FILHA PRÓDIGA
Chico Bruno (*)
A imprensa brasileira, após três semanas priorizando a cobertura do conflito entre os Estados Unidos e o Afeganistão, volta-se para o seu umbigo e retoma a cobertura nacional, tendo como peças de resistência o lobista APS, a suposta ligação entre o governo petista gaúcho e o banqueiros do bicho, a fortuna de Brizola, um caso de fraude eleitoral, ocorrido em 1994 no Maranhão, o desvio de dinheiro de Fleury para a Suíça, os processos de Paulo Maluf, a mordida do Leão em Eduardo Jorge e a corrida presidencial.
Um assunto factual que mereceu grande cobertura da imprensa, durante a semana passada, foi a viagem do presidente Fernando Henrique a Madri, Londres e Paris. Realmente, essa viagem começou a ser notícia antes mesmo de acontecer. O simples convite de FHC aos presidentes dos três partidos aliados para viajar na comitiva presidencial causou "frisson" entre os opositores, principalmente a Itamar Franco, que repreendeu o presidente do PMDB por ter aceitado o convite.
Além disso, o convite detonou uma série de especulações sobre o seu verdadeiro objetivo. Quase todos os analistas da cena política saíram em campo com um variado mix de interpretações. Durante a viagem a cobertura foi crescendo: em Madri, FHC fez o discurso mais elogiado entre 15 chefes de Estado que debatiam autoritarismo e democracia; em Londres encontrou-se com Tony Blair e Bill Clinton, e chegou ao ápice com o discurso do presidente brasileiro na Assembléia Nacional Francesa. O presidente marcou um belo gol e a imprensa, demonstrando maturidade, não se fez de rogada e noticiou com isenção o fato.
Mídia esconde vitória de Al Gore
Aliás, a retomada da cobertura nacional foi auspiciosa, principalmente por duas matérias de Veja, revisitando o passado de duas figuras em evidência na vida política brasileira, Roseana Sarney, governadora do Maranhão, que vem sendo usada como moeda de troca pelo PFL, e Leonel Brizola, presidente do PDT e ex-governador do Rio de Janeiro. A Carta ao Leitor de Veja é dedicada às matérias citadas, apontando para uma maior freqüência de novas revisitas em função das eleições de 2002, e se penitenciando por não ter feito uma revisita ao passado de Collor, o que talvez tivesse poupado o país do impedimento de um presidente.
É também reconfortante ver a imprensa tentando desvendar a promiscuidade das relações do lobby com políticos e burocratas brasilienses, ver a imprensa tratando com isenção o carteiraço de um militante petista num delegado de polícia gaúcho e descobrir uma investigação policial engavetada, envolvendo a transferência de barras de ouro do deputado Fleury Filho para a Europa.
A semana passada seria de bom jornalismo não fosse a manchete da Tribuna da Imprensa de 1? de novembro, quinta-feira, anunciando que Lula tem 94% de chances de se eleger presidente em 2002. Uma manchete de capa ocupando meia página, induzindo o leitor mais desatento, aquele que lê as manchetes de primeira página expostas nas bancas de jornais e revistas, a acreditar que aquele era o resultado de uma pesquisa do Ibope. Na verdade era um comentário do presidente do instituto, Carlos Augusto Montenegro, durante reunião com diretores de uma instituição bancária internacional, um comentário que não merece manchete, e sim uma notinha na coluna política. Não fosse isso, a semana seria brilhante para o jornalismo brasileiro, que se desatrelou do conflito internacional no momento certo.
Em tempo: enquanto a imprensa brasileira se comporta dentro dos padrões, a americana, em nome do patriotismo, esconde o resultado da recontagem dos votos da eleição presidencial, que dá Al Gore como eleito. E agora, José?
(*) Jornalista