LIVROS SOBRE MÍDIA
“Leituras para manter a cabeça alerta”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/12/03
“Bem, volto a falar de assuntos mais agradáveis do que vaias em colegas, no caso livros. Com a parada para comentar a falta de educação e de inteligência ocorrida durante a entrega do Prêmio Esso, não deu para fazer as indicações dos livros sobre jornalismo e/ou de jornalista para o Natal. Fica então para o Ano Novo (se bem que até o Dia de Reis pode-se dar e receber presentes…). Assim, vamos lá:
?O homem que morreu três vezes? (Fernando Molica ? Editora Record) ? Vamos combinar: você pára aqui, vai até a livraria mais próxima e compra o livro. Mas só o lê depois de terminar a coluna, ok? É que se começar a ler logo vai ficar que nem eu ? tão fissurado que não vai parar até acabar de devorar as suas mais de 300 páginas. O livro de Molica é tudo: obra de aventura, de pesquisa, de história, de jornalismo investigativo… O repórter do Fantástico dá realmente um show ao contar a vida rocambolesca do gaúcho Antônio Expedito Carvalho Perera, o mais desconhecido e improvável terrorista internacional da década 70, baseando-se só em fatos e depoimentos, numa busca pela informação correta que beira, em alguns momentos, a obsessão maníaca. Imperdível!
?Narcoditadura ? O Caso Tim Lopes, Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil? (Percival de Souza ? Labortexto Editorial) ? Como está explícito no subtítulo é um livro que aborda o jornalismo investigativo, mas é mais um protesto indignado contra a violência que está mudando ? para muito pior ? a face das grandes cidades brasileiras (e de muitas das médias e pequenas também). Ao contrário do livro de Fernando Molica, o de Percival de Souza não dá para ler de um jato só. Assumindo a dureza do assunto, o veterano coleguinha não dá mole ao leitor e, praticamente a cada página, lhe aplica uma banda, uma chave de perna e uma gravata, obrigando-o a encarar o problema da violência de frente. E a pensar.
?O Jornalismo dos Anos 90? (Luís Nassif ? Editora Futura) ? Mestre Nassif desce a borduna no jornalismo marqueteiro que, na busca por maiores tiragem e audiência, esquece ?detalhes? como direitos básicos ? à defesa e à privacidade, por exemplo ? e a busca da verdade. Tudo para se conseguir denúncias as mais sensacionais possíveis, sejam elas verdadeiras ou não.
?O Jornalismo Canalha ? A promíscua relação entre a mídia e o poder? (José Arbex Jr. ? Editora Casa Amarela) ? Dessa vez, o ex-correspondente da Folha de São Paulo e autor de ?Showrnarlismo ? A notícia como espetáculo? (indicado ano passado) não fez por menos: deu uma voadora no peito da mídia logo no título do livro. Analisando a cobertura da chamada grande imprensa sobre o MST, o frustrado golpe contra o presidente Hugo Chávez, o atentado de 11 de Setembro, a invasão do Afeganistão e o terrorismo de Estado de Israel contra os palestinos, Arbex Jr. demonstra, na prática, como a Matrix monta o pensamento único usando aquilo que lemos, vemos e ouvimos diariamente.
?Roberto Silveira ? A Pedra e O Fogo? (José Sérgio Rocha ? Casa Jorge Editora) ? O tal do jornalismo moderno impede que os profissionais façam grandes matérias baseadas no aprofundamento dos assuntos. Este fato causa frustração aos bons profissionais que ainda existem por aí (os que não são bons, em compensação, adoram essa mediocridade). Mas, com exceção da morte, para tudo há uma saída, já dizia minha vó Sinhá. Assim, José Sérgio, ao abordar a trajetória do líder trabalhista fluminense dos anos 50, morto ainda muito jovem num acidente aéreo, e mostrar como se formou a base da atual política do Estado do Rio, indica, ao mesmo tempo, como os bons jornalistas podem, usando os dois principais saberes da profissão ? as técnicas de apuração e a capacidade de contar histórias de maneira clara e concisa ?, contornar a frustração do dia-a-dia morrinha das redações.
Bom, é isso. Espero que você goste do(s) livro(s) que indiquei, caso adquira algum. No mais, é desejar um 2004 cheio de saúde e alegria para você e para todos aqueles que você ama.”
