Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Isabel Pedrosa

TRANSGÊNICOS EM DEBATE

“Transgênicos: agora não”, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 3/10/03

“Nas últimas três décadas, Jean Marc Von der Weid direcionou sua vocação de militante para a mesa do brasileiro. Presidente da União Nacional dos Estudantes até o histórico Congresso de Ibiúna, em 68, exilado na França, onde se formou em Economia pela Universidade de Paris, tornou-se um especialista em planejamento agrícola e Alimentação. Foi assessor informal da FAO, membro do Consultative Group on Inter-Agricultural Reasearch sediado no Banco Mundial, e integra o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que promove um ataque à lentidão do governo Lula na distribuição de verbas para a agricultura familiar e exige um lugar na mesa de debates sobre transgênicos.

Há treze anos Jean Marc pilota a Asssessoria e Serviços em Agricultura Alternativa (ASPTA), uma ONG bem plantada num prédio art-déco no centro do Rio, de onde saem projetos de pesquisa e estímulo à agro-ecologia em diferentes regiões do país, na Paraíba, no Paraná e na zona oeste do Rio de Janeiro. É um dos coordenadores da rede de ONGs e movimentos sociais da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos. Na entrevista a seguir, ele explica por que a batalha deve continuar, embora desmistifique o rótulo de grande vilão da História que alguns de seus aliados insistem em vincular aos organismos geneticamente modificados.

Como você interpreta essa reviravolta na posição do governo de manter a proibição dos transgênicos?

É uma posição coerente com a escolha de um prócer do agro-business para o ministério da Agricultura, um quadro afinado com o time ministerial que joga para ?manter a casa em ordem? pagar as dívidas e não assustar ninguém, sobretudo o sistema financeiro. O Roberto Rodrigues é particularmente vinculado à questão dos transgênicos. Pelo menos quatro de seus homens-chave no segundo escalão são proprietários ou ex-proprietários de empresas sementeiras. Quando o Lula se volta para seu homem de confiança na agricultura e pergunta o que ele acha dos transgênicos a resposta está dada. E os que são requisitados para esclarecer aspectos técnicos da questão só fizeram reforçar essa posição. Como, por exemplo, o pesquisador da Embrapa requisitado para uma reunião noturna de surpresa no Palácio com uma dezena de ministros, na semana anterior à assinatura da medida provisória 113, defensor aguerrido dos transgênicos. O Lula ouviu e concluiu: ?pelo que você está dizendo, isso é muito bom?. Ou seja, ouviu bem só um lado, e reforçou uma tendência que ele já tinha.

Ele não ouviu o lado de vocês?

Não, não ouviu. Antes mesmo da posse tentamos uma entrevista com ele e o Dirceu. Desde dezembro do ano passado queríamos alertá-los para o problema que iria explodir em março, da safra do Rio Grande do Sul. Não nos deram a menor pelota. Resultado: se o Presidente não foi manipulado, é porque aceitou argumentos que queria aceitar.

Não foi portanto uma ?decisão científica??

De jeito nenhum. É bem verdade que na questão da safra de março havia a chamada ?herança maldita?, uma responsabilidade do governo anterior. Um número considerável de agricultores, embora não tão grande quanto o que foi por eles divulgado, queria ver o problema resolvido, porque plantaram transgênico e estavam portanto na ilegalidade: se você fosse aplicar a lei a seco ferrava todo mundo, criava um problema social. Nossa proposta era a seguinte: tudo bem, colhemos a safra, exportamos a parte contaminada – o risco ambiental já era um fato consumado, mas o de saúde não – e jogamos duro na próxima safra. Já em março, pouco antes da edição da MP, levantei essa proposta num encontro do presidente com o Conselho de Segurança Alimentar, do qual faço parte. Ele foi meio irônico: ?Ah, então vocês querem exportar a safra inteira?? Argumentei que ele estava mal informado, que não havia essa possibilidade. Ele foi ríspido: ?eu sei onde me informar?. Virou as costas e foi embora. Mas deu uma recuada já na porta, e avisou que ia mandar o Zé me chamar pra conversar. Como o Zé não chamou, ficou tudo por isso mesmo.

Quer dizer então que o Presidente não tinha idéia da quantidade de transgênicos na safra?

