ASPAS
"TV Senado escancara o jeito brasileiro de ser", copyright Jornal da Tarde, 29/04/01
"A TV Senado continua a ser um programaço para os que buscam a alma brasileira na televisão. Sem dúvida com atrações bem mais autênticas do que as novelas regionais Porto dos Milagres e que expõem com menos exotismo o jeito brasileiro de ser. A chantagem emocional, por exemplo. Outro dia foi dona Regina do Prodasen que levou o filho adolescente ao Senado para assistir à sua expiação pública. Lágrimas nos olhos dos dois. No início da semana foi a vez de o senador Arruda, queixo trêmulo, voz embargada, dizer que os seus filhos sentiram vergonha dele, do que ele havia aprontado na votação de cassação do indecoroso colega Luís Estevão. Não pensaram nos filhos antes de fazer a fraude – e isso é bem típico. Estes só passam a ter existência crítica real, só passam a ser um olho acusador, magoadamente acusador, depois que a tramóia fica visível. Então, em vez de deixá-los lá, protegidos dos respingos malcheirosos do ventilador, invocam-nos, passam a usá-los como atestados da sua sinceridade tardia.
O telespectador que viu toda a performance de Arruda na TV Senado, e não nas emissoras abertas, pode ter sentido ao longo do discurso a simpatia demonstrada por alguns senadores que estavam ansiosos para a crise passar logo. Oh, como ele está sendo sincero, oh, como confessa o erro, oh, que drama deve ter passado com os filhos, oh, pediu desculpas, oh, poderíamos até perdoá-lo.
Porém, a cena comovente é indissociável da que ele protagonizou uma semana antes. Com a mesma veemência, com a mesma ?sinceridade?, na mesma tribuna havia negado sua participação na trama. Não invocou os filhos nessa altura, porque não havia chegado o momento de apelar para a piedade. Ainda era a arrogância que punha palavras na sua boca.
Ao telespectador atento não escapou que Arruda foi matreiro no momento da piedade. Disse que não deu uma ordem a dona Regina, ou que a tivesse coagido. Ora, por que então ela teria feito o que fez? Arruda, não sem perfídia, falou que já serviu ao governo em ?situações muito mais graves?.
Deixou a insinuação no ar. Como uma ameaça? Nem disse para que serviria a tal lista de votação, a quem ela interessava. Detalhe que está sendo deixado de lado. Essas coisas, entranhadas no discurso, deixaram no telespectador uma sensação estranha e o impediram de embarcar cegamente na fala. Já o presidente FHC achou o discurso ?corajoso e digno?.
A teatralidade da atuação de Arruda ficou escancarada não na TV Senado, mas no jornal matinal da Rede Globo, em que Arruda apareceu em primeiro plano, vangloriando-se após o discurso em que pedia perdão pelo erro: ?Matei a pau.? Então, nesse ponto, a tevê comercial ajudou a ?ler? a TV Senado. Deu uma espécie de chave para interpretar direito a manobra do discurso piedoso.
Voltemos àquele momento choroso que a TV Senado mostrou. Antes de o telespectador perceber pela Globo que o gesto foi ensaiado, quem assistia à cena sentiu que faltou o epílogo, faltou a renúncia, o clímax do personagem, a catarse que lhe daria alguma grandeza na queda. Agora é tarde.
"Ataque das minorias ofendidas", copyright O Globo, 29/04/01
"Existe um sentimento na classe política brasileira de que todo minuto diante de uma câmera de TV deve ser usado em seu proveito. O espectador sempre assiste ao ridículo de algum senador, algum deputado, algum ministro vendendo seu peixe em lugares inadequados. A semana parecia dominada pelo governador Garotinho. Tentando convencer o país de que seu governo era o responsável pela prisão de Fernandinho Beira-Mar, deu-se ao desfrute de participar do ?Cidade alerta?, da Rede Record. Algumas horas depois, estava no ?É show?, de Adriane Galisteu, onde acabou apresentando desfile de modas para noivas. De Ronaldo Esper, é claro. Quem mais aparece em programa paulista mostrando vestidos de noiva? Era difícil acreditar que algum concorrente pudesse superar a cara-de-pau do governador fluminense.
Na quinta-feira, durante o quase interminável depoimento do senador Antonio Carlos Magalhães, chegou a vez de o senador Eduardo Suplicy interrogar o colega. Suplicy começou sua pergunta chamando a atenção para o fato de que o país estava parado para ouvir a versão de ACM. Continuou dizendo que a transmissão pela TV a cabo da sessão deveria estar quebrando recordes de audiência. Prosseguiu afirmando que, talvez, aquele depoimento estivesse despertando mais curiosidade que o capítulo da telenovela ?Um anjo caiu do céu?. E encerrou lembrando que seu filho Supla estava estreando na tal novela. Outros senadores riram. Do lado de cá do vídeo, os eleitores tiveram vontade de chorar. Da próxima vez, aposto que o senador Suplicy não se esquece de deixar o telefone de contato do primogênito talentoso.
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Todo mundo sabe a falta que Moacyr Deriquem vai fazer à preservação da memória da televisão carioca. Quando se conta a história da TV no Brasil, sempre se começa – e se continua por uma década inteira – com a história da TV Tupi paulista. Mas a Tupi do Rio de Janeiro foi inaugurada menos de seis meses depois da de São Paulo e por aqui também, durante dez anos, se passou parte da história da TV antes da invenção do videoteipe. Do videoteipe para cá, alguma coisa ficou preservada. Antes da inovação tecnológica, porém, a história só conta com o depoimento de seus protagonistas. Deriquem foi um deles. Galã dos primeiros teleteatros, ator das novelas vespertinas, príncipe do ?Vesperal Trol?, ele, infelizmente, nunca escreveu sobre essas experiências. Sem ele, a TV carioca perde uma parte de sua história. Mas pouca gente sabe que Deriquem vai fazer mais falta ao Rio. Ou a um pedacinho do Rio. Ele era um dos grandes personagens de Copacabana.
Quem mora ali, entre a Santa Clara e a Figueiredo Magalhães, certamente já cruzou com Deriquem pelas ruas. De bermuda, camiseta e chinelos, o ator parecia estar sempre vigiando o bom andamento do dia-a-dia do bairro. Embora não tenha escrito sobre a TV carioca, ele mantinha uma coluna mensal no jornalzinho ?Copacabana?, de circulaãào restrita, onde não perdoava os maus-tratos que seu pedaço de Rio vinha sofrendo. Reclamava dos cachorros soltos na Praça Edmundo Bittencourt, dos mendigos espalhados pelas esquinas da Anita Garibaldi, da sujeira no Buraco do Lacerda (a passagem entre a Santa Clara e a Maestro Francisco Braga), do entulho abandonado de prédios em construção. Moacyr Deriquem era um simpático mal-humorado fiscal de Copacabana. E o bairro ficou um pouco mais abandonado desde sua partida."
Circo da Not?cia ? texto anterior