Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Iuperj, par ou ímpar?

COMPORTAMENTO-PADRÃO

Gilson Caroni Filho (*)

Difícil analisar uma pesquisa quando desconhecemos sua metodologia e dela tomamos conhecimento apenas pelo noticiário jornalístico. Mas, mesmo assim, alguns reparos devem ser feitos em relação ao projeto “Eleições gerais 2002”, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), sobre o comportamento da imprensa na cobertura do processo eleitoral.

Segundo o jornal O Globo (28/8), o conceituado instituto teria registrado um comportamento-padrão na cobertura de três jornais (Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo): o horse racing, ou corrida de cavalo, segundo o qual quem lidera as pesquisas tende a ocupar maior espaço na mídia. Denúncias ou fatos novos também teriam implicações no aumento de textos sobre os candidatos. Assim, seriam totalmente exógenos os fatores que levam à distribuição do noticiário nos jornais. Como afirma o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do projeto: “Não houve uma decisão coletiva dos diretores de redação. A regra básica que está sendo seguida é o padrão clássico de enquadramento dos jornais”. Ou seja, a pesquisa ignora a mídia como campo com determinações próprias.

Além do espaço, os pesquisadores estariam se debruçando sobre o conteúdo das matérias, qualificando-o como positivo para o candidato, neutro ou negativo. E é aqui que a porca torce o rabo. Editores costumam ser mais astutos do que pode imaginar quem tenta inferir comportamento político de empresa jornalística pela medição pura e simples de centímetros/coluna.

Não se pretende aqui repisar os argumentos empregados por Alberto Dines [remissão abaixo] sobre a mesma pesquisa, em intervalo anterior ao focado na matéria de O Globo (3 a 16 de abril). Não falaremos sobre o emprego de intercaladas, apostos ou os “estragos” que uma primeira página pode infligir a postulantes a cargos eletivos. Mas talvez fosse o caso de relembrarmos o procedimento básico para dar início a algumas brincadeira infantis: “par ou ímpar”. Todos sabemos que ímpares são as páginas nobres dos grandes jornais. Se um candidato ocupa 3/4 de uma página ímpar, o outro, mesmo que tenha o mesmo espaço em página par, estará em desvantagem visual. Não se trata de mero exercício de régua e esquadro, mas de apreensão da dinâmica do campo jornalístico. Isso, e qualquer estudante de Jornalismo o sabe, é política editorial.

Ainda na mesma página, aquele que ocupar o espaço superior levará vantagem sobre o que tiver o noticiário sobre sua campanha na parte inferior, mesmo que seja equânime a distribuição de espaço. A dissociação dessa evidência do teor das matérias leva a uma avaliação equivocada do objeto de análise. A publicação em espaços mais ou menos nobres já indica a disposição do veículo em relação a certas candidaturas. Para fins de análise política, devemos parafrasear McLuhan e afirmar que “o espaço também é mensagem”. E positivo ou negativo é o seu teor.

Poderíamos ainda dissertar sobre o impacto significativo de uma foto favorável ou desfavorável ao candidato. Um flash pode apresentar uma expressão facial conotando desespero, soberba ou um instantâneo que pode servir de metáfora para o momento político. Duas fotos recentes não deveriam ter escapado aos olhares atentos dos estudiosos iuperjianos. A primeira, mais antiga, figurava na primeira página de O Globo. Sob uma manchete que dava conta de mais uma pesquisa que registrava sua estagnação na corrida eleitoral, o candidato tucano levava as mãos ao rosto. Desnecessário dizer que aquela imagem significava desalento ou, para muitos, desespero.

Da fiscalização à legitimação

A recente queda de bicicleta da candidata à vice-presidência Rita Camata foi primeira página de quase todos os jornais do eixo Rio-São Paulo. Cremos que vai para muito além de um acidente ciclístico a relevância dada ao episódio. Fotografia em jornal não é mero registro, mas intenso ato de significação política.

O mais preocupante, no entanto, é a crença positivista em uma matéria isenta. O mais elementar conhecimento de lingüística nos dá conta de que o signo é arbitrário e motivado. Não há como olvidar disso. A neutralidade ? prima dileta da isenção ? é característica encontrada apenas em certos tipos de xampu. Nunca em páginas de jornais. O simples emprego de um verbo (atacar, por exemplo) já dá à chamada a conotação pretendida. No presente cenário, um título forte informando que “Ciro ataca Serra” estará produzindo apenas informação? Ou reforçando uma percepção consoante com perfil comportamental já por demais explorado pela imprensa? Em suma, a sonhada isenção iuperjiana só acontecerá no dia em que edições bizarras forem às bancas. Nelas leremos: “Lula choveu”, “Serra ventou” ou “Ciro explodiu” (esta última, por sinal, isenta e redundante).

Adentrar o campo jornalístico requer cuidados. Alguns jornais andam usando as pesquisas do Iuperj para justificar sua postura editorial. Ou como forma de absolvição de eventuais acusações que venham a sofrer. Os dois trechos abaixo, extraídos do mesmo veículo, são extremamente significativos:


“As acusações do candidato Anthony Garotinho à cobertura das eleições nos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo não têm fundamento. A opinião é do coordenador do projeto Eleições Gerais 2002, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o cientista político Marcus Figueiredo. (O Globo, 28/8).

“(…) Garotinho disse ainda que a mídia trama para que o tucano José Serra ganhe de Lula no segundo turno.

? Vocês queriam de qualquer jeito colocar no segundo turno Lula com Serra porque vocês sabem que Lula não ganha de Serra. Lula é o candidato da oposição para perder. Os meios de comunicação estão comprometidos com o candidato do governo, vocês querem ganhar a eleição levando Lula e Serra para o segundo turno ? acusou, embora levantamentos de entidades como o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj) mostrem que a cobertura eleitoral feita pelos meios de comunicação está equilibrada.” (O Globo, 29/9)”


Significariam mais precisamente o quê? Que de fiscalizador um instituto de pesquisa, por ignorar as singularidades do campo jornalístico, pode virar fonte de legitimação para o jogo político da grande imprensa. Tudo com muita “isenção”, diga-se de passagem.

(*) Professor-titular da Facha, Rio de Janeiro

Leia também