilhar mesmo. Eu é que me iludi, porque eu sou dado à ilusões. Embora eu seja otimista na ação, mas pessimista na inteligência, na verdade, eu freqüentemente demais sou um otimista na inteligência também. Então, estava claro que não iria raiar o sol, estava claro. Pessoas que usassem o pessimismo na inteligência diriam ‘não vai raiar o sol’, porque o poder vai continuar nas mesmas mãos.

IMPRENSA – Você acha que o poder continua nas mesmas mãos?

Mino – Sim.

IMPRENSA – Mas você ainda vê possibilidades neste país de se encontrar um caminho?

Mino – Nós estamos sendo submetidos ao mau uso de vários instrumentos disponíveis para despertar consciências. O esforço concentrado é no sentido de embrutecer as consciências cada vez mais. Até porque quem usa os instrumentos também está embrutecido. Então eu não vejo soluções a curto e a médio prazo. A longo prazo, francamente eu não sei. Mas eu quero crer que algum dia raiará o sol da liberdade em raios fúlgidos, mas receio que meus filhos não verão esse fenômeno. Se sobrasse para os bisnetos talvez fosse legal. Eu me daria por satisfeito. Lá do alto.

IMPRENSA – Você não acha que o Brasil mudou em muita coisa? Por exemplo: você tem hoje um juiz Lalau na cadeia, tem um Luís Estevão cassado, você tem um Eduardo Jorge cercado por todos os lados. Por outro lado, você tem um Raymundo Faoro na Academia Brasileira de Letras. São sinais que justificariam um certo otimismo. Otimismo eu não diria, mas uma certa, digamos, tolerância.

Mino – (dirigindo-se a Tão Gomes Pinto com o codinome usado no livro Castelo de Âmbar) Meu caro Nero Panco, você está otimista ao constatar esses sinais?

Nero Panco – Não.

Mino – Se o Faoro está na Academia, eu acho ótimo. E eu acho que enquanto o Faoro estiver lá, a Academia terá elevada a sua taxa de qualidade. Isso é indiscutível. Mas não me parece que, no plano da política, tenhamos Faoros à disposição para assumir o controle da situação, nem mesmo para disputar o poder de forma eficaz. Em primeiro lugar, no campo do poder, a única força que representa, a meu ver, uma novidade, e pela qual tenho muito respeito é o MST que, aliás, está distante até do PT, que teria teoricamente razões para estar próximo do MST. E hoje não está. Me parece que o PT usa, em relação ao MST, uma estratégia. Quer dizer: convém ao PT ter essa turma, que é considerada uma turma revolucionária, realmente perigosa. Pois é ótimo para o PT, é ótimo que exista essa turma, para o PT mostrar que não está com eles. Entendeu? Nós não somos iguais, nós somos diferentes, tenta mostrar o PT. Nós estamos pensando no futuro do país. Claro que dentro do PT, que é o único partido com cara de partido do país, eu acho que existem setores muito bons. Os gaúchos do PT, ao meu ver, são excelentes. Tomara que o país todo estivesse nas mãos de gente desse nível. Seria ótimo. Talvez haja alguns interessantes no Nordeste. Eu acho que existe, por enquanto, uma espécie de ditadura paulista dentro do PT, que não faz bem ao PT.

IMPRENSA – Você é um idealista ou um pragmático?

Mino – (risos) Boa pergunta essa. Mas quando se pratica um jornalismo político, muitas vezes tem que ser pragmático. Se vender, nunca. Mas você pode ser pragmático, dependendo das circunstâncias, porque política é a arte do possível, me desculpe a obviedade. E o praticante do jornalismo às vezes tem que ser pragmático. É como dizer que eu tinha relacionamento com o Golbery, não sei o que, até que o meu livro e o Golbery… É uma coisa cansativa e burra. Quero dizer: o Golbery nunca me salvou de coisa alguma. Nunca me deu um tostão. A única coisa era que, às vezes, nos períodos mais cinzentos da ditadura, ele me avisava para eu não ir dormir em casa. Isso até que era legal. Agora, a censura abateu sobre Veja, dirigida por mim, com Golbery e tudo, e não teve conversa. O Tão conhece muito bem essa história. Eu saí da Veja e o Golbery não disse uma palavra. Quer dizer, eu fui posto para fora da Veja por pressões do senhor Armando Falcão. E o Golbery do Couto e Silva, que todo mundo imaginava, inclusive eu, que teria uma força enorme dentro do esquema da ditadura, não disse um ‘a’. O Golbery, na verdade, era uma contradição ambulante. Ele afirmava certas coisas e as contradizia na ação. Inúmeras vezes dava para notar isso. Agora, o Dom Paulo Evaristo (não sou eu), presta depoimentos muito favoráveis ao Golbery como alguém que o ajudou demais no combate à tortura. O Golbery evidentemente era contra a tortura. Mas num determinado momento da história não podia impedir a tortura. Então ele funcionava como a solução pragmática. Era uma saída. Quem mais faria alguma coisa? O Fernando Henrique Cardoso? Não me faz sorrir. Tancredo Neves? Mas aí gargalho e rolo até embaixo da mesa de tantas gargalhadas. Eles não queriam mudar o país, esta aí a prova provada. O Tancredo morreu e, com isso, subiu aos céus, foi imediatamente santificado, juntamente com Carmem Miranda. E o outro está aí que não me deixa mentir. Então é isso. Num determinado momento eu me aproximo do Golbery, porque ele era a saída possível.

IMPRENSA – E agora, nesse momento, qual seria a saída possível?

