DIPLOMA EM XEQUE
Angelo de Souza (*)
O senhor Boris Casoy tomou partido a favor da decisão da juíza federal de São Paulo que, numa interpretação distorcida da lei, visa obrigar o Ministério do Trabalho a dispensar a apresentação do diploma competente aos que pretendem obter registro profissional como jornalista. Decepcionante, embora previsível, essa posição de quem já foi porta-voz informal da ANJ. E um direito dele de exercer a liberdade de expressão que, para a juíza, é vitimada por uma regulação profissional tão legítima quanto a da profissão de advogado, por exemplo.
Palavras duras como as que o sr. Casoy costuma utilizar em seus editoriais na televisão serviram para atingir sindicatos, faculdades de Jornalismo e profissionais que ele julga, implacável, do alto de sua experiência e respeitabilidade. São argumentos velhos como os de sua geração, que deu ao país alguns de seus melhores jornalistas.
Bons tempos eram aqueles em que se podia ler, com o mesmo prazer, os textos de um Claudio Abramo, que pouco foi à escola, ou de um Oliveiros Ferreira, doutor de mais de uma cátedra – para ficar apenas entre dois extremos em matéria de formação. Hoje, diz o Boris, tudo o que temos são universidades vomitando semi-analfabetos no mercado e impondo ao público sua ignorância e inépcia.
Sim, eram bons os tempos em que o jornalista se forjava na redação (isso não vale para o caso, insistentemente citado pelos inimigos do diploma, das reportagens do engenheiro militar Euclides da Cunha sobre a campanha de Canudos; as guerras e o jornalismo mudaram muito no último século). Acontece que aquele velho tempo não passou de todo – não desde quando o médico ainda se faz no hospital, o policial nas ruas, o cozinheiro na cozinha. E, mesmo formado, é nas empresas jornalísticas que o jovem foca vai adquirir os macetes e cacoetes necessários à sobrevivência na profissão, passando a desempenhar-se de acordo com as expectativas de quem lhe paga o salário e, também, daqueles a que se subordina.
O senhor Boris Casoy conhece bem a "liberdade de empresa", e bem preza sua autonomia editorial, posto que entre as duas conduz em equilíbrio sua honrada carreira. Ele deve saber que a verdadeira reserva de mercado que ele tão aguerridamente condena (certamente só comparável à dos bancos e dos taxistas) é feita em nome de recém-formados e estagiários inexperientes, sedentos de prática e oportunidades de trabalho, a preço do salário mais baixo possível. Veteranos jornalistas são mais caros.
Atraso e deselegância
Deve saber também que, por outro lado, ao mercado não interessam espíritos reflexivos, críticos, contaminados por teorizações incompatíveis com a mentalidade do lucro que preside a todo negócio, mesmo o da informação. Não que quatro anos de um curso profissionalizante como o de Jornalismo vão ser suficientes para gerar tais cabeças pensantes. Mas será que o público merece esperar por anos de tentativas e erros até que um novo Boris Casoy quebre a casca do ovo?
Pessoalmente, concordo com a maioria das críticas que se fazem à formação deficiente dos novos jornalistas, embora ressalve que a dedicação de muitos bons profissionais à academia tem suprido muitas lacunas no currículo dos formandos em Jornalismo em todo o Brasil. Também estou de acordo com os que defendem uma nova regulamentação da profissão, que ensejaria a criação de cursos de especialização, em nível de pós-graduação, destinados a portadores de diplomas de outras áreas, mais vividos e experimentados na vida real, que desejem fazer carreira no jornalismo e abraçá-lo como profissão.
Mas não posso concordar com o advogado da Folha de S.Paulo – alguém que acredita que só profissões de alto risco devem ter exigida a formação universitária, claro, profissões como a dele -, nem com o procurador que moveu a ação pública contra o diploma – acolhida pelo infeliz despacho da juíza paulista -, nem com os termos do sr. Boris Casoy em seu ataque aos cursos precários, aos sindicatos corporativos, aos jornalistas incompetentes.
Sua contribuição ao debate, ainda que indispensável, revela visão parcial e preconceituosa, para não dizer retrógrada e até deselegante. O senhor Mino Carta, ao se pronunciar a respeito, foi mais equilibrado em sua expressão, sustentando ponto de vista semelhante. Expressar-se de modo tão rude, sem acrescentar idéias novas nem soluções a uma discussão importante como essa, isso sim, seu Boris, é uma vergonha.
(*) Jornalista em Belém
Leia também