SABATINAS NO ESTADÃO
Luiz Weis (*)
Jornalistas criticaram o candidato José Serra porque ele teria sido descortês com os entrevistadores do Estado de S.Paulo, quando chegou a sua vez de ser sabatinado na série de entrevistas promovidas semana passada pelo jornal com os principais presidenciáveis.
A crítica é injusta. O que o tucano fez foi não deixar barato perguntas que partiam de premissas que ele achava que devia contestar, ou eram meramente adjetivas tendo em vista a resposta que acabara de dar, ou demonstravam que o entrevistador não tinha feito a lição de casa.
A reconstituição de alguns diálogos talvez ajude a entender o que se passou. E o que se passou pôs de ponta-cabeça o enfrentamento de praxe entre quem pergunta e quem responde. Serra fez com os entrevistadores o que estes deveriam ter feito com ele (ou todos devem fazer sempre com quem quer que seja): encostá-lo na parede com base em referências que tenham pai e mãe e alegações que tenham nome e sobrenome ? quem, quando, onde ? e, por último, façam sentido. Vamos aos exemplos daquilo que foi considerado "respostas ásperas".
1.
Jornalista ? O senhor já chegou a afirmar junto a empresários que, se não for o senhor [o eleito], o Brasil pode ficar parecido com a Argentina. Então ficou no ar…
Serra ? Eu nunca afirmei isso junto a empresários…
Jornalista ? Isso está sendo dito até hoje nos jornais…
Serra ? Não, eu nunca afirmei isso diante de empresários. São outros que dizem isso.
2. Jornalista ? Muita gente aí está achando esquisito o senhor ter apoiado o plebiscito da CNBB, que defendeu a posição de que o Brasil ficasse de fora nessas negociações com a Alca. Como é que é isso?
Serra ? Acho esquisito alguém ter dito que eu apoiei o plebiscito. Haja desinformação…
Jornalista ? Ontem mesmo um dos mais importantes assessores econômicos do PT, que é o Guido Mantega, afirmou categoricamente que quem apoiou o plebiscito da CNBB foi o José Serra.
Serra ? Olha, eu acho que o Guido Mantega perdeu um parafuso da cabeça ontem. (…) Estou absolutamente surpreso que alguém tenha dito que eu estava no plebiscito (…) Acho inacreditável que você ache que eu estava no plebiscito porque o Guido Mantega disse. Tenha paciência!
Jornalista ? Não é porque o Guido Mantega disse…
Serra ? Ah, tenha paciência! Imagina.
Jornalista ? É porque…
Serra ? Tudo pode-se dizer, mas também não exagera. É a mesma coisa que dizer que eu estou sentado lá e você olhar para lá e perguntar para lá. Tem mais ou menos esse grau de plausibilidade.
3. Jornalista ? Na sua gestão, por exemplo, no Ministério da Fazenda [sic], o senhor tinha muito boas relações com o PT, no Executivo o senhor também…
Serra ? Na Saúde, você quis dizer.
Jornalista ? Na Saúde, perdão.
4. Jornalista ? O que o senhor vê no horizonte [sobre a viabilidade da reforma política]? Já no próximo ano…
Serra ? É, dá para mandar. Não precisa aprovar no ano que vem. (…)
Jornalista ? O senhor acha que é plenamente viável…
Serra ? Se eu não achasse plenamente viável eu não ia propor. Você não acha? A gente vai propor uma coisa que não é viável?
5. Jornalista ? Alguns estados reclamaram dessa questão das verbas que o governo federal destinou aos estados para o combate à dengue. O senhor acha que houve falha…
Serra ? Quem reclamou?
Jornalista ? Alguns estados reclamaram. Rio de Janeiro, por exemplo, reclamou.
Serra ? Não, nunca reclamou. Pelo contrário, Rio de Janeiro ficou com 10, 11 milhões aplicados no caixa único.
Jornalista ? Mas o que eu queria saber é o seguinte: o senhor acha que houve falha…
Serra ? Não, mas vamos ter claro: que estado reclamou? Você disse alguns.
Jornalista ? Rio de Janeiro, por exemplo.
Serra – Que mais?
Jornalista ? Alguns outros estados do Nordeste, por exemplo.
Serra ? Não, um exemplo, eu só te peço um exemplo mais, para pôr no plural.
Jornalista ? São Paulo, por exemplo, eu não estou falando de…
Serra ? Nunca, o governo de São Paulo? Não.
Jornalista ? Município, por exemplo.
Serra ? Não, nunca.
***
O temperamento do presidenciável é problema dele, de seus familiares, dos políticos com quem convive e ? eventualmente ? dos brasileiros para os quais o humor de um candidato é critério de decisão eleitoral. Não pode ser invocado por jornalistas para, quem sabe, afastar a discussão substantiva da qualidade das perguntas que provocaram a suposta descortesia ou aspereza do entrevistado. Isso só se justificaria se ele tivesse ofendido alguém. Não o tendo feito, o que fica para os jornalistas é o dever profissional da autocrítica: o que leva a gente a errar o saque no pingue-pongue com quem é notícia? O caso Serra no Estadão pode ser um bom ponto de partida.
Curiosamente, a propósito, ninguém mencionou o estado do humor do candidato Lula da Silva a propósito de sua reação, quando, na mesma rodada de sabatinas, ele tascou um "Eu nunca vi você em um comício meu", antes de responder à pergunta de um jornalista sobre determinada declaração que ele teria ou não teria feito.
E ninguém tampouco criticou em letra de forma ? ao que saiba este jornalista ? os entrevistadores do Estadão por terem chamado 18 vezes o candidato do PT de "você" ou de "Lula". É a enésima vez que isso acontece. É a enésima vez que isso não se justifica. Ainda mais quando Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho foram invariavelmente chamados de "senhor", como se deve. Político pode chamar jornalista de "você" em situações formais. Jornalista, não. É falta de modos.
Não se imagina, obviamente, alguém se dirigir ao político petista como "senhor Lula" ou, a menos que seja um jornalista anglo-saxão, "senhor da Silva". Mas existe uma simples e adequada forma de tratamento, no caso: "Candidato". Como existe outra, igualmente singela e apropriada, para a hipótese de ele se eleger: "Presidente".
(*) Jornalista