Mino – Não tem. Agora não tem saída. Era uma maravilha, porque tínhamos a ditadura militar e, por trás desse biombo da ditadura se escondiam os nossos grandes propósitos. Nós tínhamos grandes planos, projetos, a democracia, a liberdade. Eu acho que realmente a tragédia da vida brasileira é 1964, o golpe militar de 64. Eu acredito que, naquele momento, o país estava tomando um rumo que poderia levá-lo a alguma coisa diferente. Não sei se era bom ou mau, não estou discutindo isso. Mas não seria a transformação do país numa Cuba de 8 milhões de quilômetros quadrados. Isso não aconteceria. Era simplesmente o fato de que poderia surgir, a partir daí, por exemplo, uma classe operária (me perdoem as expressões retumbantes), mas uma classe operária consciente da sua força, por exemplo. Depois, muito mais tarde, anos mais tarde houve movimentos nos quais eu acreditei muito, que depois geraram o PT, o movimento do ABC de São Paulo. Mas aí descobriu-se o quê? Que aquela turma não tinha consciência da sua força. Não falo dos sindicalistas, dos líderes sindicais, que poderiam até ter, e se esforçaram para transmitir alguma coisa a essa massa de manobra. Mas a massa de manobra não funcionou. Não reagiu. Hoje, conforme for, o Maluf ganha e ganha em São Bernardo. Então, deu tudo errado.

IMPRENSA – A esquerda brasileira se equivocou?

Mino – Na Europa, os grandes partidos de esquerda funcionaram, em alguns países, com extrema eficácia. Eles, os partidos de esquerda europeus, contribuíram extraordinariamente para o progresso do capitalismo. Do capitalismo, quero deixar bem claro, porque o capitalismo tem que ter o objetivo de, pelo menos, criar consumidores. Talvez a preocupação em criar cidadãos seja menos importante do que a de criar consumidores. Tudo bem. Mas o consumidor acaba sendo cidadão. Acaba gastando dinheiro também em saúde, educação, essas coisas que fazem o cidadão. Então, o que nós vimos em 64 é um momento trágico, porque acho que Brasil poderia caminhar nessa direção. Repito: não estou defendendo João Goulart, Brizola… Agora, o corte que se deu, essa intervenção brutal dos manda-chuva, dos donos do poder, mobilizando seus gendarmes prontos para executar a tarefa, esse corte não se deveu ao fato de que o Brasil estava no caos, que a inflação estava passando dos 100 %. Pois eles, depois, não iriam conviver sem reclamar com uma inflação de 1.000 %?

IMPRENSA – Você não vê uma esperança na organização da sociedade civil, que a gente vê crescer agora na forma de ONGs por exemplo? Não existe aí uma ponta de esperança?

Mino – Eu não tenho nível para discutir essas questões. Me falta nível. Houve as comunidades não sei do que, religiosas, as tais Comunidades de Base. Isso é periódico e não leva a nada, a meu ver. Eu posso estar enganado. E terei que me penitenciar por essa desconfiança. Mas eu me lembro do Dom Cláudio Hummes, por exemplo, nas barricadas de São Bernardo. Como lembro das declarações inflamadas de Fernando Henri-que Cardoso. Onde estão eles hoje? Porque o clima aqui é emoliente. As pessoas se dismilingüem facilmente. É o sol, provavelmente. Essa chuva que, de repente, se abate, não adianta absolutamente nada. À noite, estamos empapados de suor e não conseguimos dormir.

IMPRENSA – De qualquer forma, você concorda que agora o PT sai para 2002 fortalecido pelas últimas vitórias, inclusive e principalmente a da Marta Suplicy.

Mino – Não. Eu acho que o PT pode até estar fortalecido, de alguma maneira, para 2002, porque o PT, por exemplo, fez boas administrações em um ou outro lugar. Se, digamos, a Marta for uma prefeita excelente, isso vai favorecer o PT. Na medida em que o PT mostra serviço, ele se fortalece. Na medida em que atua administrativamente com inteligência, com decência, o PT se fortalece. É óbvio. Agora eu faço questão de repetir sempre: o PT é o único partido político com cara de partido. Os outros são clubes.

IMPRENSA – No livro, você é extremamente pessimista com relação ao futuro do presidenciável Lula. Você insiste que ele não será presidente e o Lula é o candidato mais cotado do PT. Você acha que o Lula está condenado a mais uma derrota?

Mino – Em primeiro lugar, eu acho que, mais uma vez, o candidato será o Lula. Mesmo que o PT possa nesses próximos dois anos mostrar serviço, ter um ótimo desempenho onde ele é poder. Apesar disso, mesmo admitindo que aconteça (e eu espero que aconteça, porque eu prefiro boas administrações do que más administrações, prefiro gente correta do que corrupta) eu acho que será muito difícil o PT sair com outro candidato.

IMPRENSA – Onde o Lula falhou?

Mino – O Lula falhou em 1989 e eu acho que ele teve uma chance excepcional. Eu, em 89, votei no Lula no primeiro e no segundo turno. Disse então e repito hoje. Mas o Lula falhou em 89, porque ele ficou acuado no momento do ataque final dos ‘colloridos’. E eu acho que era uma hora em que ele poderia dar a volta por cima dizendo: ‘Mas como? O que é isso? Onde estamos?’. É um mistério, entende? No debate com o Collor, ele deveria ter sentado em cima do Collor. Deveria ter sido o Lula dos comícios do ABC. Daquele tempo das greves, entende? Ele deveria ter esbravejado nos seus rompantes mais eficazes. Não. Ele teve medo, visivelmente.

IMPRENSA – No caso, ele teve medo ou a percepção de que estava em frende de um verdadeiro monstro: a Rede Globo, a imprensa toda, a elite toda ?

Mino – Eu acho que não. Eu acho que a história da filha foi terrível para ele. Ele não soube reagir. Aquilo foi uma paulada e ele foi para o debate acuado, assustado. Era hora de montar em cima do sujeito. Eu digo montar, porque o Lula não é dono de uma sutileza de escritor inglês do século passado. Esse poderia ter sido um outro caminho com o Collor. Ele teria arrasado.

IMPRENSA – Até porque o Collor também foi muito sutil…

Mino – Exatamente. Se ele começasse realmente a entrar de sola, o Collor iria se perder. Ia falar em coisas roxas.

IMPRENSA – Mas você tinha expectativa, quando você votou duas vezes no Lula, que o Lula poderia ser o homem que iria começar a mudar esse país? Ou você já tinha, naquele momento, perdido essa ilusão?