LIVRO SOBRE HITLER
“Segredos do fim do mundo”, copyright Jornal do Brasil, 04/01/04
“Buenos Aires ? Adolf Hitler viveu na Patagônia depois de fugir da Alemanha em 1945, garante o jornalista argentino Abel Basti em livro no qual, com o estilo de um guia turístico, revela os lugares ao pé da cordilheira dos Andes que teriam servido de refúgio para vários nazistas. Hitler e sua amante Eva Braun ?não se suicidaram, fugiram até a costa argentina em um submarino e viveram muitos anos nas proximidades de San Carlos de Bariloche (cerca de 1.350km ao sudoeste de Buenos Aires)?, disse o jornalista em entrevista. Em seu livro Bariloche nazista ? Guia turístico, que será lançado na próxima semana na Argentina, Basti reproduz documentos, testemunhos, fotografias e mapas para guiar o leitor (ou turista) até os locais onde Hitler, Martin Borman, Joseph Mengele e Adolf Eichmann teriam se refugiado.
O autor evita responder se sua obra desafia a história oficial sobre o suicídio de Hitler e Eva Braun em Berlim, alegando que os corpos do Führer e sua amante nunca foram encontrados.
– A única história oficial é o relatório ao Kremlin do general Jukov (comandante do Exército soviético que ocupou Berlim), segundo o qual Hitler e vários chefes nazistas escaparam, supostamente para a Espanha ou a Argentina ? insistiu.
O jornalista, que trabalhou em várias investigações para a TV européia sobre os nazistas, ressalta que Hitler também viveu, durante sua passagem pela Argentina, na fazenda San Ramón, dez quilômetros ao leste de Bariloche, na época uma propriedade do principado alemão de Schaumburg-Lippe.
– Há muitas e indubitáveis provas da fuga de nazistas para a Argentina, coincidindo com a chegada de submarinos alemães à Patagônia ? frisou, lembrando o que chama de ?vital apoio? dado pelo então governo argentino presidido por Perón ?para abrigar no país os seguidores do Führer?.
O livro, que também terá um site (www.barilochenazi.com.ar), começa com a história do ex-capitão das temidas SS Erich Priebke extraditado da Argentina para a Itália na década passada por sua responsabilidade no fuzilamento de mais de 300 pessoas. Priebke, que presidiu em Bariloche a Associação Cultural Germano-Argentina, foi a ponta do iceberg da investigação de Basti para descrever uma complexa trama de empresas e instituições criadas no país para encobrir nazistas.
O jornalista também conta em seu livro ?a história oficial? sobre as mortes de Martin Borman, o segundo na hierarquia nazista depois de Hitler, e do médico Joseph Mengele, reproduzindo testemunhos e fotografias que mostram a passagem dos dois pela Argentina.”
LÍNGUA VIVA
“Sentir-se estrangeiro”, copyright Jornal do Brasil, 05/01/04
“?Qui scribit, bis legit? (quem escreve, lê duas vezes).
Começo com um provérbio latino. Surgiu-me depois que um amigo esforçou-se para lembrar uns versos de Virgílio que estavam incrustados numa das paredes da casa de seu pai.
Este pronome é complicado. A casa é do pai de Virgílio ou do pai do meu amigo? Bom, conheci Virgílio ainda na adolescência ? na minha, não na dele! ? e sou seu amigo bem antes de ser amigo do outro, a quem conheci muitos anos depois de conhecer Virgílio, que viveu entre 70 e 19 a.C. Precisamos dar mais atenção ao célebre poeta, pelo menos em respeito aos mais velhos.
Pois os versos de Virgílio estavam na casa do pai de meu amigo. Não vou citar os versos porque ainda não os encontrei. Quando encontrá-los, citarei também o amigo. Um ex-ministro do ex-presidente José Sarney quis comprar a casa. Comprou e foi morar lá com a esposa. Depois de alguns anos, vendeu-a. Quem a comprou, acabou casando com a mulher do vendedor.
Certamente, se não era uma gata, tinha o espírito dos famosos digitígrados, como também são conhecidos os felinos, selvagens ou domésticos. Os gatos não se apegam aos donos; apegam-se às casas.
O marido foi embora, mas ela ficou lá e casou com o novo proprietário. Deve ter achado mero detalhe a troca de maridos, embora tenha procedido de forma diversa às de Capitu e Dona Flor. Essas duas, na dúvida entre um e outro, ficaram com os dois. Capitu, com Bentinho e Escobar. Dona Flor, com Vadinho e Teodoro. Ou melhor, neste segundo caso, foi Sônia Braga quem ficou com José Wilker e Mauro Mendonça. A predominância da imagem sobre a letra é assustadora. Muita gente boa acha que Elisabeth Taylor governou o Egito e que Cleópatra era uma atriz inglesa que também teve muitos maridos.
No Brasil acontecem tantas coisas inusitadas com a língua e a cultura que às vezes nos sentimos estrangeiros em nossa própria casa. Antigamente, citar autores latinos como Virgílio era como falar de parentes, amigos ou conhecidos. Depois que o latim foi abolido do ensino médio, uma frase em inglês, o latim do império dos EUA, é menos estranha do que um provérbio latino.
