SALA DE AULA
Pedro Celso Campos (*)
Breve história
Imagens do Dia foi o primeiro telejornal brasileiro. Nasceu com a TV Tupi de Assis Chateaubriand (Diários Associados) na primavera de 1950, exatamente no dia 19 de setembro. Durou um ano. Tinha um formato simples: o locutor Rui Resende produzia e redigia as notícias. Algumas notas tinham imagens feitas em filme preto e branco, sem som.
Mas o primeiro jornal de sucesso da televisão brasileira foi o Repórter Esso, também da Tupi. Ficou no ar de 17/6/1953 até 1970, com sua inolvidável vinheta de abertura ("Aqui fala o seu Repórter Esso, testemunha ocular da história"), apresentado por dois destacados locutores de rádio: Kalil Filho e, depois, Gontijo Teodoro.
Entretanto, no fim da década de 60, as inovações tecnológicas importadas dos EUA entraram no telejornalismo brasileiro, e o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, criado por Armando Nogueira, estreou em 1? de setembro de 1969, tornando-se líder de audiência e referência da imprensa nacional. Foi o primeiro a apresentar reportagens em cores, o primeiro a apresentar reportagens internacionais via satélite no instante em que os fatos ocorriam. O estilo de linguagem, a narrativa, a figura do repórter, o formato tinham os telejornais americanos como modelo.
Em 1977 a Globo São Paulo colocou no ar um jornal de serviço: Bom Dia São Paulo, que até hoje vai ao ar de segunda a sexta, às 7h. Também incorporou novas tecnologias: foi o primeiro a usar a UPJ (Unidade Portátil de Jornalismo) com repórteres entrando ao vivo de vários pontos da cidade, transmitindo informações de serviço como tempo, trânsito, movimentação da cidade, aeroporto etc. São características que permanecem até hoje. O sucesso deu origem ao Bom Dia Brasil, em 1983, que vai ao ar logo após o Bom Dia de cada praça, com o noticiário político gerado em Brasília.
A história do telejornalismo brasileiro destaca, também, o TJ Brasil, lançado em 4/9/1988, no Sistema Brasileiro de Televisão-SBT (de Silvio Santos). Também se inspirou no formato americano ao inovar com a emblemática figura do âncora Boris Casoy, que saiu do jornal impresso e logo se acertou com a TV, conquistando seu espaço e seu público. Em meados de 1997 Casoy foi para a TV Record.
Também em 1997 a televisão brasileira ganhou outro jornal importante, o Jornal da Band, igualmente influenciado pelos americanos, apresentado por Paulo Henrique Amorim, com um estilo forte e opinativo, informações exclusivas e ao vivo.
Texto e imagem
Por que alguns produtos jornalísticos fazem sucesso e outros ficam pouco tempo no ar? Naturalmente isso tem a ver com a qualidade. Mas não uma qualidade que contempla apenas o aporte tecnológico, e sim que envolva a própria produção dos conteúdos, o que tem a ver, naturalmente, com o trabalho de repórteres, apresentadores e equipes. A exemplo do que ocorre no jornalismo impresso, não se pode esperar que um manual ou alguma fórmula pronta dê conta de resolver todas as dificuldades do profissional envolvido com o telejornalismo, uma vez que a capacidade de perceber e produzir a notícia tem muito a ver com o potencial intrínseco do jornalista e das equipes. Mas algumas regras sempre ajudam os iniciantes a encontrarem, com o tempo, o próprio caminho, aquele que os diferenciará dos demais, que dará uma marca própria, uma característica inconfundível.
Vamos, estudar, inicialmente, as características do texto em televisão, com base, entre outros autores, em Vera Íris Paternostro (O texto na TV. Rio de Janeiro, Campus, 1999).
"Escrever é cortar palavras", dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade. Para ele, "um texto enxuto é um bom texto". Na TV, principalmente, o texto precisa ser coloquial, claro, preciso. Pela própria característica do veículo ? a instantaneidade, como no rádio ? o receptor deve "pegar a informação" de uma vez. Se isto não acontecer, o emissor terá fracassado no objetivo de comunicar. É aconselhável ler o próprio texto em voz alta, sem inibição, para verificar as falhas. Frases curtas e pontuação correta (a vírgula, o ponto final e os dois pontos) dão ritmo ao texto destinado à mídia eletrônica. As frases curtas facilitam a compreensão.Uma só frase de seis a sete linhas, no script padrão de telejornalismo, é considerada longa, tanto para a leitura do locutor como para o ouvido do receptor.