Mino – Eu perdi a ilusão em outro ponto. Eu acho que o Lula não teve um comportamento legal comigo. Numa determinada altura, ele se distanciou. Ele tomou a decisão de se distanciar, visivelmente. Éramos mais amigos. Eu acho que ele se distanciou, porque havia gente perto dele que dizia: ‘você não ganha nada perto desse cara. Ele ganha. E você é o sol. E ele é apenas um planetinha, talvez um satélite. Então ele ganha com você e você não ganha nada com ele. Para quê? Aí vão dizer que ele te criou’, o que aliás é uma besteira.

IMPRENSA – Sim, mas você deu, na velha IstoÉ, a primeira capa com o Lula, de certa maneira você é o responsável por ele…

Mino – Sim. Houve inúmeras capas. Nós fomos muito a favor do Lula antes e depois. Torcemos para que a coisa desse certo. Acho que ele se perdeu naquele debate. Mas nós não tivemos também, naquele momento, um eleitorado que fosse capaz de entender. Houve gente que provavelmente votaria em Lula, mas se deixou influenciar pelo debate, e pela reação dele foi atingida …

IMPRENSA – Ou manipulada?

Mino – Manipulada, porque a Globo é forte, chega em todas as casas. Uma parte do eleitorado deu uma recuada. Eles iam votar no Lula e não votaram. Por quê? Porque eles não perceberam que no Brasil é preciso algum tipo de corte para o país ter uma chance. Eu não sei que tipo de governo o Lula poderia fazer. Não sei no que resultaria o governo Lula mesmo que fizesse um bom governo. Porque ele iria ter oposição no Congresso e aquelas coisas todas. A ditadura tinha terminado apenas há quatro anos e o Exército ainda estava meio indefinido em relação a certas posições. Então havia pontos obscuros, incógnitas sérias. Mas não houve entendimento de que seria preciso fazer um corte. Eu acho que Lula, de qualquer maneira, obrigaria as pessoas a repensarem.

IMPRENSA – Você não vê o país de qualquer forma mais moderno, mais contemporâneo hoje?

Mino – Vejo. Aliás um ponto que a meu ver, nesse momento, que é positivo e contemporâneo é o fato de que somos os primeiros colocados em cirurgias plásticas no mundo. Ninguém é tão bom em cirurgia plástica quanto a gente. Também não é positivo pelo fato de que o homem brasileiro tem, em média, um pênis de 14,5? São essas as razões pelas quais eles ficam animados, entende? Mas não são essas as razões para eu ficar otimista. Até porque o italiano tem 19,5, em média.

IMPRENSA 1 – Tudo isso?

IMPRENSA 2 – Foi o que saiu na IstoÉ?

Mino – Não sei onde saiu. Mas o fato é que eu sou geneticamente italiano (risos). Mas espera aí. Eu disse que sou italiano. Eu não disse que eu tenho isso ou aquilo. Eu não conto vantagem, absolutamente, pelo amor de Deus. Mas eu estou lembrando que os italianos tem 19,5 (mais risos). Cuidado quando vocês publicarem isso, porque haverá gente que acredita. Mas, falando sério, o que me deixa, nesse momento, achando que em alguns lugares existe uma coisa lá no fundo. Não sei onde. Mas é uma sensação de lá no fundo tem um pedaço dessa horta que é fértil para algum tipo de semeadura. É por aí. Porque eu acho que existe uma faixa de brasileiros dentro da classe média, dos remediados, que está perplexa, que está se perguntando: ‘e tudo aquilo que eles disseram que iria acontecer, toda a retórica que eu sorvi freneticamente nos últimos 30, 20 ou 50 anos, tinha sentido ou estava tudo errado?’ Eu acho que tem gente muito perplexa no Brasil de hoje. Não sei medir em termos de percentagem, mas eu vejo em conversas que o pessoal está se perguntando ‘mas é assim mesmo?’. Entende? Então, temos aí um terreno fértil para semeadura, digamos, em teoria. Teremos que ver se haverá semeadores.

IMPRENSA – Como você avalia a imprensa brasileira nos últimos 50 anos? Quais foram os grandes momentos da imprensa e os piores momentos neste período?

Mino – Eu acho que continua valendo o corte brutal de 64. Claro que a imprensa é algo que reflete o país também, representativa do país, do estado social, cultural, econômico e político do país. Então a imprensa não é diferente do resto. O ano de 1964 é um ponto terrível de ruptura. Alguma coisa prosseguiu depois de 64 em termos de imprensa, mas veio por força de inércia. E favorecido pelo fato de que, em última análise, havia jornalistas que entendiam que a tarefa do jornalista é informar, fiscalizar o poder e exercer um espírito crítico. Então, como havia gente assim, a imprensa continuou num certo embalo ainda produzindo coisas mais do que decentes. Para mim, o ponto inicial dos 50 anos é a reforma do Estadão. O Estadão volta às mãos da família Mesquita e aí vem uma reforma que meu pai inicia e Cláudio Abramo completa brilhantemente. Cláudio Abramo sai, não por acaso, acho, em última análise. Embora aparentemente se tratasse de uma briga interna, mas ele deixa em 64 o Estado de S. Paulo. O segundo momento é a reforma do Jornal do Brasil. Depois temos a Abril com algumas publicações importantes, entre as quais figurando a Veja. Tem um papel nesse conjunto. Houve um ou outro momento em que apareceram coisas que tinham o seu valor. Houve, por exemplo, o Jânio de Freitas que dirigiu por um breve período o Correio da Manhã e houve alguma coisa naquele momento. Durou pouco, até porque havia problemas industriais, econômicos, dentro da empresa. Depois temos primeiro o Cláudio Abramo assumindo realmente a direção da redação da Folha e produzindo com recursos mínimos um jornal inteligente, vivaz, muito interessante. Aliás, firmando as bases boas da atual Folha. Aquilo que na Folha até hoje tem certa qualidade foi definido pelo Cláudio, que evidentemente fazia uma primeira página muito melhor do que a primeira página atual, por exemplo.

IMPRENSA – Quais seriam essas qualidades?

Mino – Por exemplo, as páginas 2 e 3 são um ponto forte da Folha e quem as concebeu foi o Cláudio. Não por acaso ele perdeu o posto, em 1977, na aposta que a Folha fez na escolha do general Silvio Frota como sucessor do Geisel.