Foi o que pareceu, muito embora o próprio Roberto Rodrigues pouco depois revelasse numa entrevista à imprensa que a contaminação era de 8 por cento no país inteiro – uma média de quatro milhões de toneladas, aproximadamente a metade da safra do Rio Grande do Sul. Estava portanto concentrada lá, até por uma razão técnica: é para o Rio Grande do Sul que vão as sementes contrabandeadas.

E como se processa esse contrabando?

De caminhão, pela fronteira. É um festival de irregularidades. A começar pela postura que a própria Monsanto adotou na Argentina, bem diferente da que eles fazem vigorar nos Estados Unidos. Quando um americano compra sementes, ele assina um termo de responsabilidade assegurando que não vai aproveitar nada para o replantio. É obrigado a comprar sistematicamente a cada ano. Na Argentina essa regra não foi aplicada. Muita gente reproduziu semente própria e o contrabando, que passou a ter um peso maior em 99, foi ser avolumando cada vez mais. No ano passado, empresas sementeiras no Rio Grande do Sul, a São Carlos em particular, vendiam livremente as chamadas ?sementes Maradona?.

Essas sementes contrabandeadas chegam a outros pontos do Brasil?

Dificilmente. A soja, pouca gente sabe, é uma planta extremamente sensível ao foto-período – o tempo de luminosidade do dia. As variedades são desenvolvidas de acordo com as latitudes – uma semente que se adapta bem no Rio Grande do Sul não serve para o Pará, Mato Grosso ou Bahia. As sementes da Argentina se adaptam bem no sul porque estão na mesma latitude. Por isso essa história de contaminação nacional é inteiramente fajuta, qualquer técnico e agricultor que entenda de soja sabe disso, não tem sentido essa idéia de que a soja brasileira esteja contaminada do Oiapoque ao Chuí.

Onde mais se cultiva soja transgênica no Brasil?

O cultivo nos outros lugares é muito pequeno. Tem alguma coisa em Santa Catarina, que não tem muita soja, mas as cooperativas tomaram muito cuidado pra segregar, porque elas são fornecedoras, sobretudo, de empresas de criação de frangos e suínos exportadoras para países europeus e temem restrições. O Paraná, que seria um outro estado passível de cultivo ilegal, instituiu um controle rigorosíssimo desde os tempos do Jaime Lerner. No ano passado queimaram mais de seiscentos campos com soja transgênica. A federação da agricultura e as cooperativas paranaenses perceberam que para eles o risco era alto. O Requião manteve o mesmo controle, e agora vai submeter uma lei radicalíssima regulando o cultivo no estado.

Mas voltando à cronologia dos fatos: o que aconteceu entre a liberação da safra da ?herança maldita? e a canetada do ?pobre coitado do vice??

Quando a MP 113 se transformou em projeto de lei, a ministra Marina foi o grande pé no freio dessa história. Ela propôs um monte de restrições: certificado, controle numérico, etc. Mas o ministério da agricultura não fez nada, sequer regulamentou o processo de rotulagem e os fabricantes de ração e de outros produtos simplesmente não sabiam qual era o símbolo que eles teriam que botar indicando presença de transgênico. Não conseguiram também verificar qual era o nível de contaminação real que existia na safra. Deixaram a situação apodrecer, enquanto a pressão dos agricultores no Rio Grande do Sul para liberar esta safra só fazia subir. Repetimos os erros de março, só que desta vez sem ?herança maldita?, a culpa vai ser mesmo deste governo.

A quem interessa realmente a liberação da soja transgênica no Brasil?

Fundamentalmente à Monsanto, que agora tem um mercado enorme de sementes de soja que ela pode ocupar no Brasil. Ganha o sojicultor americano, que perdeu o mercado europeu, que sinalizava para a soja não transgênica brasileira. Se todo mundo vira transgênico, eles entram no mercado de novo, passam a competir de igual para igual.

Mas reduzir a questão dos transgênicos à Monsanto não é um raciocínio muito simplista? Não é de vital importância que a Embrapa aprofunde as pesquisas sobre transgênica?