Entretanto, é preciso variar o tamanho das frases para evitar o estilo telegráfico. O objetivo é que o receptor acompanhe, compreenda e retenha a informação. Na relação com o impresso, devemos lembrar que o leitor pode ler de novo, mas o ouvinte não pode voltar atrás para ouvir novamente.
Por outro lado, é a pontuação que dá o "embalo" ao texto, permitindo que o locutor/apresentador respire enquanto fala. Observe os exemplos:
Errado
A elevação brusca no preço dos aluguéis está preocupando as administradoras que há mais de três meses não encontram locatários que possam pagar mil e duzentos reais mensais por imóveis de dois quartos. Por isso, muitos proprietários preferem manter seus imóveis fechados aguardando que a situação mude a curto prazo e então possam encontrar inquilinos confiáveis.
Correto
As administradoras estão preocupadas com a elevação brusca no preço dos aluguéis. Há três meses, não encontram quem possa pagar mil e duzentos reais por um imóvel de dois quartos. Os proprietários preferem manter seus imóveis fechados até que a situação mude.
É necessário lembrar, ainda, que no telejornalismo o papel da palavra é dar apoio à imagem. O texto só tem sentido quando está casado com a imagem, quando se relaciona com ela, quando não entra em conflito com ela. Ambos precisam se completar, ao invés de caminharem em paralelo, pois neste caso um não faria falta ao outro. Um erro muito comum é a redundância do texto que, em vez de falar sobre as imagens, limita-se a descrevê-las como se o telespectador não as estivesse vendo. Nesses casos desperdiçam-se enormes recursos para fazer jornal falado ou rádio na TV. Fica monótono, chato, cansativo. Não vale a pena.
Para evitar esses equívocos, o melhor é o repórter ver as imagens antes, fazer a minutagem delas para facilitar a edição e, então, sim, escrever sobre elas. Nunca fazer o contrário, isto é, produzir um texto e depois tentar cobri-lo com imagens. Telejornal não é filme de longa metragem. Nas situações de emergência, quando não dá tempo de ver e rever as imagens, o repórter poderá se sair bem se tiver a seqüência delas "na cabeça" e contar com as anotações feitas no local.
A boa reportagem, que casa texto e imagem, é aquela que também leva em conta o desempenho do jornalista, porque não basta ter boas imagens e boas informações (pesquisadas no local). Também é preciso passar emoção, para que a matéria tenha vida e dê conta de informar ao receptor o que aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu, porque aconteceu, quem protagonizou, como aconteceu. Para tanto é preciso que o texto identifique os elementos fundamentais da notícia deixando que a imagem cumpra seu importante papel na tela. Visualize os exemplos a partir das seguintes informações: um grupo de sem-terra invade uma fazenda. O proprietário chama a polícia para que sejam retiradas. Mas já montaram barracas de lona e pretendem lutar pela posse da terra. A equipe volta do local e o repórter se lembra da seqüência de imagens (barracas, homens, mulheres e crianças, policiais investindo sobre o acampamento e as conseqüências dessa ação. Então escreve o texto (redundante):
Errado
Os policiais chegaram com tudo, pela manhã, na área da fazenda onde os sem-terra estão acampados. Eles vieram a cavalo e trouxeram também vários tratores. Cada barraca do acampamento foi sendo destruída, uma a uma, com muita violência. Dezenas de homens, mulheres e crianças, desesperados, corriam para todos os lados. Eles levavam nas mãos o pouco que podiam salvar de suas coisas.
Correto
A polícia chegou cedo para retirar os sem-terra da área invadida. Em pouco tempo, o acampamento foi destruído.
(Sobe som ambiente)
Homens, mulheres e crianças saíram correndo e ainda tentaram levar o que sobrou.
(Sobe som ambiente)
Nesse exemplo, a imagem é mais forte e mais emocionante que a palavra. Por isto é preciso saber medir e equilibrar texto e imagem.
O texto também pode incluir, em alguns casos, recursos destinados a chamar a atenção do telespectador que pode estar distraído naquele momento, ou afastado da TV. Exemplos:
Atenção para esta última informação…
Uma notícia que acaba de chegar…
Urgente: as agências informam que…
Outra técnica é usar o texto para valorizar as imagens:
Vamos acompanhar as imagens…
Vejam agora imagens exclusivas…
Os detalhes nas imagens em câmera lenta
Acontece, às vezes, que faltam imagens para uma determinada notícia. Então é preciso recorrer à "arte", que fornecerá mapas, selos, desenhos, gráficos, quadros parados, legendas, fotos, animação, simulação, reconstituição. Quando a transmissão é por telefone, coloca-se o "santinho" do repórter sobre o mapa com a localização dele e a legenda com crédito e origem.