IMPRENSA – A Folha apostou no Frota?

Mino – Sem dúvida. Eu sei porque eu fui dizer para o Frias que o Frota iria cair no dia 12 de outubro, de 1977. Isso, no dia 25 de setembro, de 1975. Eu gostava muito do velho Frias, que é uma pessoa que eu respeito muito, porque é um vulcão. Eu disse ao Frias que eu estava chegando de Brasília e tinha boas informações no sentido de que o Frota iria cair no dia 12 de outubro. E ele me disse: ‘não, que nada. Vai dar Frota. Isso aí já está decidido. Não tem conversa’. Dia 17 de setembro, de 77 o Cláudio caiu. No dia 12 de outubro, caiu o Frota. Isso eu vivi. Eu vinha de Brasília depois de uma conversa com o general Golbery que tinha me dito ‘se o Frota não cai no dia 12 de outubro…’.

IMPRENSA – E o motivo da data você ainda não sabe?

Mino – Não. E eu aí disse: ‘que história é essa de dia 12? É festa da uva, Nossa Senhora Aparecida, Descobrimento da América, Dia da Criança? Qual é o negócio?’ Ele disse: ‘deixa comigo’. Dia 12 de outubro, está bom. O Frota caiu no dia 12 de outubro, de 1977.

IMPRENSA – No Dia da Criança?

Mino – E do Descobrimento da América e Nossa Senhora Aparecida. Mas enfim. O Cláudio na Folha é um período muito interessante.

IMPRENSA – Você está omitindo o início da Veja…

Mino – Eu disse que Abril viveu um período muito importante que, inclusive deságua na Veja. Os Civita não sabiam o que estavam fazendo. A Veja saiu no dia 8 de setembro, de 1968 e no dia 13 de dezembro veio o AI-5. Sem dúvida, eu digo: a Veja é importante. Aí chega a IstoÉ, que também é um episódio importante. Agora, tudo isso muda com o fim da ditadura. Então, vamos verificar o que há, de fato. É aí que a gente tira a prova dos nove. De fato, está a prova de que o país não está maduro para uma democracia. Não está maduro, porque o poder do país que esta aí é o mesmo de sempre e ele não está interessado… Está interessado no grupo do poder, está interessado na casta, estão interessados neles mesmos, não estão interessados no país.

IMPRENSA – De qualquer forma, na história do Brasil, esse não é o período mais democrático?

Mino – Mas por que democrático? Por que tem eleição? Isso não é democracia, não tem nada a ver. Nós temos um poder que é o pior do mundo. Não tem lugar pior.

IMPRENSA – E se você comparar com o Brasil de Juscelino Kubitschek. como você via o Brasil? Você tinha quantos anos?

Mino – Eu tinha 21 anos quando o Juscelino entrou no poder. E o país era muito melhor. E havia fundamentalíssimas esperanças de que isso fosse melhorar cada vez mais. Estávamos num caminho decente e o caminho iria melhorar. Essa é a história do Juscelino.

IMPRENSA – Aí depois veio o Jânio Quadros apoiado inclusive pelos Mesquita, como você relata no livro …

Mino – Não que a figura em si me empolgasse. Mas é óbvio que revendo as coisas seria melhor, nas circunstâncias, a vitória do Lott. O Jânio, era o que era. E isso ficou demonstrado com a renúncia.

IMPRENSA – Ele teve apoio dos chamados setores liberais…

Mino – Ele teria apoio da elite. Teria apoio da Globo, se a Globo existisse então. É isso. Sem dúvida. Então, a imprensa, a meu ver, revelou o que ela é de fato. Ou seja: um instrumento na mão do poder. Por quê? Porque era uma parte do poder.

IMPRENSA – Mas há exceções. Você é uma delas.

Mino – Eu agradeço muito. Alguém tem lenço? (risos)

IMPRENSA – Voltando aos tempos de Juscelino, se discutia coisas na imprensa com maior seriedade, com maior liberdade e autonomia para os jornalistas; era uma imprensa muito mais viva…

Mino – Tão Gomes Pinto, isso valia para tudo. Nós tínhamos programas de rádio fantásticos, a PRK-30 era uma maravilha. E o pessoal que se for-mou a partir da PRK-30.O Max Nunes, que hoje trabalha com o Jô Soares é um dos filhos da PRK-30, que era o Lauro Borges e Castro Barbosa. Eles tinham um rádio fantástico, por exemplo. Programas humorísticos de muito boa qualidade. Tinha Silveira Sampaio, que fazia coisas muito engraçadas na televisão nascente, no teatro. Tinha teatro de revista que era muito xistoso, irônico em relação ao poder e ao comportamento dos figurões. Sem contar na qualidade dos escritores, dos poetas…

IMPRENSA – A Música Popular Brasileira, no entanto, era muito mais ingênua …

Mino – Mas o que vocês estão dizendo? Tinha marchinhas de carnaval que eram obras-primas. Uma tradição muito bem conservada, que vinha de Noel Rosa… Depois veio a Bossa Nova, a Bossa Nova é Juscelino. O Brasil era um país muito melhor do que é hoje. Crítico, engraçado, irônico. Muito esperançoso, até exageradamente, às vezes.

IMPRENSA – Hoje, os grandes editores se preocupam basicamente com o número de exemplares vendidos. Para você, é mais importante quantos lêem a Carta Capital ou quem lê?