Há tempos os transgênicos são pesquisados aqui. Aproximadamente R$ 40 milhões por ano são investidos nesse tipo de pesquisa. Mas existem vários problemas que precisam ser levados em conta. O primeiro deles é que, embora a Embrapa esteja voltada para interesses brasileiros – apostando em cultivos e problemas especificamente nacionais como feijão, mamão, etc. – a propriedade intelectual dessa tecnologia está na mão de cinco empresas estrangeiras – duas americanas e três européias. E a Monsanto é a mais poderosa delas. Por outro lado as multinacionais investem mais em transgênicos de amplo mercado internacional como soja, milho e trigo.

Quando se argumenta que milhões de pessoas consomem produtos transgênicos nos Estados Unidos, isso é verdade ou mentira?

O que os americanos estão consumindo diretamente e tem alguma coisa a ver com transgênico é muito pouco do ponto de vista de volume. Uma percentagem pequena. O primeiro produto transgênico que eles lançaram nos Estados Unidos, em 94 foi um tomate, o Flower Savior. Foi um fiasco de consumo, e retirado do mercado. Depois foi a batata. Mas a pressão dos consumidores foi grande, e muitas empresas americanas recuaram no seu comércio, a Mc Donald?s inclusive. Hoje, a base transgênica do mercado é a soja e o milho, principalmente dirigidos ao consumo animal e não ao consumo direto. Se você for olhar a porcentagem de proteína de soja que é usada no consumo humano, em geral misturada com carnes processadas, isso deve representar algo em torno de um a dois por cento. Ela realmente está dirigida ao consumo animal. A Monsanto quis lançar em 2001 sementes de trigo transgênico, mas houve uma resistência muito grande. Consumidores, indústrias de moagem, panificação, todos disseram ?trigo,não?. O lançamento foi adiado para 2005, quando eles esperam ter passado a onda de rejeição.

Mas a verdade é que não existe nenhuma comprovação científica de que os transgênicos causem danos à saúde pública.

Nem que não causem. A verdade é que quando você tem uma tecnologia de alimentos inteiramente nova que vai afetar a rotina de milhões de pessoas, há uma margem de risco de toxidade que precisa ser analisada.

Mas o kiwi, por exemplo, é uma fruta nova e estranha, com duzentos mil genes, e ninguém contestou o risco de toxidade que ela contém.

Mas é um produto natural, nunca passou por uma mudança dessa natureza. Quando você faz a transgênica você manipula uma série de genes que carregam em si mesmo riscos, como por exemplo marcadores de resistência a antibióticos. Os cientistas levantam a hipótese da resistência a antibióticos ser transferida aos humanos através da alimentação. Isto não está descartado. Desvendou-se o genoma, mas não as interelações entre os diferentes genes e as seqüências do DNA. Então, quando você introduz um gene estranho num organismo qualquer, você não sabe como este pode se arranjar internamente.

E por que as pesquisas sobre os riscos dos transgênicos avançam tão lentamente?

Porque pesquisas sobre risco colocam em risco a possibilidade do uso econômico em curto prazo. Os transgênicos consomem bilhões de dólares em pesquisa. Lançar uma variedade de transgênicos no mercado tem um custo médio de 300 milhões de dólares. Processos de investigação de risco sobre a saúde deveriam consumir pelo menos cinco anos antes da liberação do produto e encarecê-lo em mais dez por cento. As pesquisas atribuídas ao governo americano não passam de um mito – são pesquisas conduzidas pela Monsanto, desprovidas de informações que eles simplesmente não fornecem, sob a proteção do rótulo de segredo industrial. Criaram uma figura científica que na verdade é anticientífica – a chamada equivalência substancial, onde explicam o seguinte: se uma planta tem a mesma composição química de proteínas e três ou quatro outros indicadores que outra, ela é substancialmente equivalente à outra, e portanto oferece os mesmos riscos. Só que isso é uma ficção sobre o que é um produto transgênico, porque embora a diferença seja muito pequena ela pode ser extremamente radical do ponto de vista de seus efeitos. O grande salto da transgênica é justamente permitir uma coisa que na natureza não ocorre – cruzar espécies diferentes. Um potencial extremamente interessante, tem que ter muito mais pesquisa.

O que torna a rotulagem dos produtos transgênicos um assunto tão polêmico?

Quando você não tem rotulagem de produto, você não pode dizer se um determinado problema está vinculado aos transgênicos. Não pode correlacionar a doença com o produto transgênico. Nos Estados Unidos há uma enorme pressão para o estabelecimento de regras de rotulagem, as pesquisas indicam que 70 por cento de americanos a defendem, mas as empresas vem conseguindo barrar sua aprovação pelo congresso americano.

