Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Inutilidade pública

GOVERNO LULA

Luiz Weis

Nas primeiras semanas depois da eleição de Lula, a entrada em cena do controvertido programa Fome Zero parecia ter empurrado o jornalismo de comadres para o seu devido e marginal lugar no noticiário político.

O apetite com que a imprensa se lançou ao assunto, cobrindo com competência e amplitude os prós, os contras, os fatos e os números da questão do combate à maior de todas as privações há de ter dado ao leitor minimamente interessado informações suficientes para formar opinião sobre a polêmica, com razoável conhecimento de causa.

E deu aos críticos de mídia motivo para esperar que, motivadas pelas expectativas quanto aos projetos do novo governo, as redações estariam propensas para ir fundo em tudo o que poderá, ou não, fazer diferença para os brasileiros, gastando menos tinta e papel com a fofocalha política de sempre.

Essa esperança levou um primeiro tranco quando a cobertura do que vem por aí praticamente se limitou a registrar que o mais do que provável ministro da Educação de Lula, o senador eleito, ex-governador e ex-reitor da Universidade de Brasília, Cristovam Buarque, planeja (ou planejava) transferir para a Pasta da Ciência e Tecnologia as chamadas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), a fim de que o MEC passasse a ser concentrar no ensino fundamental e médio ? atribuição constitucional dos Estados e Municípios, entrando a União com o dinheiro do Fundef.

Salvo engano, como sempre, o que a imprensa fez foi apenas convidar os especialistas para se manifestarem sobre a iniciativa (condenada por quase todos eles).

Esse jornalismo preguiçoso não leva em conta que, em geral, especialista pensa primeiro nos seus iguais ? e só depois no grande público ? quando se põe a escrever sobre o seu pedaço, o que, para os pobres leigos, não raro funciona como um breve contra a leitura.

Verdade seja dita, a legibilidade dos artigos "técnicos" melhorou muito no Brasil nos últimos 10 anos, justamente porque jornais e revistas abriram ou aumentaram os espaços fixos para colaborações de não jornalistas. Alguns deles, por sinal, se revelaram capazes de produzir, regularmente, no prazo e no tamanho requeridos, textos de dar inveja aos profissionais da palavra.

Ocorre que nem o mais bem pensado conjunto de artigos que traga os diversos ângulos de um assunto de grande interesse, como quem deve cuidar da universidade brasileira, substitui a boa e velha reportagem para o grosso do leitorado, porque só ela, por ser o que é, pode lhe dar, de forma atraente, junto com o sumo das opiniões qualificadas a respeito dos temas mais cabeludos, as informações factuais imprescindíveis à sua compreensão ? no tempo que ele dispõe para isso.

Fofocas e maledicências

O mais decepcionante, em todo caso, foi o despertar de vícios adormecidos do jornalismo político, no tratamento dado à montagem do ministério de Lula. No Brasil ou na Conchinchina ? e isso é mais conhecido do que andar para a frente ?, a formação de um governo é sempre uma briga de foice no escuro.

O que muda é a atitude da imprensa diante das intrigas e rasteiras indissociáveis do processo de partilha do poder, cujos protagonistas se servem precisamente da mídia fofoqueira para promover os seus interesses.

O jornal ou revista que embarca nessa, dando a esse jogo uma atenção desproporcional à sua verdadeira importância para o país, comete um ato de lesa-consumidor.

Foi, para citar um caso exemplar, no mau sentido, o que fez a Folha de S.Paulo, no domingo (1/12), ao abrir na página A 18 o título em quatro colunas "Dirceu articula para não dividir poder com Genoíno". São 96 linhas de versões e especulações ? por sinal, sem um único par de aspas dos citados, ou de quem quer que seja. Até para "desconversar", como o reportariado gosta de escrever.

O problema desse gênero de matéria não é nem se o que está dito ali é falso ou verdadeiro, mas o espaço pelo qual ela se derrama e que poderia ter sido muito mais proveitosamente usado para publicar alguma notícia substancial.

Como é óbvio, o destaque dado a uma reportagem é uma forma de dizer ao leitor: "Preste atenção. Informação importante". Por isso, a centimetragem ocupada pelas alegadas maquinações do presidente do PT e futuro ministro José Dirceu para afastar do Planalto de Lula o seu xará Genoíno equivale a uma trapaça com o incauto comprador de jornal.

A matéria é uma reprodução em tamanho família do tipo de nota que celebrizou a coluna "Painel", do mesmo jornal, como um repositório de diz-que-diz-que e maledicências. Para manter a tradição, aliás, as três primeiras notinhas da citada edição de 1/12 são puro "Painel", assim como o título da primeira: "Roupa Suja".

O texto diz que "estão estremecidas as relações de Marta Suplicy com Lula e a cúpula do PT", porque Lula não deixou o namorado dela, Luis Favre, participar da equipe de transição. A segunda dá outros motivos da "contrariedade" da prefeita. E a terceira fecha a roda: "Já a cúpula do PT reclama de Marta porque…".

É o caso de saber por que diabos jornais como The New York Times, Le Monde, The Guardian e El País não praticam esse jornalismo de tão manifesta utilidade pública.

P.S. ? Da série "Quando não se dá valor ao que se tem". Ainda no mesmo domingo, O Estado de S.Paulo publicou no caderno de Economia, sob o título "?A política econômica já está mudando?", uma entrevista da maior importância, que ocupa toda a página B 6, com o economista Antonio Barros de Castro. Ouro puro, pelas novidades que traz e pelas pensatas que as acompanham. A entrevista não mereceu nem uma mísera chamadinha na capa do jornalão.