Mino – A idéia é de que tamanho é importante (tamanho de circulação, esclareço) levou um corpo de empresários fortes do setor de comunicações a pensarem em tiragem, em Ibope, que são os dois tormentos. Como isso vem em primeiro lugar, falando por exemplo das revistas de informação, elas foram cada vez mais para a área de comportamento, até porque isso ajudava o poder, agradava o poder. Falavam cada vez menos de política, porque, se formos falar de política, vamos ter que dar uma capa dizendo que o Antônio Carlos Magalhães não é lá essas coisas, que o Fernando Henrique está fazendo um monte de besteiras, que o Malan impôs ao país uma política econômica que é um delírio, etc. Vamos então falar da infidelidade feminina, vamos informar o leitor a respeito dessa coisa fundamental que é o tamanho do pênis, vamos mostrar quais são as colunáveis siliconadas. Então foram muito para o comportamento. Não temos problemas, então vamos para o comportamento. A grande tiragem não faz uma publicação importante. Hoje ninguém mais diz ‘eu li na Time’. Quando nós começamos a revista Veja, era fino dizer ‘eu li na Time’. No mundo hoje se diz ‘eu li na Economist’. É uma revista que circula 700 mil exemplares. Distribui 200 mil na Inglaterra, 300 nos Estados Unidos e 200 mil pelo resto do mundo. Só que na manhã de Segunda-feira ela está na mesa do Clinton, do Chirac, está na mesa de quem conta.

IMPRENSA – Você concorda com a tese do fim das ideologias?

Mino – Não. Eu concordo com a tese de nós, no Brasil, ainda estarmos na Idade Média. Agora, nós somos medievais. Um país onde 1% da população tem 50% das terras. É Idade Média! Aí você fala que a ideologia acabou. Acabou onde? Aqui não acabou. Acabou na Europa. Lá você tem 80% da população na classe média. Então é claro que lá a ideologia acabou. A ideologia não acabou. Acabou em certos lugares do mundo. Em Timor Leste talvez não tenha acabado…

IMPRENSA – E como fazer imprensa de massa no Brasil, como levar a informação para a massa?

Mino – Mas o que é a massa?

IMPRENSA – Nós falamos como cultura de massas…

Mino – Mas aqui não existe isso… Na Europa você pode ter publicações com dois milhões de exemplares, com espírito crítico, que fale de política e de economia. Aqui não. Para você chegar a um milhão como a Veja, tem que fazer um monte de concessões. Essa nossa cultura de massa é uma coisa terrível. Nós somos campeões mundiais em certas doenças endêmicas. Cinqüenta por cento da população vive na miséria. A televisão brasileira é um horror, uma coisa inacreditável. Uma vulgaridade, uma grosseria. Nossos programas de auditório são uma coisa espantosa. Assim: ‘essa parede é de concreto ou de madeira? (apontando para uma parede de concreto). Toca o sinal. Prriiii. ‘É madeira’.

IMPRENSA – Você inclui o padrão Globo de qualidade nessa crítica?

Mino – (risadas) Qualidade por quê? Porque eles entram na hora e lêem o telepromter? E usam gravatas bem cortadas com cuecas por baixo.

IMPRENSA – E os jornais brasileiros?

Mino – É a mesma coisa. Comparar os jornais brasileiros com os grandes jornais do mundo dá pena. Nós não sabemos escrever, nos orgulhamos em escrever numa língua que é aviltada, espezinhada e ofendida diariamente; temos jornais empafiosos, que imprimem em cores, enquanto os grandes jornais do mundo ainda imprimem em branco e preto. Aqui temos que imprimir a cor para alcançar o público. Que história é essa?!! Vamos ensinar ao povo brasileiro que somos pobres e que se nossa renda fosse bem distribuída, ainda assim, seria insuficiente para fazer um país decente, e ela é pessimamente distribuída. Somos os vice-campeões mundiais em má distribuição de renda. Se a distribuíssemos direito, teríamos US$ 3 mil de renda média per capita e isso não faz um país moderno hoje! É uma mixaria, uma tragédia! E exaltamos que somos a oitava economia do mundo, depois já disseram que era 11ª ou 12ª. Isso é uma mentira, uma bobagem! O que significa ser a oitava economia do mundo? A Suíça é mais importante, a Holanda.

IMPRENSA – Falemos um pouco do seu livro, com os personagens, digamos, disfarçados (às vezes mal disfarçados, o que é uma qualidade). A propósito, quem é Duval?

Mino – Duval é uma mistura do Sandoval com o Salem.

IMPRENSA – Em um certo momento do livro você diz que o Tosco (Lula) chegou a se aproximar do Duval.

Mino – Bom, aí eu ponho do Duval, porque não quero contar a história verdadeira, a história verdadeira é muito pior. Uma pessoa muito ligada a mim, que não direi quem é, assistia um papo entre Tosco e outro jornalista, famosíssimo, durante a campanha do Tosco, em 1994. E o Tosco, sem se dar conta do que estava falando, meteu o pau em mim.

IMPRENSA – Falou de suas gravatas…

Mino – Pois é, além de tudo liga demais para as gravatas. Mas era mais grave. O Tosco insinuou que eu era venal.

IMPRENSA – E por que você não escreveu suas memórias diretamente?

Mino – Bom, é que aí eu teria que fazer um pequeno texto ridículo jornalístico. Memória é um gênero muito chato. Claro que as memórias de Casanova são belíssimas. Mas isso é bom para romancistas, para gente muito importante, que tem o que contar…Eu sou um pobre diabo, eu não tenho a menor importância e, além de tudo, teria que escrever como um jornalista. Aliás, um dos livros recentes mais horríveis é esse Notícias do Planalto, que vende a idéia de que os jornalistas fizeram o Collor é uma vergonha. Quem fez o Collor foram os donos do poder, que queriam enfrentar o Lula. O livro é uma coisa primária. Não tem um grande momento, não tem uma empolgação, é de uma mediocridade dolorosa.

IMPRENSA – Falando da trajetória de pessoas, do movimento de esquerda contra a ditadura que vão amolecendo. Ou ‘emoliecendo’. Você tem um montão de pessoas aí. O Elio Gaspari, por exemplo, o que você acha dele?

Mino – Eu devo dizer que não leio Elio Gaspari, porque eu não leio jornal brasileiro. Há um ano eu decidi. Não leio mais jornal brasileiro. Tem gente que, felizmente, faz um clipping, por pura bondade. Mas não leio jornais brasileiros, porque me irrita muito.

IMPRENSA – Não faz falta essa leitura?

Mino – Não, porque me fazem um clipping, aí eu sei o que vale a pena ler, com a informação de pessoas de minha mais inteira confiança eu faço uma seleção e leio algumas coisas, o resto não vale a pena, porque um dia é igual ao outro.