E na Europa?

A rotulagem na Europa é bastante rigorosa, e isso praticamente eliminou a parcela de consumo direto de soja transgênica. Você não tem nem óleo de soja transgênica. Mas tem consumo em ração, sobretudo da Argentina. A parcela de farelo de soja transgênica usado no consumo animal europeu é da ordem de 33 por cento. O que não é negligenciável, mas está caindo: a partir de janeiro, entra em vigor uma regulamentação rígida da União Européia sobre rotulagem para ração animal. Muitas indústrias de transformação e beneficiamento já estão anunciando que não vão mais usar essas rações. Isso vai interferir no mercado de soja dirigido a farelo, que poderia favorecer muito o Brasil.

Você partilha da idéia de que, entrando de sola nos transgênicos, o Brasil estaria cometendo um suicídio comercial?

A gente corre o risco de ter que competir com os americanos de igual para igual. Nos sobram duas possibilidades: se os europeus mantiverem a resistência, vender para a Europa significa fazer segregação também, isolamento, como os americanos fazem atualmente, e isso encarece muito o produto. Se os europeus cedem aos transgênicos, a soja americana, em condições normais, chega mais barata na Europa. Nesse sentido, o tiro não é no pé, é na cabeça mesmo.

E quanto a outros mercados no mundo

O mercado japonês é um mercado oscilante, já teve regras mais rígidas, menos rígidas, mas há indicadores muito fortes de um freio no consumo de transgênicos. O mercado que sobra é o chinês. Tem regras rígidas de controle, não produzem soja transgênica, mas importam dezesseis milhões de toneladas anuais, das quais boa parte é transgênica, embora essa seja uma tendência em declínio. Nesse momento, o governador Roberto Requião está negociando um acordo para fornecer oito milhões de toneladas de soja não transgênica do Paraná pra China pelos próximos dez anos, quando os chineses acreditam que serão auto-suficientes na produção. Se ele conseguir, vai matar a exportação do Rio Grande do Sul.

E como você vê a legislação sobre a questão de biossegurança que está em vias de ser aprovada?

Existe um conflito entre o decreto que criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, criada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, e a legislação constitucional brasileira. Ele dá à Comissão Técnica Nacional de iossegurança a prerrogativa de decidir sobre o cultivo da soja transgênica no Brasil. Mas a Justiça determina que a CTNBio não pode liberar o produto sem a avaliação de impacto ambiental e de saúde, e isso faz com que toda a questão resida neste rolo de regulamentação – em definir quem é que diz que pode liberar e em que condições. O governo Lula pende para reforçar a posição do decreto de Fernando Henrique, ou seja, a comissão técnica de biossegurança vai dizer definitivamente se pode ou se não pode. Isso a meu ver prolonga o choque legal contra a Constituição, que determina a necessidade de realização do Estudo de Impacto Ambiental. Outro problema é o de voto dentro da própria Comissão, que me parece um desvairo. Oito cientistas, todos pró-transgênicos, um industrial, um representante dos empregados da indústria de biotecnologia, representantes do ministério da agricultura, da saúde, do meio ambiente… Como é possível um consenso, quando é preciso votar sobreposições que cada um extrai da experiência em sua própria área de atuação?

O que você proporia?

No Brasil não tem pesquisas sobre impacto ambiental, ninguém fez, e a Embrapa está começando a trabalhar nesse tipo de pesquisa. Seus técnicos acabam de receber um financiamento da FINEP, para começar a estabelecer quais são os protocolos de pesquisa que permitem esse tipo de avaliação. Por que isso é importante, particularmente no caso brasileiro? Vou te dar um exemplo. No caso da soja, a Embrapa desenvolveu variedades que têm a capacidade de absorver nitrogênio do ar, através das chamadas bactérias fixadoras de nitrogênio. Isso, do ponto de vista econômico, é um estouro. Você economiza anualmente algo como dois bilhões de dólares em fertilizantes nitrogenados, como uréia e amônia. É um grande avanço da pesquisa brasileira, uma das coisas mais importantes do ponto de vista de impacto econômico. Sobretudo porque ficou comprovado nos Estados Unidos que um dos efeitos não previstos da soja transgênica é o da inibição da ação das bactérias fixadoras de nitrogênio – o que levanta a hipótese de que esta seja a razão porque ela é em média de 5 a 12 por cento menos produtiva que as sojas convencionais. Só que, ao contrário do Brasil, os americanos nunca pesquisaram o desenvolvimento da soja para ampliar a capacidade de fixação biológica de nitrogênio, preferiram a relação com a agro-química. Veja só o risco: se nos Estados Unidos, sem que você tenha desenvolvido muito essa questão da bactéria fixadora de nitrogênio, já há um efeito de perda de 5 a 12 por cento de produtividade, aqui, com esta liberação irresponsável, o risco pode ser muito maior. Em suma: é preciso parar para avançar na pesquisa. Tenho a impressão de que se conseguíssemos ter dois anos de trava, a gente ia finalmente poder dizer no mercado quem está com a razão.”