Os editores de TV pedem texto simples e coloquial, mas não vulgar e muito menos literário. Exemplos:
Errado
Enquanto a genitora do morto recebia as condolências, os agentes da lei protegiam o ataúde do colega, porém a causa mortis ainda não foi revelada.
Correto
Os policiais protegiam o caixão do colega, e a mãe dele recebia os cumprimentos. Ainda não se sabe a causa da morte.
O autor de Jornalismo diante das câmeras, Ivor Yorke (São Paulo, Summus, 1998) chama atenção para redundâncias e clichês muito comuns nas aberturas e nos encerramentos das matérias, quando o repórter aparece ao vivo (stand up). Exemplos:
Aberturas
Aqui atrás/ Na minha frente…
Estou aqui…
Aconteceu…
A segurança era rígida….
Encerramentos
….é o que todos se perguntam
…só o tempo dirá
…nunca mais será o mesmo
…agora é tarde demais.
Essa falha de texto também ocorre com quem se inicia no impresso sem ter bons hábitos de leitura. O jornalista iniciante muitas vezes não consegue encerrar o texto sem "arrematar" com alguma conclusão pessoal do tipo "resta esperar…" ou "resta saber" ou "cabe perguntar" e outras pérolas de inutilidade. Parecem sentir que está faltando alguma coisa, que o texto não está completo sem o "fecho". Certamente, em matéria de concisão, ignoram a historinha do feirante que colocou uma placa em sua banca com os dizeres "Vende-se peixe fresco", e chamou um amigo para ver se havia alguma coisa errada com a frase. O amigo opinou: é possível tirar o "vende-se" porque o peixe não é dado aqui na feira; também é bom abolir o adjetivo "fresco" porque o amigo não vende produto estragado. De resto a palavra "peixe" está sobrando, porque o cheiro fala mais forte…
Ivor Yorke acha que o avanço da tecnologia ajudou muito na evolução da TV (e vai ajudar muito mais com a transmissão-recepção digital, com a TV de plasma, com a integração do televisor com o computador etc.), mas a tecnologia também é um perigo na medida que permite a qualquer pessoa, com uma câmera na mão, registrar um fato que vai ao ar com o rótulo de "exclusivo" ou "ao vivo", comprometendo todo o esforço de manter o padrão de qualidade. Ele também percebe que repórteres e apresentadores não devidamente preparados acabam contribuindo para esse rebaixamento técnico do telejornalismo, em que o noticiário sério muitas vezes acaba substituído pelo "espetáculo ao vivo", enquanto o apresentador mantém um olho no Ibope e outro na concorrência, como está ocorrendo atualmente entre os apresentadores Datena (da TV Bandeirantes) e Milton Neves (da TV Record).
O bom repórter de TV reúne algumas características especiais, como faro para a notícia; ceticismo nato, sede de verdade, conhecimentos sobre comunicação, aparência razoável, voz aceitável, capacidade de entender que palavra e imagem andam juntas, capacidade de agir como líder da equipe.
O que significa liderar uma equipe de TV?
Ora, o trabalho em equipe é a razão da TV. Uma pessoa, só, pode produzir uma matéria de rádio e até operar uma emissora num plantão de fim de semana. Mas um repórter sozinho não faz a matéria do telejornal nem mantém no ar uma emissora de televisão.
O fator tempo e o fator custo são determinantes na grade de programação da TV. Por isto não se pode perder tempo nem desperdiçar recursos. É tudo muito racional, muito planejado, muito eficiente. Jornalista preguiçoso bate na porta errada quando procura emprego na TV.
Quando sai para uma cobertura, o repórter de TV vai acompanhado do câmera, do iluminador e, às vezes, do técnico de som e do motorista (quando um deles não acumula esta função). É uma equipe de bom tamanho. Quem deve liderá-la é o repórter. Todos esperam que ele saiba dizer claramente o que quer, o que é para ser feito, determinando o ritmo do trabalho. Isto se faz com diálogo e determinação, tão logo o profissional toma conhecimento da pauta. É preciso que cada um "compre" a idéia da reportagem. Nada torna um repórter mais malvisto aos olhos da equipe do que a presunção e a irresponsabilidade, especialmente a incapacidade de chegar ao local em tempo.