IMPRENSA – Boa parte dos jovens vê em você o grande jornalista do Brasil. Nós fizemos uma pesquisa entre universitários e você aparece sempre entre os três mais citados. Qual o segredo, considerando que você não produz para a chamada massa?

Mino – Não há grandes jornalistas no Brasil, vamos partir desse pressuposto. O Brasil teve bons escritores, também bons repórteres. Por exemplo, Rubem Braga foi um excelente repórter…

IMPRENSA – A revolução pela qual passou o Estadão, em 1948, introduziu o new journalism americano no país?

Mino – Talvez o new journalism esteja mais presente até no Jornal do Brasil do que no Estadão. A reforma do Estadão foi realmente uma revolução. Não foi percebida como tal, porque o que acontecia no Rio era mais importante do que o que acontecia em São Paulo. O Rio era a capital do país, ditava todas as modas, era o lugar onde todo mundo queria ir. Era um chamariz. Agora, quando eu falo em reformas do Jornal do Brasil ou do Estadão, é preciso entender que estou falando de reformas dentro de jornais conservadores. As reformas podiam até ser revolucionárias, muito avançadas para a época. E eu acho que as duas foram importantes. Agora, foram reformas do ponto de vista técnico. Um era o jornal da condessa outro era o jornal dos barões.

IMPRENSA – Você trabalhou muito tempo com os ‘barões’. O que você tem a dizer sobre isso?

Mino – Os melhores patrões que eu tive foram os Mesquita. A minha relação com eles era muito clara. As minhas posições políticas, eu juro a vocês que sempre foram as mesmas, mas eram praticadas de uma forma diferente. Eu descobri a utilidade e os compromissos do jornalismo com o país e com leitores no tempo da Veja. Mudei muito na visão de jornalismo e amadureci minha compreensão. No Estadão eu me dei muito bem, porque eu tinha uma autonomia técnica absoluta e uma confiança cega por parte da família. Mas em compensação as decisões editoriais eram deles e não se discutia. Eles foram os melhores patrões que eu tive. Era tudo muito claro. A minha autonomia era essa, a deles era aquela. Um não invadia o terreno do outro. Às vezes eu até pedia para o Rui. ‘Não coloca essa manchete’. Ele dizia. ‘Coloca essa manchete’. Na Veja era outra coisa, porque os Civita não sabiam nada. Não sabiam do país. Se eles soubessem do país não fariam a Veja.

IMPRENSA – O Estadão não escrevia a palavra ‘gol’. Usava ‘tento’ ou ‘ponto’. Imagina a torcida, na hora do gol, se levantar e gritar: ponto!

Mino – Era um jornal amarrado a essas coisas. O Estadão passou por grandes reformas do ponto de vista técnico e não ideológico.

IMPRENSA – Aí você pega a Veja e tem que assumir o comando ideológico da revista.

Mino – Na Veja, quando os Civita me procuraram para voltar a Editora Abril…

IMPRENSA – Depois de criar a Quatro Rodas sem saber dirigir.

Mino – Exato, sem saber dirigir. Quando me chamaram, eu disse, olha, me interessa muito. Na verdade eu fui para ganhar mil cruzeiros a mais. Depois meu salário cresceu, tinha um monte de benefícios, carro Galaxie, hotel, passagem de primeira classe. Mas no começo eu recebia só mil cruzeiros a mais. Só que me interessava a idéia de fazer a primeira new’s magazine brasileira. Eu percebi que teríamos um certo problema político. A gente, no Estadão, já estava recebendo telefonemas. Não pode publicar isso, não pode publicar aquilo, aparecia policial na redação. Bom, então eu falo; ‘me interessa muito, não me interessa o dinheiro’. Eu só viria se tivesse autonomia total. Eu disse a eles: ‘vocês viram leitores da revista e a posteriori a gente conversa. Se isso interessa tudo bem, se não interessa, amigos’. E eles toparam, e cumpriram, não interferiam na pauta, a redação era soberana, como fazer, como não fazer. Só que tinha a censura. Mas, se eles tivessem entendimento do que era o Brasil não fariam a Veja. E acabou dando certo. A Veja acabou dando certo, eu ganhei um bom dinheiro e, o que é mais importante, descobri uma utilidade para o jornalismo.

IMPRENSA – Grandes nomes da imprensa aparecem e desaparecem, às vezes duram menos do que se espera. Temos vários ex-ícones na imprensa brasileira, e hoje, na verdade, poucos ícones. Como você explica essa permanência do fenômeno Mino Carta?

Mino – Eu não posso responder uma pergunta dessas. Em primeiro lugar não concordo com a palavra usada. Mas uma coisa eu posso dizer com toda sinceridade: eu nunca tive medo de perder emprego. Tive vários medos na vida, nem sei quais e quantos, mas este não. E o segundo ponto é que eu tenho uma saúde de ferro. Estes fatores me fortaleceram muito. Claro que, embora eu nunca tenha sentido medo de perder emprego, até hoje eu preciso de salário, porque o que eu tenho guardado não dá uma renda suficiente. Eu teria hoje, se parasse de trabalhar, uma renda em torno de R$ 3 mil. Sinceramente eu não vivo com R$ 3 mil. Sinto muito.

IMPRENSA – Como é a sua relação com as fontes. Já que você citou o Golbery, também queria saber qual sua relação com outra grande fonte sua que é o Antônio Carlos Magalhães?

Mino – Vamos por partes. Primeiro o Golbery. Ele em relação mim, acredito, mantinha uma relação pessoal diferente da oficial. Do ponto de vista pessoal eu acho que ele gostava de mim, tinha minha ficha completa. Um dia ele jantava com uma pessoa, cerca de dois anos antes de ele morrer, e falou certas coisas de mim. Bom, ele sabia tudo, ou quase tudo, a meu respeito. Mas acho que ele gostava de mim e demonstrava isso de algumas maneiras. A meu ver, ele mantinha uma confiança cega que tinha em mim. Sabia que aquilo que ele me dissesse eu usaria da forma mais justa e correta, então ele me contava coisas do arco da velha. Do ponto de vista oficial, ele não mexeria uma palha a meu favor, e não mexeu. Nós tivemos na Veja toda a censura e pressão sem que ele interviesse. Mas minha relação com ele era muito cordial.