“Quem liga para os transgênicos?”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/10/03

“É interessante como certos assuntos chamam a atenção de todo mundo e ninguém de fato sabe nada sobre eles. No Brasil há de existir gente que entende de soja transgênica, nos diversos aspectos do problema, desde os que envolvem a criação de seres transgênicos até as conseqüências que seu surgimento e disseminação podem trazer. Mas é um grupo minúsculo e sem uniformidade de convicção, pois, segundo depreendo do que leio por aí, há os que entendem e são a favor e os que também entendem e são contra. E, claro, os militantes de um lado acham que o grupo oposto está errado e vice-versa.

Ou seja, de verdade, verdade mesmo, ninguém deve entender muito bem, nem que seja por falta de dados confiáveis, notadamente sobre os efeitos causados no meio ambiente e nos organismos que consomem os transgênicos.

Isso não é ajudado pelos constantes vaivéns da misteriosa comunidade que a mídia aglomera sob o nome de ?cientistas?, pois um dia ela diz uma coisa, outro dia diz coisa diferente ou oposta. Em relação à saúde, temas aparentemente pacíficos sofrem contestações inesperadas. Faz uns meses, por exemplo, li o artigo de um médico que se opunha vigorosamente à realização de exercícios físicos, por constituírem séria ameaça à saúde. Tenho testemunhas, não é possível que somente eu leia esse tipo de coisa. E não é preciso ir tão longe, pois creio que todo mundo sabe da recente descriminalização do ovo, embora relativa, e da menos recente criminalização da antes louvada margarina, agora considerada maior vilã do que a ainda condenabilíssima manteiga.

Hoje em dia, um médico diz a seus pacientes (ou fregueses, como talvez seja mais apropriado considerar os antanho chamados pacientes, pois, do jeito que a Medicina vai, paciente não tem mais médico, é freguês de um ou vários médicos – não ofendendo a todos, como sempre) que, por exemplo, fazer reposição hormonal é muito bom para preservar a vitalidade, enquanto outro a considera uma porta aberta para tumores da próstata nos homens e das mamas nas mulheres. Acabo de ler no jornal que descobriram que os filtros solares recomendados por dermatologistas não adiantam, ou adiantam muito pouco. Nada de preocupante, pois amanhã, a depender das circunstâncias, os filtros voltarão ao topo dos preventivos, como têm estado ultimamente.

Os ?cientistas? não formam uma comunidade à parte do resto da Humanidade, como a mídia – palavrinha que detesto, mas à qual já me rendi – parece pintar. São gente como nós e a ciência não é um corpo de conhecimento coeso e inequívoco. É, ao contrário, palco de batalhas às vezes furibundas, a respeito de quem tem razão quanto a um número infindável de fenômenos, dos naturais aos sociais. Os cientistas, como qualquer ser humano em todas as áreas, não estão acima de certos interesses, que vão da glória ao dinheiro.

Provavelmente – pois, se isso não se desse, eles não seriam humanos -, há entre os cientistas um percentual de picaretas e aproveitadores comparável ao de outras categorias. Daí estarem freqüentemente comprometidos com um desses interesses, ou com ambos, a ponto de, em muitos casos documentados, falsificarem ou distorcerem dados, somente para adequar suas hipóteses à realidade ou ao que lhes pagam para comprovar. E há gente empenhada, por todos os tipos de propaganda, no sentido mais lato do termo, em nos provar a pertinência de ?estatísticas? equivalentes a ?cem por cento das pessoas que têm ou tiveram câncer bebem ou bebiam água todos os dias?, que, em guisas variadas, engolimos todos os dias.