A capacidade de controlar os problemas logísticos envolvidos na reportagem é quase tão valorizada quanto o talento editorial. Com as novas tecnologias, o repórter precisa ser mais rápido para se movimentar até o local dos acontecimentos e voltar para ver as imagens, fazer a avaliação, dar forma ao material ou enviá-lo para ser editado na redação (quando está à distância). Ao cronometrar o tempo necessário, é aconselhável incluir uma margem de segurança.
O diálogo com o câmera é essencial. Ele não é necessariamente jornalista, mas toma decisões editoriais toda vez que movimenta as lentes. Isso também é uma característica da TV, que não atinge os jornais e o rádio, nos quais os técnicos não têm tanta influência no produto final do repórter. Quem se põe a liderar, entretanto, deve ter cuidado para não ferir suscetibilidades alheias. É necessário saber dialogar e ser firme sem bancar o diretor de cinema. Afinal, o repórter precisa das imagens como o peixe da água. TV é imagem.
Técnicas de entrevista
Em Telejornalismo, Albertino Aor da Cunha (São Paulo, Atlas, 1990) observa que o repórter nunca deve completar frases do entrevistado ou falar ao mesmo tempo que ele, nem estimulá-lo com gestos, expressões faciais etc. Deve deixar o julgamento do mérito para o telespectador ou para o ouvinte (no caso do rádio). Deve ser discreto e simpático, usando sempre a terceira pessoa. É aconselhável não partir para temas paralelos que não domina perfeitamente: o entrevistado poderá levantar questionamentos que o repórter não domina e assim não terá meios de continuar a entrevista.
A pergunta é influenciada pelo modo como o entrevistador se comporta, e isso envolve a comunicação silenciosa dos gestos, a expressão facial, a atenção concentrada, até o modo como o repórter está vestido, em determinadas situações. Na verdade o repórter pergunta também com o corpo, por isto precisa aprender a controlar o nervosismo, deixando o corpo em posição descontraída, soltando os braços e as pernas.
Há repórteres de vídeo que parecem não saber onde pôr as mãos. Outros procuram equilíbrio apoiando-se num pé ou no outro, prendendo o eixo postural, comprometendo, assim, a fala. É preciso patrulhar o comportamento do corpo e instruí-lo a não refletir os medos do repórter. A criatura humana é dinâmica, é movimento, é ação. A segurança, a confiança, o equilíbrio revelam a personalidade do bom repórter no vídeo. Daí a necessidade de estar bem preparado para o que vai falar. Estando bem preparado, bastará respirar fundo e transmitir sua empatia, com olhos brilhantes e firmes, direcionados para a lente da câmera. Ela substitui a íris do telespectador em casa. As palavras devem ser pronunciadas com clareza e decisão: "levar", e não "levá"; "trazer", e não "trazê"; "terceiro", e não "tercero"; "Brasil", e não "Brasiu"; "chover", e não "chuvê"; "nascer", e não "naiscer"; "poder", e não "pudê"; "renovar", e não "renuvar"; "precisa", e não "pcisa"; "circuito", e não "cirqüito"…
Quem vive da voz ? na TV e no rádio ? deve cuidar da impostação (colocação e projeção), evitando as trocas de L por R, de R por L e todos os vícios de linguagem, como repetições, cacófatos, rimas e tudo que revele desconhecimento da língua.
O entrevistado sentirá firmeza se a pergunta tiver conteúdo, se for adequada, inteligente, se revelar conhecimento do assunto. Por outro lado, caberá ao repórter conduzir a entrevista de modo a que o entrevistado não se disperse, nem se alongue demais, especialmente nas transmissões ao vivo. Mesmo nas produções gravadas, esse cuidado é necessário para não atrasar a edição do material. É complicado ver horas de gravação para retirar três ou quatro minutos. Ninguém tem tempo a perder. É preciso achar o meio termo: nem imagens de menos, nem imagens demais.
Em muitas situações, a entrevista de rádio ou de TV intimida o entrevistado. O repórter pode perceber que o entrevistado está com o tórax encolhido, sentindo-se dominado, às vezes até paralisado, pela situação, com o "eu" diminuído, retraído, submisso. Um repórter experiente sente as vibrações que o entrevistado emite durante suas respostas. O aumento da respiração revela tensão e forte emoção. Os suspiros indicam ansiedade e angústia. As sobrancelhas abaixadas indicam forte reflexão sobre a resposta e a seriedade com que a dará. As sobrancelhas levantadas indicarão surpresa, espanto, alegria. O entusiasmo também é revelado pelos olhos brilhantes. A leitura dos lábios revelará sua dúvida, sua contrariedade, até sua raiva. Lábios comprimidos revelam o propósito firme de defender-se das perguntas.
