Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Intelectuais a serviço dos preconceitos

DESINFORMAÇÃO & PALAVRAS-DE-ORDEM

Alberto Dines

Jorge Semprún é um símbolo intelectual, moral e político. Comunista, militou contra o franquismo mas antes, como maquisard, lutou contra os nazistas na França. Preso e encarcerado em Auschwitz, sua obra intelectual e sua participação política está impregnada de dor e perplexidade pelo que viu e sofreu naquele inferno. Seus relatos são arrasadores. Não ganhou o Nobel; merece, sobretudo porque não destila ódio.

Jorge Semprún, como qualquer ser humano sensível e decente deve estar acabrunhado com as informações sobre a repressão militar israelense aos ataques terroristas. Mas Jorge Semprún, pelo menos até agora, não comparou Israel aos nazistas como o fez José Saramago. Em primeiro lugar porque Jorge Semprún nunca foi estalinista, em segundo lugar porque Semprún sabe distinguir, enxergar diferenças, recusa-se a simplificar. O protesto e a indignação contra a ocupação dos territórios palestinos não pode toldar a capacidade de avaliar o passado.

A onda na mídia internacional sobre as desastradas declarações de Saramago foi ampliada com o texto do jornalista Ian Buruma no The Guardian ? e reproduzido pelo Estado de S.Paulo (domingo, 21/4, pág. D -8). Saramago tem todo o direito a expressar suas opiniões mesmo que, como jornalista que foi e portanto é, tenha claudicado em não ouvir o outro lado. Amigo de Amos Oz (escritor israelense, esquerdista e pacifista, também consagrado internacionalmente), poderia ouvi-lo sobre as pequenas e grandes diferenças que existem no seio da sociedade israelense e, assim, poupar-se de alguns inconfortáveis petelecos que recebeu da própria esquerda (em dois dias consecutivos, da parte de Luis Fernando Verissimo).

O artigo do ex-presidente Jimmy Carter (que acaba de voltar de uma inédita visita a Cuba) sobre a situação política e humanitária na Palestina (Estadão, 22/4, pág A-12) mostra que embora tenha ocupado a Casa Branca nada tem a ver com Bush Jr. Está a anos-luz de distância do seu longínquo sucessor sob o ponto de vista moral, intelectual e político. Certamente terá um efeito mais arrasador contra o governo Sharon do que as declarações de Saramago. Simplesmente porque examina os dois lados da questão, rigoroso com todos.

O mundo está à beira de um desastre político. A mídia e os intelectuais franceses sempre acharam que Jean-Marie Le Pen era peça de museu, não merecia atenção. A vitória de Le Pen (mais do que o fiasco de Jospin) mostra como a mídia é trabalhada pelos clichês, lugares-comuns e palavras-de-ordem.

Le Pen e Sharon são ambos de extrema direita. Só que o francês desmente que tenha havido um Holocausto e Sharon faz tudo para que o Holocausto seja tripudiado. São as pequenas diferenças que a mídia deveria estar apta a perceber e refletir.