IMPRENSA – Você falou de corrupção no início, que nunca foi tão aberta. Houve uma massificação também na corrupção. Afinal, com todo o poder que teve, o Golbery morreu pobre. Os militares não seriam mais decentes do que os civis nessa história de corrupção?

Mino – O Golbery não estava interessado em dinheiro como outros políticos. Ele estava interessado em poder. Poderia ter ficado podre de rico. Pelo que eu sei de todos os depoimentos nesse sentido, isso não aconteceu.

IMPRENSA – Mas como é que você explica o aumento da corrupção agora? Os militares eram mais honestos?

Mino – Eu acredito que os militares fossem, de alguma forma, ingênuos e, arrastados por suas crenças, podiam ser facilmente manipulados. Isso não exclui que tenha havido militares corruptos. Mas nada disso os releva. Eles iniciaram um processo que resultou no que está aí hoje.

IMPRENSA – Segundo consta o arquivo do Golbery ficou com o Elio Gaspari. Você acha que esses arquivos, se publicados, revelariam coisas que não conhecemos?

Mino – Segundo consta não: eles foram entregues ao Elio pelo Heitor Aquino, talvez até por vontade do Golbery antes de morrer, não sei… É perfeitamente possível que hajam novas revelações. O Elio pretendia publicar um livro sobre Geisel, mas de um tempo para cá não se tocou mais no assunto. Em relação a Geisel temos um livro com uma longa entrevista a dois professores, que é uma coisa penosa. O Geisel se vangloria de seus feitos de política econômica, que o tempo demonstrou que foram desastrosos. E ao mesmo tempo defende a tortura e é contra as eleições diretas, que eram um corolário inevitável do projeto do Golbery: primeiro eleição direta para governador em 82 e então, depois, para presidente da república, não seria a de 1985 mas, sim, posteriormente, como foi de fato em 1989. A entrevista demonstra que o Geisel não estava entendendo o projeto do Golbery. Mas o Golbery gostava mesmo é do Maluf, e eu digo isso no livro. Agora, era uma pessoa de excelente senso de humor, em 1984 saiu uma edição da Senhor com uma saúva na capa que tinha o rosto de Maluf e dizia ‘Ou o Brasil acaba com o Maluf ou o Maluf acaba com o Brasil’ e ele ria à gargalhadas de uma coisa que era contra ele. Aliás, permitam registrar que uma coisa que me entristeceu com a publicação do Castelo de Âmbar foi a falta de senso de humor de algumas pessoas. Claro que eu não acho que o Roberto Civita deva ter senso de humor em relação ao que eu publiquei, os Frias não sei, mas com o Domingo Alzugaray eu realmente me chateei. Porque no livro eu conto, poupando-o de uma série de detalhes extremamente desagradáveis, que nós fomos muito amigos, e realmente fomos. E uma das coisas que me entristece é que esta amizade tenha sido desfeita. Ele passou a me cutucar e me alertavam que era melhor eu me retirar da Isto É. Até um dia em que houve uma reunião com o presidente do Banco do Brasil e uma senhora que fazia para ele, aquilo que chamam de ‘publi-editorial’ e no decorrer da reunião eu sustentei que aquele material deveria passar pela redação e o Domingo, de alguma forma, me mandou calar a boca. A reunião terminou e eu fui até a sala dele dizer que estava saindo, em nenhum momento ele disse que não fosse. Imediatamente aceitou minha saída. Agora chegou a meus ouvidos que ele está chateado por aquilo que publico no livro. Ele forçou minha saída da IstoÉ no pior momento de minha vida. Ele começou a me encher o saco no dia das entrevistas com os dois candidatos, o Collor e o Lula. Ele me ligou em casa. Eu estava na cabeceira da cama com minha mulher doentíssima, e ele me tomou meia hora dizendo que nós deveríamos ser a favor do Collor e contra o Lula. Eu disse que não, que deveríamos fazer uma entrevista igual com cada um deles, do mesmo tamanho. O Domingo me empurrou para fora da editora dele quando eu estava no pior momento da minha vida. Isso realmente eu não posso perdoar. Ele sabia que era. Eu acho que amizade não passa por aí. Os patrões nativos são assim.

IMPRENSA – Você também tem uma certa simpatia pelo Orestes Quércia…

Mino – Eu tive… O Orestes Quércia, no meu entendimento, teve realmente a chance de desempenhar um papel político que poderia representar algum tipo de mudança. Mas ele não quis tomar este tipo de atitude. Mas há outros que não tomaram o bonde passando em frente de casa… O Ulysses foi um deles. No dia em que morreu Tancredo, ele tinha o poder de dizer para que fizessem novas eleições, aproveitando para implantar as diretas. Mas jogou fora esta chance.

IMPRENSA – E com o Collor, você mantinha contato?

Mino – Eu conheci o Collor por ocasião de uma visita dele à Editora Três ainda como governador de Alagoas. Depois eu fiz uma entrevista com o Collor candidato à presidência, realizada na casa do Osvaldo Assef. Muito tempo depois, eu o entrevistei na véspera da queda.

IMPRENSA – Você estava com o Collor no dia em que a IstoÉ estava planejando a entrevista-bomba com o Eriberto. O Collor já sabia que ia sair a entrevista-bomba com o Eriberto?

Mino – Não. Tinha sido combinada a entrevista, não por mim, mas pelo Leopoldo Collor, diretamente com o Domingo Alzugaray. Mas só eu, em São Paulo, tinha conhecimento desta história do Eriberto. Embarquei para Brasília para entrevistar o Collor numa quarta-feira à noite. Cheguei em Brasília e o pessoal da sucursal informou que a matéria estava pronta, mas optamos por não abordá-la com Collor.

IMPRENSA – Voltando a entrevista do Collor. Ele estava ansioso, desconfiava de alguma coisa, tinha alguma informação do SNI?

