Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Isabel Lustosa

ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

ASPAS

CIPRIANO BARATA

"O primeiro revolucionário brasileiro", copyright O Globo, 21/4/2001

"Só se conhece uma imagem de Cipriano José Barata de Almeida e o retrato não o favorece. O semblante carrancudo, os cabelos brancos, longos e desgrenhados descendo pelos lados da calva até o pescoço; a testa proeminente; o olhar duro sob o sobrecenho sombrio; o rosto magro, seco de finos lábios crispados. Não é uma figura simpática. E os fatos de sua vida, a força dos tantos artigos que deixou, contribuem para fixar a personalidade polêmica que não parece ser a do homem elegante, de maneiras afáveis, o homem de Corte típico daqueles tempos. Barata era duro, áspero e cioso de suas convicções.

Pouco estudado, pouco conhecido, no entanto, Cipriano Barata é a única figura de autêntico revolucionário que o Brasil da virada dos séculos XVIII para XIX conheceu. Esteve em todas as revoluções brasileiras de seu tempo ou com elas de alguma maneira se relacionou. Sua vida é uma sucessão de processos políticos e de prisões. Filiou-se à Maçonaria quando estudante em Coimbra, adotando desta a versão mais revolucionária, mais sans-culotte. Barata foi preso pela primeira vez em 1798, na Bahia, por suspeita de envolvimento na Revolução dos Alfaiates. E, se foi absolvido da acusação de ter participado diretamente do movimento, muitos depoimentos daquela devassa denunciam a sua biblioteca onde destacavam-se as obras do Iluminismo francês, o seu papel de propagador das novas idéias liberais e as suas falas anticlericais.

Após a Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, Barata foi eleito deputado pela Bahia. A imagem que deixou nas Cortes portuguesas foi a do mais aguerrido defensor dos interesses do Brasil, mas foi também a do homem capaz de derrubar das escadarias do Palácio das Necessidades ao seu rival, Luís Paulino Oliveira Pinto de França, também deputado pela Bahia. Este último, nascido em Portugal mas casado com brasileira, homem culto e dono de engenhos de açúcar na Bahia, defendia interesses contrários aos do Brasil. No dia 30 de abril de 1822, Cipriano Barata, revoltado com o apoio dado por Luís Paulino ao envio de tropas para a Bahia, depois de esmurrá-lo, empurrou-o escada abaixo, fazendo com que fraturasse umas costelas.

Barata recusou-se a assinar a Constituição Portuguesa alegando que ?tudo quanto eles acabavam de decidir para o Brasil eram Bulas do Papa para o Imperador da China? pois que nem d. Pedro era tolo em obedecer a tais coisas e nem o povo do Brasil em tal consentiria. Por essas e outras tantas, saiu de Portugal fugido. Chegando ao Brasil, no início de 1823, encontrou a Bahia em guerra, controlada pelas forças contrárias à Independência. Fixou-se em Pernambuco, de onde iniciou a carreira de jornalista e panfletário, exercendo, a partir de então, uma enorme influência no debate político das décadas de 20 e 30. Enquanto viveu, Barata escreveu, de forma agressiva e desassombrada e foi sempre incômodo, difícil, provocador.

Injusto seria compará-lo a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, eternizado e mitificado pelo martírio. A este, já os jornais da Independência chamavam mártir. Cipriano, por suas idéias, por suas atitudes, também teve o seu martírio. De cepa dura, além dos dois anos em que esteve preso por conta da Revolução dos Alfaiates, enfrentou sete anos de cadeia, de 1823 a 1830. A regência também não o poupou. Voltou para a prisão em 1831, ali ficando até 1833. Dizem que o foi o brasileiro que mais prisões conheceu. Seu jornal chamou-se sempre ?Sentinela da Liberdade na guarita da…? – e daí seguia-se o nome do forte ou cadeia em que estava. Cipriano viveu muito, morrendo já no final da Regência, aos setenta e seis anos de idade, obscuro e esquecido em Natal, no Rio Grande do Norte. Porque sua terra, a Bahia, lá não queria o agitador; sua terra de adoção, Pernambuco, há muito o expulsara e do Rio de Janeiro, a Corte corrompida e exploradora na sua visão de revolucionário sertanejo, ele é que não queria saber. Isabel Lustosa é autora de ?Insultos Impressos a guerra dos jornalistas na Independência? e pesquisadora da Casa de Rui Barbosa"

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