Para mim, que, como a maior parte de vocês, não sou cientista (já passei por cientista político, mas me safei a tempo), o debate sobre a soja transgênica que temos presenciado não me ensinou absolutamente nada. Sua contribuição, a meu ver, foi mostrar de novo o curioso fato de que, no Brasil, experimentamos a situação esquisita de às vezes termos dois presidentes da República, um viajando ou doente, outro exercendo o cargo. Fica montada uma farsa que tem lá sua piada, em que o Presidente em exercício é uma espécie de mentirinha, entre viagens a Mombaça e episódios como o da assinatura da medida provisória sobre a soja. O presidente em exercício não queria assinar a medida, mas devia, porque encarnava somente uma brincadeirinha. Como não era nem é presidente, acabou aprovando um ato que desaprovava.

De resto, como já se disse algumas vezes, o debate sobre a soja transgênica, virou ideológico. Salvo melhor juízo, a soja transgênica é de direita, a natural é de esquerda. Ninguém faz idéia do que realmente se trata, mas vai na trilha dos políticos com quem costuma concordar. E, por aí marchamos, assistindo bestamente a decisões que podem afetar de maneira radical nosso futuro, sem saber nada sobre elas, a não ser que Fulano é contra e Beltrano a favor. Poucos se preocupam com nossa futura dependência das empresas produtoras de sementes, no que, aliás, há até certa razão, porque todo dia ficamos mais nas mãos da Microsoft e ninguém dá bola. E, como as plantas transgênicas são imunes a muitas pragas, também não se sabe se sua introdução acarretará distúrbios ecológicos graves, pois o inseto que come a planta é também comido por certos pássaros, que são comidos por outros predadores e por aí vai, nas conhecidas cadeias da Natureza.

Mas não faz diferença apoiarmos os transgênicos ou não. Cada vez faz menos diferença o que pensamos, até porque o que pensamos é por seu turno cada vez mais dirigido. Estão chegando os chips que serão implantados em gente. No começo, para rastrear os seqüestráveis e também presos em liberdade condicional (interessante, essa semelhança), além de vários outros usos, inclusive médicos. Aí, mais dia menos dia, surge o Programa Nacional de Identificação Eletrônica, que botará um chip em cada um e controlará a vida de todo mundo. Para que, então, nos preocuparmos? Seremos o que ?eles? quiserem. Política e ciência só interessam a políticos e cientistas, não é verdade?”

 

LIBERDADE DE IMPRENSA

“Assembléia Geral da SIP analisará liberdade de imprensa”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 3/10/03

“A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) analisará a situação da liberdade de imprensa nos últimos seis meses no hemisfério ocidental, em sua 59? assembléia geral, que será realizada entre os dias 10 e 14 de outubro em Chicago (EUA).

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria, a assessora de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Condoleezza Rice e o romancista Oscar Hijuelos, ganhador do Prêmio Pulitzer, estão entre os palestrantes do evento, informou a SIP em um comunicado.

Serão apresentados também relatórios especiais sobre as atividades do semestre relacionadas às comissões Contra a Impunidade e Jornalistas em Risco, Chapultepec e Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação.

Os seminários programados abordarão, entre outros temas, a mudança da composição demográfica na sociedade americana e seu impacto nos meios de comunicação.

O programa inclui uma vídeoconferência sobre direitos humanos com a participação de um especialista americano, jornalistas e correspondentes do Brasil, Colômbia, Cuba e México.

Na assembléia será entregue o Grande Prêmio SIP Liberdade de Imprensa, concedido este ano aos jornalistas da Venezuela, e nesta mesma categoria a SIP premiará com uma menção especial os jornalistas independentes presos em Cuba.

O ex-colunista do ?The New York Times? Anthony Lewis receberá o Grande Prêmio Chapultepec 2003, em reconhecimento a seu trabalho e comprometimento em promover e divulgar os princípios da Declaração de Chapultepec, para proteger e preservar a liberdade de expressão e de imprensa no hemisfério ocidental.

Espera-se a participação de mais de 450 editores e jornalistas. (c) Agencia EFE”