ASPAS
O FIM DE CAZÉ
"Quem sabe um futebolzinho no lugar de Cazé?", copyright Jornal da Tarde, 2/06/01
"Que será que a Globo vai botar no lugar do Cazé? Por enquanto nada, o filme vai entrar mais cedo. E depois? Quem sabe um programa sobre futebol, com gente de nível, linguagem MTV? Quem sabe com o próprio Cazé, Faustão, Regina Casé, Zagalo, Júnior, bola rolando, Galvão, cartum, juiz, torcedor, Cassetas, tudo picadinho, experimental, dinâmico, Canal 100, bola na rede? Os programas de futebol nas noites de domingo são muito parados, rola muito ego. Deveriam ser uma caixinha de surpresas.
E Cazé? Parou por quê, por que parou? Não deu muito ibope. Mas deu mais do que dava na MTV. Ao contrário de Ana Maria Braga, que dá menos do que dava na Record. Estratégias…
Alguns apresentadores que são ao mesmo tempo personagens, e que fizeram sucesso numa emissora menor, para um público menor, com outro nível de liberdade e responsabilidade, com outra performance, podem não ?dar certo? numa megaemissora. Não porque perdem o público original, mas porque não conquistam outro. Muitas vezes, o público para aquele tipo de atuação é aquele mesmo, o original. Mesmo que seja um pouco mais, não estoura no ibope. O diálogo trava-se naquela freqüência, naquele nível de expectativas.
Em outros casos, a mudança pode vitimar o personagem (caso do Faustão da Bandeirantes). Um apresentador-personagem não é como um ator, que sai de si para ser outra pessoa; não abdica da sua identidade, mas acrescenta a ela outros elementos. Numa emissora de vôo pequeno, o personagem fica no controle. Para grandes vôos, é preciso uma boa tripulação. Essa hipótese não condena Cazé a pequenas audiências, antes sugere que ele amplie seu vôo, porque tem amplas possibilidades, tem uma tremenda empatia com o veículo. Tudo o que ele fez nas suas nove semanas e meia de amor na tela da Globo, fez certo. Que a emissora lhe dê tripulação, combustível e um bom plano de vôo.
Padeira
A padeira Vera Loyola estreou na televisão. Ela se define como uma socialite popular. Talvez quisesse fazer uma brioche na tevê; fez um pãozinho. Nada contra os padeiros. Olivier Anquier também é padeiro e faz um bom programa no GNT. Talvez porque não queira ser nem socialite nem popular.
Apagão
A constatação, feita pelo JT, de que o maior percentual da população paulistana que se dispõe a reduzir a utilização de aparelhos elétricos pretende diminuir o uso da televisão está inspirando algumas sugestões à Camara de Gestão da Crise de Energia. São medidas autoritárias, bem do gosto da CGCE, restritas à área da tevê, que poderão não apenas encorajar outros paulistanos a tomar a mesma atitude, mas tornar possível uma redução drástica do uso desse aparelho em todo o País.
1) Autorizar apenas programas de alto nível no horário nobre, tais como concertos, teledramas clássicos, séries sobre grandes pensadores e artistas, documentários sobre assuntos relevantes. Essa sugestão parte do pressuposto das emissoras de que o povo só gosta de besteira e baixaria.
2) Futebol: autorizar apenas a transmissão de jogos da segunda divisão, e assim mesmo em videoteipe. Jogaços só na madrugada.
3) Estender o horário político para duas horas, das 20h30 às 22h30. Um partido por dia. Os nanicos teriam direito a horário dobrado.
4) Botar o Louro José contando piadas três vez por dia, meia hora de cada vez, com direito a risadas da Ana Maria. Para não cansar muito, mesclar com risadas de Silvio Santos.
5) Embaralhar aleatoriamente canais e artistas: Jô no lugar da Eliana, Ana Braga no lugar do Linha Direta, Cassetas no lugar do padre Marcelo etc."
"A Globo não aguenta o novo", copyright O Estado de S. Paulo, 3/06/01
"O programa de Cazé na Globo durou só dois meses. Foi tão aguardado que mereceu até a capa do Telejornal, mas sumiu em três tempos. Ora, isso faz pensar na conduta da grande emissora diante dos valores novos que surgem na TV, os quais ela contrata mas sub-utiliza.
A Globo cria, sim, valores novos – mas na dramaturgia. Novelas revelam gente boa o tempo todo. Alguns vêm do teatro, como Patrícia Pillar, que surgiu no Asdrúbal Trouxe o Trombone, ou Giulia Gam, formada por Antunes Filho. Mas usualmente é na Globo que o bom ator ou atriz nasce para o vídeo.
Já nas variedades, e até nos noticiários, as coisas não são assim. Os valores surgem em outros canais. Quando falo em valores, não estou tecendo um elogio. Eles incluem a Feiticeira, a Tiazinha e seu criador Luciano Huck, ele por sinal hoje na Globo. Só estou constatando que a estrutura bem azeitada de nossa maior rede dificulta o surgimento do novo dentro dela, exceto nas novelas e minisséries. Aí, sim, a qualidade da Globo é imbatível – e são os concorrentes que buscam roubar seus atores, na fracassada tentativa de formar núcleos de teleteatro, de rodar novelas que prestem.
Mas por que isso dá certo na novela, e não quando o profissional olha no olho o espectador, conversa com ele, se dirige a ele? Na novela, assistimos a histórias que vão por conta própria. Raras vezes se adota o recurso, tão moderno (ou pós-moderno?), de fazer o ator falar com o espectador. Mas nas variedades é essa a praxe. O apresentador de TV encara o público. Precisa nos agradar, nos conquistar. Precisa nos conhecer bem. Já o ator nos conquista de forma indireta. Ele parece nos ignorar. Se falasse conosco o tempo todo, nos sentiríamos numa peça de Brecht, não no entretenimento de toda noite. Lamento: morreríamos de tédio.
Serão as outras redes mais ágeis para captar o novo, no diálogo do apresentador com seu público, do que a Globo? Pode ser. Fausto Silva, no tempo dos Perdidos na Noite – que Cristina Padiglione relembrou outro dia, ao falar do piti que ele teve domingo passado, logo antes de começar seu programa -, era um criador. Serginho Groisman era quase um gênio, capaz de dizer coisa inteligente a uma faixa etária que geralmente, como as outras, aliás, só recebe porcaria. Pois bem, eles passam para a Globo, ficam na geladeira e depois de um tempo recebem um lugarzinho humilhante, às vezes até num péssimo horário.
Por que isso? Há algumas hipóteses. A Globo compra o talento concorrente para fechá-lo, esterilizá-lo. É mais barato pagar-lhe um ótimo cachê e deixá-lo em casa, do que tê-lo como rival na audiência. Mas pode ser que a Globo não dê conta das novas demandas do público. Ela é forte o bastante para comprar os novos produtos, mas não para criá-los ou mesmo aproveitá-los. Como as pessoas que compram tecnologia nova, entopem a casa de aparelhos e o computador de softwares, mas não têm uso para eles (é o meu caso). Com isso ficamos, nós, o público, numa situação bastante ruim. Há vida inteligente, sim, na TV, mas a bactéria do dinheiro e do poder a corrói bem depressa."