TELEJORNALISMO
Paulo José Cunha (*)
Sim, é importante ouvir o galo cantar. Mas é igualmente importante saber onde. A cobertura do ataque terrorista nos Estados Unidos demonstrou mais uma vez o quanto a tevê é imbatível na informação em tempo real, sobretudo quando existem imagens fortes para serem mostradas. A internet ainda não é páreo para a telinha. Talvez seja no futuro, quando a banda larga se popularizar tornando tevê e computador uma coisa só. Na Terça- Feira Negra os internautas estouraram a capacidade dos provedores nas consultas aos sites de notícias ou para trocar impressões nos chats de bate-papo. Mas as pesquisas demonstraram que a maioria tinha um olho no computador, outro na tevê. E havia ainda os que não podiam estar na frente de um televisor e por isso grudavam o ouvido no rádio, teclando para os amigos.
Foi um show de imagens e sons, um espetáculo de cobertura. A CNN mostrou sua força paralisando o planeta em frente às telas com o farto material de suas 12 sucursais, 600 afiliadas nos EUA, 16 redes de cabo e satélites, centenas de profissionais espalhados pelo mundo a fora. Salvo o SBT, que inexplicavelmente deu as costas para o acontecimento mais importante do novo milênio, todas as redes nacionais fizeram sua parte no dia 11. Com isso, todo mundo ouviu o galo cantar. Mas, aqui está o ponto: será que todo mundo sabe… onde?
Se considerarmos a imensa maioria do público brasileiro que não tem acesso a outras fontes e se informa do mundo planetário ou paroquial exclusivamente pela tevê, infelizmente a resposta é não. A maioria do público brasileiro não sabe onde o galo canta. A televisão de sinal aberto ainda não foi capaz de criar espaços específicos para análise, debate e reflexão mais profundos sobre os fatos noticiados. A interpretação formal ainda é privilégio dos 3 milhões e meio de assinantes das tevês a cabo e dos leitores de jornais e revistas (aliás, jornais e revistas deram um banho no que diz respeito à interpretação, gerando pela internet uma mídia paralela na reprodução dos artigos e reflexões de especialistas).
A iniciativa de colocar especialistas no estúdio para esclarecer a profundidade dos fatos no instante em que ocorrem, como aconteceu no dia 11 nas principais redes brasileiras, é louvável. Mas, logo no dia seguinte, as análises desapareceram da telinha. E não se abriram espaços próprios para o estabelecimento do contraditório, para o debate, para a confrontação de pontos de vistas. O Fantástico fez uma espécie de “Você sabia”, e ficou por isso.
Lição desperdiçada
Não se há de negar a importância da informação. Mas talvez mais importante que ela seja a sua interpretação correta, sua contextualização, suas implicações, a previsão de suas prováveis conseqüências. A informação, na maioria dos casos, apenas impacta. É a reflexão e a análise que mobilizam, pela criação de uma consciência crítica, pela formação da opinião. E não adianta vir com o argumento da segmentação, segundo o qual existem veículos para informar e veículos para interpretar. Se vivêssemos na Suíça, vá lá. Mas isto aqui é o Brasil, um país onde um farto contingente de habitantes espalhados na vastidão de seus 8 mil quilômetros quadrados mal consegue ganhar para sobreviver. Quanto mais para ter um aparelho de tevê. Quanto mais para assinar tevê a cabo. Quanto mais para comprar jornal e revista. Quanto mais pra ter computador ligado na internet.
A ausência de uma instância formal e ampla de jornalismo interpretativo nas redes de sinal aberto é um enorme moinho a trazer água para a proliferação do preconceito e da intolerância. A perigosa confusão que vem sendo incentivada (às vezes inconscientemente) entre islamismo e terrorismo, por exemplo, já é verificável a partir de pesquisas ligeiras.
Pergunte por aí: onde está o fundamentalismo religioso? O cidadão comum, em qualquer praça do Brasil, após assistir ao noticiário, responderá imediatamente que está na religião muçulmana. Até agora não apareceu ninguém que dissesse a ele que o fundamentalismo religioso está apenas em alguns segmentos bem limitados do islamismo, como ocorre no Afeganistão. E que, curiosamente, o fundamentalismo viceja livremente aqui ao lado, tão perto que dá pra ouvir o silvo da serpente pelo rádio, ver a forquilha de sua língua na tevê. O fundamentalismo e a intolerância estão na igreja da esquina, no cinema convertido em templo onde “bispos”, “padres”, “pastores” e “pais-de-santos”, uns e outros, se arvoram em portadores da verdade absoluta e pregam para uma audiência ingênua e facilmente influenciável a satanização das religiões afro-brasileiras; que incentivam a submissão feminina e a discriminação dos gays; que propagam o ódio às demais religiões e nem suspeitam o que seja ecumenismo; que chutam imagens de santos; que proibiram seus fiéis de assistir a Porto dos Milagres porque Guma era devoto de Iemanjá ou, ainda, que defendem o sacrifício de crianças para aplacar a ira de Exu.
Esses são apenas alguns exemplos de fundamentalismo e fanatismo
que freqüentam o nosso dia-a-dia, perpassam as seitas e religiões
mais comuns, e dos quais nem nos damos conta. Todos eles cultivando
e regando a mesma semente da intolerância que fez alguns fanáticos
ceifarem 7 mil vidas em Washington e Nova York. Porque in nomine
Patris (em nome do Pai) tudo é permitido, inclusive matar
e morrer. E não se sabe de qualquer emissora que tenha aproveitado
a lição do atentado americano para mostrar ao público
brasileiro que a cabeça da serpente está aí
ao lado, viva e lampeira: é só espiar em volta ou
ligar a tevê.
(*) Jornalista, pesquisador, professor de telejornalismo. Dirige o Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico “Telejornalismo em Close”, coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>