CASO RICHTHOFEN
Claudio Julio Tognolli (*)
Na semana passada a mídia alemã, com estardalhaço, e em particular o diário Bild, tratou de desmentir que o mais famoso assassinado em voga no Brasil, o do engenheiro Manfred von Richthofen, morto com sua mulher, tivesse algum parentesco com o seu homônimo e mito alcunhado de Barão Vermelho ? piloto de caça e o maior herói alemão da Primeira Guerra Mundial. Um estudioso da saga dos Richthofen declarou que toda essa história seria uma trama urdida pela imprensa "sensacionalista do Brasil".
O intuito deste artigo é mostrar que, se houve sensacionalismo, este terá nascido da cabeça do próprio engenheiro assassinado. Isto porque este repórter guarda a mania de procurar em listas telefônicas homônimos de personagens de histórias em quadrinhos ou de mitos. Por exemplo: consta da lista telefônica de São Paulo a família Batman. Foi justamente ao comentar isso com um amigo que este repórter obteve a dica de que da mesma lista constaria o nome daquele que seria "um dos últimos descendentes do lendário Barão Vermelho".
A partir de fevereiro de 1996 passei a telefonar ao engenheiro assassinado duas vezes por semana, por três semanas, na tentativa de conseguir uma entrevista. Ele só assentiria no mês seguinte, quando este repórter e o fotógrafo J. F. Diório, ainda hoje no Grupo Estado, estiveram na casa de Manfred.
Manfred nos recebeu com um mudo estoicismo, quase glacialmente. Pediu para que eu jogasse o crachá do Jornal da Tarde por debaixo da porta de sua casa, para que ele pudesse "averiguar a veracidade" do documento. Após quase um minuto de análise do crachá, franqueou nosso acesso à sua casa. Refere que não quer aparecer muito nas fotos por medo de perseguição da comunidade judaica. "Também fomos vítimas de Hitler, uma declaração de um parente meu fez com que ele perseguisse minha família na Alemanha. Não quero ser confundido com um nazista", alertou.
Quase automaticamente, nos leva até a biblioteca. E mostra uma antiga árvore genealógica, apontando onde estava o Barão Vermelho e onde estava ele dentre os galhos, rabiscados num chuvão gótico de bicos-de-pena. Tudo isso ao lado de sua sorridente esposa Marisia. (Jane Mariza Pacheco Belucci, chefe dos peritos do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da polícia paulista e que fez a reconstituição do crime, afirmou que essa árvore genealógica continuava dependurada na biblioteca dos Richthofen no dia da perícia…).
E Manfred passou, então, a contar a seguinte história.
"O Barão Vermelho era meu tio-avô. E meu pai foi indicado para testar o primeiro esquadrão de aviões bombardeio de mergulho Stuka, agrupados num esquadrão batizado por Hitler de Esquadrão Richthofen. Meu pai comandou tudo isso, foi bombardear a Guerra Civil Espanhola para proteger o ditador Franco, que solicitara a Hitler o apoio logístico dos Stukas. Meu pai, de certa forma, ajudou a pintar a Guernica, de Pablo Picasso, porque bombardeou a cidade retratada por ele. Meu pai morreu em decorrência de problemas nas costas, porque mergulhava muito com os Stukas, e quando o avião arremetia, ocorria aquilo que ele chamava de ?chicote?, a batida forte das costas no encosto do Stuka".
Manfred posou para nossa reportagem no Jornal da Tarde segurando um livro em que se viam fotos do Barão Vermelho. Negou-se a tirar fotos aos pés do Aeroporto de Congonhas, ao lado de sua antiga casa, posto referisse que não gostava de se expôr publicamente.
Ano passado, telefono a Manfred dizendo que uma aluna de jornalismo gostaria de entrevistá-lo, novamente. Ele é seco: "Tudo o que eu tinha de dizer você já publicou, então não há sentido em falar novamente".
Do exposto, podem racionalmente pairar no ar as seguintes indagações: 1) este repórter inventou a história; 2) Manfred, num acesso delirante, daqueles que os psicanalistas chamam de delusão, inventou a história; 3) a imprensa alemã errou em dizer que a história é mentira e o especialista alemão em Barão Vermelho está mal-informado.
Não há possibilidade de a história ter sido inventada pelo repórter: as fotos de Manfred, com o livro do Barão Vermelho nas mãos, foram republicadas pelo Estado de S.Paulo em 1? de novembro passado, à pág. C-1.
E vamos supor que os estudiosos e imprensa alemães estejam certos ao afirmar que não há a mínima possibilidade de parentesco entre o nosso Manfred e o Manfred "Barão Vermelho": nesse caso, fica com os advogados da filha do engenheiro e mentora dos crimes, Suzane Richthofen, uma carta na manga para a defesa derrubar o in dubio pro societate da promotoria. Porque, nesse caso, o engenheiro Manfred seria um psicopata, delirante a ponto de inventar uma história de vida que nunca foi sua. E, ainda nesse caso, surgiria uma apetitosa brecha defensória para Suzane: seu pai era um doente capaz de vilanias mentais tão específicas que teriam acabado por alterar o comportamento da filha…
(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor do Unifiam (SP) e da ECA-USP e consultor de jornalismo investigativo da Unesco no Brasil.