Quando o entrevistado está sentado, o queixo apoiado nas mãos exprime a espera paciente e desafiadora pela próxima pergunta, ou até mesmo sua surpresa e desaprovação. As pernas cruzadas exprimem desembaraço. O sorriso seco antes das respostas pode ser pura educação, não se harmonizando com a fala a seguir. Os punhos cerrados indicam agressão. O acanhamento, o receio, o tom baixo da voz indicam fraqueza psíquica. Já a franqueza, o interesse e a coragem revelam vigor psíquico.
As mãos atrás das costas tentam esconder o estado de tensão. Se contrariado, o entrevistado, quando sentado próximo de uma mesa, poderá começar a brincar com um objeto qualquer, tentando parecer natural. Também estará dissimulando a contrariedade tocando suavemente as pontas dos dedos de ambas as mãos.
É através da imagem televisiva que o telespectador sabe o que o entrevistado está fazendo ou pensando. O conhecimento dessas reações amplia o alcance da informação que o repórter tenta passar com a entrevista. Muitas vezes o silêncio fala mais alto que a resposta a uma pergunta bem colocada.
Se não entender uma resposta, o repórter deve perguntar novamente, pois é possível que o telespectador também não entenderá. As perguntas não devem ser adiantadas para o entrevistado antes de começar a gravar. O fator surpresa obrigará o entrevistado a responder a cada uma com naturalidade, sem ensaiar.
Nas matérias gravadas, o repórter faz a primeira pergunta e não retira mais o microfone da boca do entrevistado. As perguntas são feitas em off. Depois elas serão gravadas à parte, no mesmo ambiente, de preferência sem a presença do entrevistado. Nessa ocasião é permitido corrigir algum erro de português ou de dicção, mas não se pode mudar a essência da pergunta. Não seria ético. Em seguida grava-se a "cabeça" (abertura) da matéria. O melhor é o repórter memorizar o texto curto da "cabeça", evitando usar a "dália" (cópia do texto colocada ao lado da câmera). Isso modifica o olhar do repórter e dá ar falso à apresentação. No estúdio há equipamento próprio, o teleprompter, que produz uma cópia eletrônica do script sobre a câmera, para os apresentadores lerem olhando diretamente nos olhos do telespectador.
Ao gravar sua abertura, passagem ou encerramento, o repórter deve prestar atenção no "fundo de tela" que terá atrás de si. Não é bom surpreender-se, na correria do fechamento do jornal, já na emissora, com árvores, postes ou frases muito estranhas brotando da cabeça do repórter ou do entrevistado. Quando o ambiente está muito tumultuado é aconselhável procurar um lugar mais calmo para gravar, mas que revele o tom geral do ambiente, pois fechar-se numa sala para falar sobre uma festa é o mesmo que fazê-lo no estúdio, isto é, fica monótono, burocrático, sem vida. O ruído ambiente faz parte da matéria, desde que não cubra a fala do repórter ou do entrevistado, tanto para o rádio como para a TV.
Algumas orientações básicas para rádio e TV
** Não usar gírias
** Não usar expressões vulgares
** Não usar palavras muito técnicas
** Não usar a forma indireta
** Não intercalar frases
** Não florear o texto com adjetivos e palavras supérfluas
** Não começar a frase com algarismos
** Não fazer rodeio: ir direto ao assunto
** Não usar palavras estrangeiras
** Não repetir palavra na mesma frase
** Não usar siglas sem explicar o significado
** Não fazer texto rimado. Exemplo:
Errado
A seleção já está na concentração, em preparação para o jogo contra o Japão.
Correto
A seleção já está concentrada e se prepara para o jogo contra o Japão.
Recomendações finais
O experiente repórter da BBC Ivor Yorke deve ser leitura obrigatória para quem quer estudar teoricamente as técnicas de entrevista e de reportagem para televisão. Vamos encerrar com algumas recomendações úteis aos iniciantes:
** Tente sair dos gabinetes oficiais. Busque a originalidade junto ao povo.
** Tente romper a agenda padronizada que a TV copiou dos jornais por comodismo. Mas, lembre-se: para romper regras é preciso conhecê-las.
