Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Informação em defesa da vida

COBERTURA DE GUERRA

Nelson Hoineff (*)

A vantagem do jornalismo sobre a medicina é que o erro jornalístico não mata. Mas essa primazia pode estar com os dias contados. Se o apocalipse apregoado por bin Laden se confirmar, a mídia estará tendo, por um bom espaço de tempo, poder de vida ou morte sobre a população.

De todas as formas de guerra, a bacteriológica é a mais destrutiva e a mais fácil de ser executada. Já nos anos 60, Timothy Leary mostrava como era fácil dissolver LSD nos reservatórios de água de uma base militar. Perto disso, propagar o carbúnculo pelo correio é brincadeira de criança.

Algumas das formas de disseminação do bacillus anthracis têm sido testadas com sucesso pelos terroristas. Mandá-lo por carta, convenhamos, nem está entre as mais engenhosas. O antraz pode ser transmitido pela inalação ou pelo simples toque, o que multiplica exponencialmente as opções dos agressores.

Deter a propagação do vírus é uma questão de informação. Todo mundo começa a se preocupar com a própria capacidade de resistir a um ataque bacteriológico, inclusive no Brasil. O Globo, por exemplo, tratou bem a questão no domingo [14/10], produzindo matéria sobre a vulnerabilidade da agricultura brasileira ao antraz. "Mesmo com vacinas disponíveis para bovinos, nenhuma agricultura está livre da bactéria", advertia ali Silvio Valle, professor de biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz.

Nesse contexto, é mil vezes mais importante ser informado do que levar os sintomas ao médico. Isso já basta para demonstrar o enunciado do segundo parágrafo. Quando o cenário é de guerra bacteriológica, a mídia já não serve apenas para informar ao cidadão o que está acontecendo com os outros; sua função primária é informar ao cidadão o que está acontecendo com ele mesmo.

Garantia de defesa

A mídia, então, tem que ser ágil, abrangente e segura. A agilidade na estocagem de informações passou a viver no melhor dos mundos desde a internet. Exatamente um mês depois do ataque aos EUA, o mecanismo de busca Google <www.google.com> já registrava 665.000 páginas contendo o nome bin Laden. Isto representa cerca de 62 % de tudo o que já se escreveu sobre George W.Bush (inclusive durante a campanha), que estava em 1.060.000 páginas. Bastaram três dias desde o início dos ataques bacteriológicos para que o mesmo instrumento de busca registrasse 202.000 páginas contendo o nome antraz. (A título de comparação, o nome Fernando Henrique Cardoso é mencionado 85.400 vezes, o de Pelé 295.000 e a palavra "sexo", recordista da web, aparece em 28.500.000 páginas).

É uma evolução muito rápida das informações catalogadas sobre o personagem e a droga que mal acabaram de entrar para a história. A capacidade da internet de armazenar dados, entretanto, pouco se confunde com a de informar o cidadão sobre, digamos, um perigo iminente. Pode-se saber tudo sobre furacões em alguns segundos, mas até que ponto a internet tem a capacidade de nos informar com a rapidez necessária sobre a aproximação de uma tormenta?

Essa capacidade continua sendo da televisão e, como o 11 de setembro mostrou, cada vez com mais intensidade. Ela repousa na sua maior parte na confiabilidade da telefonia via satélite. Essa mesma tecnologia que ironicamente fez com que a Motorola e investidores em todo o mundo perdessem mais de 600 milhões de dólares no projeto Iridium, há menos de dois anos.

A telefonia via satélite é um caso típico de tecnologia cujas aplicações somente são percebidas muito tempo depois de sua implantação. Atribui-se ao marketing desastroso o grande naufrágio da Iridium, que acreditava vender seu produto a executivos desejosos de manter nas viagens um único número de telefone. O consumidor ? percebeu-se depois do desastre financeiro ? não usava terno nem gravata.

A confiabilidade desse tipo de equipamento, de qualquer forma, ainda não foi suficientemente testada em condições particularmente hostis (interferência provocada nos sinais, por exemplo) ? mas tudo indica que sua resistência a elas seja muito pequena.

O contrário ocorre com o terrorismo bacteriológico. Em outras palavras, é muito mais provável que se consiga interferir num sinal telefônico via satélite do que num ataque bacteriológico por algumas entre as milhões de vias disponíveis.

Não é por acaso que os primeiros alvos dessa guerra sejam meios de informação ? NBC, The New York Times, American Media, Microsoft, etc. Há mais do que o lado simbólico aí. Na guerra bacteriológica, danificar os meios de informação é o equivalente a destruir bases militares numa guerra convencional.

Se não forem militarmente desmobilizados antes de lançarem a guerra bacteriológica em grande escala contra uma quantidade infinita de alvos pelo mundo, os atacantes terão na mídia a única força com razoável poder de neutralização. Dependerá dela informar o cidadão contra os ataques dirigidos a ele, com a agilidade, a abrangência e a segurança necessárias para garantir a sua defesa.

A importância da mídia nunca terá sido maior. Então, ela não poderá errar.

(*) Jornalista, diretor e produtor de televisão

    
    
                     

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