Episódio ocorrido com o engenheiro Honório Bicalho (1839-1886), que fez curso de pontes e calçadas em Paris, mostra que no século 19 o brasileiro se sentia estrangeiro em casa, não pela presença do inglês, mas pela forte presença do francês, no Rio e em São Paulo, pois era chique inserir palavras francesas na conversação e nos escritos. No Brasil meridional, porém, dependendo da região do Estado, o alemão não era apenas citado. O alemão substituía o português!
Machado de Assis registra em sua crônica do dia 14 de agosto de 1892, em A Semana, que Bicalho, viajando pelo Rio Grande do Sul, em companhia de homens e mulheres a cavalo, quis certa vez apanhar uma flor muito bonita que a comitiva vira numa árvore.
Bicalho, apoiando os pés no dorso do animal, nem assim pôde pegá-la. Vendo um moleque que vinha da povoação vizinha, pediu-lhe que subisse na árvore e lhe trouxesse a flor. O menino respondeu em alemão que não entendia português. Quando o engenheiro entrou na cidade, não ouviu e nem leu nada que não fosse em alemão. E pronunciou a frase que se tornaria célebre: ?Achei-me estrangeiro em meu próprio país?.”
“Em 2004, gerundismo zero!”, copyright Época, 29/12/03
“As reformas passaram. Os juros começaram a cair. A indústria voltou a contratar. As vendas melhoraram um pouquinho. Já dá para comemorar? Não. Existe um grande perigo por trás de tudo isso. O quê? Não, não é a volta da inflação. Refiro-me à bolha do gerundismo.
Pense bem: quanto maior é a atividade econômica, mais negócios são fechados. Mais telefonemas são dados. Como conseqüência, mais gente tem a oportunidade de dizer coisas como: ?Nós vamos estar analisando os seus dados e vamos estar dando um retorno assim que possível?. Ou: ?Pra sua encomenda tá podendo tá sendo entregue, o senhor precisa tá deixando o nome de uma pessoa pra tá recebendo pelo senhor?.
Pára! Pára tudo! Não é para isso que a gente se sacrificou este ano inteiro. Crescimento, sim. Gerundismo, não! Mais do que nunca, precisamos nos mobilizar. Cada um de nós deve ser um agente sanitário eternamente a postos para exterminar essa terrível praga que se propaga pelo ar, pelas ondas de TV e pelas redes telefônicas.
E só existe uma forma de descontaminar um gerundista crônico: corrigindo o coitado. Na chincha. Com educação, claro. Por incrível que pareça, ninguém usa o gerundismo para irritar. Quando a teleatendente diz ?O senhor pode estar aguardando na linha, que eu vou estar transferindo a sua ligação?, ela pensa que está falando bonito. Por sinal, ela não entende por que ?eu vou estar transferindo? é errado e ?ela está falando bonito? é certo. O que só aumenta a nossa responsabilidade como vigilantes e educadores.
O importante é nunca deixar barato. Se alguém vier com gerundismo para cima de você, respire fundo ? e eduque a criatura. ?Não, eu não posso TÁ ASSINANDO aqui. Mas, se você quiser, eu posso ASSINAR aqui, com o maior prazer.? ?Não, minha filha. Eu não vou TÁ EXPERIMENTANDO nada em provador nenhum. Eu vou é trocar de loja!?
Se você tiver habilidades de professor, pode ir mais fundo: ?Desculpa. Não é ?a gente pode tá liberando o seu carro no sábado?. Você não deve usar nunca o verbo estar, no infinitivo, combinado com um verbo no gerúndio. O certo é ?a gente pode liberar o seu carro no sábado?. Entendeu?? O sujeito vai continuar sem entender nada, e depois dessa provavelmente o seu carro nem fique pronto no sábado ? mas é um preço que vale a pena pagar por uma sociedade sem gerundismo.
Toda atenção é pouca. Nesse período de tolerância zero com o gerundismo, precisamos evitar até mesmo os casos em que o ?vou estar fazendo? esteja certo. Por exemplo: em vez de dizer ?Não ligue agora para o seu tio, porque ele deve estar jantando? ? o que é perfeitamente correto -, diga: ?Não ligue agora para o seu tio, porque é hora do jantar?.
O governo poderia fazer de 2004 o Ano Oficial de Combate ao Gerundismo. Um bom começo seria proibir o gerundismo em todas as declarações do Executivo (presidente: metáfora, tudo bem. Gerundismo, não!). Gerundismo poderia dar pontos na carteira de motorista. Poderia aumentar a alíquota do Imposto de Renda do infrator. As universidades públicas poderiam inovar o sistema de cotas. Que tal: 100% das vagas para não-gerundistas?!!
Ainda estamos longe da erradicação do analfabetismo. Mas o fim do gerundismo só depende de nós. Não vamos nos dispersar!”