Mino – Fizemos a entrevista com ele, eu voltei para São Paulo na quinta-feira. Eu expliquei para o Domingo, mas ele não entendeu direito o que estava acontecendo e disse ‘A capa é o Collor’. Eu não quis discutir. Saiu a matéria, mas não foi capa. Uma semana depois saiu a capa do Eriberto. Vamos admitir. Aquela edição foi maravilhosa. O Collor dizendo as coisas e o outro desmentindo na mesma edição, alguns metros adiante. E o prêmio Esso foi para Veja, dirigida pelo Mário Sérgio Conti, esta figura ‘imponente’ do jornalismo pátrio. Depois da nossa capa, que praticamente dinamitava o governo Collor, ele saiu, três ou quatro edições depois, com uma matéria dizendo ‘não vai dar em nada’. Continuaram dizendo que não ia dar em nada.

IMPRENSA – Você acha que esse foi seu maior furo?

Mino – Meu não. Da equipe que eu comandava foi o maior furo. O Bob Fernandes disse para o pessoal de Bra-sília: ‘Eu acho que vocês precisam procurar na locadora’. Aí o pessoal foi até a locadora e fez um excelente trabalho. Não foi meu furo. Eu dirigia a revista. Mas teve outra edição que eu acho extraordinária, que é a capa da tortura. Nesta capa eu tenho o seguinte mérito. Antes, fizemos uma capa puxando o saco do governo: ‘O Presidente não admite torturas’. Essa capa de Veja foi seguida pela imprensa diária. Os jornais comentaram, dizendo poxa, o presidente não admite torturas. Os caras ficaram preocupados e na sexta-feira decidiram proibir qualquer noticiário a respeito do assunto tortura. Portanto, não sairia a capa que estávamos planejando. Mas os Civita foram embora às seis da tarde e eu fiquei dono da Abril, do castelo ancorado às margens do rio Tietê. Nós então desligamos os telefones para não recebermos a ordem de não publicar a capa. Nós perdemos o contato com o mundo e a capa saiu. Fomos apreendidos nas bancas. Mas a revista saiu.

IMPRENSA – O que você acha da inteligência brasileira?

Mino – A inteligência é um pé de alpinista (com aqueles pregos no sapato) no baixo ventre. Acho que no Brasil houve momentos muito bons do ponto de vista cultural. Não falarei de Machado de Assis. Você tem alguns escritores notáveis, você tem músicos notáveis, você tem arquitetos notáveis, uma cultura de primeiro mundo. Mas eu acho que no momento a cultura brasileira está muito mal. Há, felizmente, algumas flores raras. O Faoro, o Nicolau Sevcenko. Esse é uma flor rara. Ele veio da Ucrânia, ele escreveu um livro extraordinário, cujo título é Orfeu Estático na Metrópole. Muito bom, é um livro de primeira e, além de tudo, muito bem escrito. Ele pega a Semana de 22, retrata São Paulo na época. Naquele momento, São Paulo caminhava de uma determinada maneira. Até aquele momento seria possível ir para cá ou para lá. Ele mostra como, naquele momento, São Paulo pega o caminho errado. É um livro belíssimo, leia que você vai gostar muito.

IMPRENSA – Então São Paulo não pegou o caminho certo em 22?

Mino – Não, São Paulo não. Começou a dar errado sem uma percepção clara. Só que os erros foram se acentuando. Até desaguar na São Paulo de hoje. Mas que São Paulo deu errado, não tenha dúvidas. Você já foi a Paraisópolis? A favela de Paraisópo-lis? Por favor, vai. Eu acho que vocês têm que ir para Paraisópolis, que não é a pior favela. Você pega, vai para o estádio do Morumbi e passa por aquela avenidona que sobe. Você sobe, é belíssima, tem prédios imensos, aí você chega em um ponto em que tem um prédio imenso, com terraços sobre a favela de Paraisópolis. Cada terraço contém uma piscina de água quente. Uma piscina particular para cada proprietário! São lançadas no espaço, num prodígio da engenharia nacional, saem como se fossem folhas ao vento. Saem dos prédios em cima de Paraisópolis, uma favela que tem 80 mil habitantes, que vai para o vale e acaba lá longe… é uma cidade. Vão para Paraisópolis para se darem conta da bosta em que vivemos! É uma vergonha! E aqueles terraços sobre a favela… E as pessoas não se revoltam!!?

IMPRENSA – A passividade do brasileiro é uma coisa…

Mino – E a empáfia dos cretinos que estão tomando banho nos terraços sobre a favela? O panorama que eles vêem é a favela! Não é o azul do mar, é a favela embaixo. Pelo amor de Deus, vão lá para se dar conta do lugar em que vivemos !!? E a empáfia dessa turma, a arrogância dessa turma, a convicção de que a Globo é uma coisa importante. A Globo é uma porcaria vergonhosa, porque é ruim, é mal feita, porque o pessoal não presta!

IMPRENSA – Não dá para mudar esse troço?

Mino – Eu não culparia a passividade do povo brasileiro, porque eu não acho que há povos melhores ou piores, me recuso a aceitar essa idéia. Existem circunstâncias diferentes. Os espanhóis são os inventores dos autos da fé e do primeiro nazismo. Eles é que inventaram o ho-locausto. Começou na Península Ibérica e nós somos o resultado da Península Ibérica. Somos explorados vergonhosamente, com uma ferocidade inaudita e o resultado está aí.

IMPRENSA – Quem vai ser o próximo presidente? Existe alguma tendência para a esquerda?

Mino – Eu não ouso fazer conjeturas. Mas eu acho que será o Ciro, se ele conseguir mostrar que pode ser o anti-Lula eficaz. Ou será o Tasso.

IMPRENSA – E o Suplicy?

Mino – Eu se fosse ele me dedicaria a outro esporte. Eu gostei muito de uma entrevista, eu fiquei comovido mesmo. Devo confessar que em raros momento eu choro, mas nesse momento eu vi, até espantado, lágrimas escorrendo pelos meus olhos, ao notar a singeleza das frases, a leveza, a graça. Graça no sentido da literatura inglesa do século passado. Que era o seguinte: em uma entrevista à Folha, entre outras coisas, ele dizia que as relações dele com a Marta nunca foram tão boas depois que a Marta foi operada pelo Pitanguy."

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