Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa no atoleiro moral

MÍDIA & CORRUPÇÃO

Sidney Borges (*)

Quem leu a revista Veja desta semana (n? 1.828, 12/11/03) pôde observar que havia duas reportagens policiais, uma chique e uma brega. A chique ficou para a revista principal, a brega foi publicada na Veja São Paulo.

Na primeira, está a Operação Anaconda, onde há um alentado perfil das atividades do juiz Rocha Mattos, que tem o jeitão do Cesar Menotti, técnico da seleção argentina de 1978, que ganhou a Copa do Mundo daquele ano depois de comprar o Peru. O juiz, que ganha 20 mil reais por mês, é suspeito de ter depositado 8 milhões de dólares na Suíça. Sujeito econômico, grande poupador. A ex-esposa guardava meio milhão de dólares em casa, ninguém sabe de quem é o dinheiro e nem como foi parar lá, num êmulo do que aconteceu ano passado com a filha do donatário do Maranhão.

O juiz ainda teve a ousadia de afirmar que não é crime ter dinheiro. Ele tem razão, não é crime desde que o dinheiro tenha a origem comprovada, caso contrário é crime sim senhor: o dinheiro n&atildatilde;o migra de moto-próprio de um bolso para outro, há que haver forças para impulsioná-lo.

A reportagem brega aludia ao PCC. Os tons usados foram outros, sempre é assim quando os criminosos são pobres. A matéria mostrou o que representa essa organização criminosa e o que poderemos esperar para o futuro.

As duas matérias estavam bem apuradas e bem escritas. Só que ao serem colocadas como foram deram a impressão de coisas distintas, quando são na verdade faces da mesma moeda.

Mapa da mina

O PCC só existe por haver corrupção no sistema prisional. Não há como justificar de outra forma o poder de articulação exibido pelos chefes da organização, que estão encarcerados. De todo modo, como jornalista, gostaria de poder informar a verdade que se esconde por trás dessa Operação Anaconda, e que certamente será camuflada ? restando, no final, apenas peões presos.

Os que de fato contam no tabuleiro do xadrez nacional continuarão livres, ricos e poderosos. A imprensa, como um todo, fará o papel de sempre: apontará na direção errada e o leitor médio, sem poder de crítica, nem tendo quem o oriente, aceitará tudo sem protestar, embora fique desconfiado. Na verdade a sociedade está gestando uma forma estranha de ir contra o que percebe estar acontecendo, sem nada poder fazer.

É impossível enganar a todos, todo o tempo. O organismo doente começa a exibir furúnculos, o PCC é um deles, e logo virão abscessos maiores e mais purulentos. Recordando um passado recente, é notório que a imprensa, como um avestruz, enfiou a cabeça no buraco, no caso PC Farias. Apontado como uma espécie de Al Capone brasileiro, PC era na verdade era um senhor educado, afável, simpático e que eu me lembre nunca apontou um revólver para ninguém para obter dinheiro. Apenas acenou com lucros e vantagens. Lembro-me bem da festa do primeiro bilhão, em Brasília. Quem deu essa dinheirama para ele o fez de bom grado, de olho nas negociatas facilitadas. Esses corruptores permanecem incógnitos, embora fossem tão criminosos quanto ele, que os aliciou.

A imprensa calou frente aos poderosos, como sempre fez, embora tenha gastado toneladas de papel e tinta quando PC foi assassinado. Ele sabia muito para continuar vivendo. Nunca se vendeu tanto champanhe nos clubes finos do país como na noite de sua morte.

Há por parte da imprensa nítida conivência com o lado podre da sociedade brasileira ? o qual, embora podre, exala fragrâncias de finos perfumes. Sem entender a causa da crise que atravessa, a imprensa procura os culpados e não encontra. E não vai encontrar. O único culpado é a própria incompetência. Senão, quem corrompeu PC Farias e foi apontado convenientemente pela imprensa? Gostaria de saber o que vai acontecer com os casos julgados pelo juiz Rocha Mattos e seus acólitos. Lá está o mapa da mina e, tudo indica, esse assunto não interessa aos donos dos jornais.

Para sair do atoleiro moral em que se encontra, o Brasil necessita ter uma imprensa menos deslumbrada com os ricos e mais atuante no que realmente conta.

(*) Jornalista