** Na função de pauteiro, observe que é preciso planejar a cobertura futura agendando com exatidão as votações importantes do Congresso, as viagens presidenciais, decisões da Justiça, obras em andamento, encontros etc. Às vezes esse planejamento exige providências especiais de viagem, conexões de satélite, cooperação com outras organizações etc. Não se faz telejornal só com as notícias do dia, mas com planejamento.
** A pauta diária pode variar desde indicações superficiais (título, localização e nome de um contato) até uma discussão mais detalhada de tratamento, conteúdo e perguntas.
** Repórter experiente constrói uma boa agenda de fontes e a guarda em lugar muito seguro.
** A roupa do repórter de vídeo não deveria ser importante, mas é. Uma blusa de babado, um decote mais ousado ou um desenho diferente na gravata podem desviar a atenção do telespectador.
** O mecanismo sensível das câmeras em cores pode ser perturbado por roupas com listras finas ou padrões em xadrez, ativando uma vibração visual conhecida como "batimento". Alguns tons, como o azul, criam um "buraco eletrônico".
** Jóias podem criar clarões irritantes.
** Para vencer o medo, o iniciante deve começar gravando off, fazendo pequenas chamadas etc.
** Evite pensar no público em termos de milhões. É assustador demais. Se "homem do povo" é um conceito muito vago, dirija-se a alguém que você conhece: um amigo ou parente sentado em casa, sozinho. Imagine que está contando uma história a ele.
** A obsessão do jornalismo impresso em revelar a idade das pessoas (por motivos explicáveis) não prevalece na TV, onde a imagem dá conta de "completar a narrativa".
** No script, os números são sempre redondos. Os detalhes vão no gráfico.
** O objetivo das chamadas ou do início das matérias é prender a atenção do telespectador, omitindo a informação central que virá na matéria. Ás vezes uma ligeira falha de áudio pode comprometer as primeiras palavras do texto, mesmo por uma questão de segundos, prejudicando o entendimento da informação. Assim, é preciso tomar cuidado com a abertura, colocando as palavras-chave um pouco adiante. Exemplos:
1) Naquele que já é considerado o pior acidente da história, setecentas pessoas morreram.
Em vez de: Setecentas pessoas morreram naquele que já é considerado o pior desastre da história.
2) O campeão mundial dos pesos-pesados, Mike Tyson…
Em vez de: Mike Tyson, o campeão mundial dos pesos-pesados…
3) As taxas de juros para as hipotecas vão ter aumento de doze por cento.
Em vez de: Será de doze por cento o aumento das taxas de juros para as hipotecas.
4) As cifras reveladas esta noite indicam que o aumento de desempregados subiu para mais de dois milhões.
Em vez de: É de dois milhões o número de desempregados no país, segundo…
** A regra é usar três palavras para cada linha de script, equivalente a 1 segundo.
** Por sobre o ombro do repórter a câmera enquadrará o entrevistado em ? plano (lembre-se: o plano geral mostra toda a figura humana; o plano médio mostra da cintura para cima; o meio plano, do peito para cima; o close-up, a cabeça e os ombros).
** Nas entrevistas programadas, bastam seis ou sete perguntas.
** Nas coletivas, o ideal é filmar imagens de cena e tentar fazer entrevistas separadas.
** No "povo-fala" faz-se a mesma pergunta a várias pessoas. Na edição, será mantida só a pergunta inicial.
** Edite as sonoras de modo que o repórter entre com a narração dos fatos e o entrevistado, com as opiniões e comentários. Ao telespectador interessa mais a resposta do entrevistado do que a pergunta do entrevistador.
** Evite repicar as sonoras a ponto de o telespectador perder o sentido da fala.
** Não use fundo musical em notícias.
** Ao gravar o stand up memorize pelo menos 30 palavras ? o equivalente a 10 segundos. Acrescente etapas de 15 palavras ? 5 segundos. Assim por diante. Se precisa gravar 40 segundos, peça ajuda para gravar em duas etapas com enquadramento diferenciado.
Exercício
No laboratório: cada grupo deve acessar uma reportagem e tentar memorizar o máximo de detalhes para escrever, sem consulta, uma abertura de 10 linhas para a televisão, com suas palavras, contando uma história que acabou de "ouvir". Se não conseguir, tente de novo. Se tiver máquina disponível, faça o exercício sozinho.
Em casa: grave dois telejornais, depois reúna o grupo para analisar tecnicamente os dois programas, observando detalhes que melhoram a comunicação com o telespectador ou falhas que poderiam ser evitadas. Escreva um relatório sobre essa análise.
(*) Professor de Jornalismo da Unesp/Bauru