ASPAS
GAZETA MERCANTIL EM CRISE
"Avacalhação", copyright Coleguinhas, uni-vos, 16/07/01
"Uma jovem coleguinha me perguntou como é que a Gazeta Mercantil, assim, de repente, voltou a ser uma empresa que atrasa salários quando parecia estar tão bem de vida. Eu respondi à senhora (é casada) que a resposta ela – como boa parte de nós – sabe de cor: a causa são a incompetência e o aventureirismo que parecem estar nos genes dos donos das empresas de comunicação brasileiras.
Há menos de um ano, mais precisamente na edição de 11 de setembro de 2000, escrevi aqui que a Gazeta estava num excelente momento, depois de ter fechado com o governo uma renegociação de suas dívidas fiscais dentro do Refis, aquele programa do governo pelo qual a empresa deve, não nega e vai pagando aos pouquinhos, baseada em seu faturamento. Como 90% das dívidas da GM era deste tipo, e não trabahistas como as de muitas outras (JB no meio), a empresa passara ter uma grande folga para investir. No mesmo texto, eu dizia que o sufoco terrível pelo qual o grupo passara, mudara a cebeça do seu principal acionista, Luiz Fernando Levy. Ele teria deixado de ser um empresário megalômano e inconseqüente para botar os pés no chão.
Infelizmente, LFL teve uma séria recaída este ano. Mesmo diante de um quadro que evidentemente demandava cautela – os problemas na Argentina, um dos pilares da estratégia do grupo de expandir-se pela América Latina; com o dólar no Brasil, e com a Internet, onde o grupo investia pesado, em todo o mundo -, Luiz Fernando resolveu que ia ser mulrimídia e partiu para direto para aquele conhecido waterloo de empresário de comunicação megalô brasileiro: criar uma TV do nada.
Para entrar nesta roubada, Levy chamou os gajos da Portugal Telecom, com quem já têm negócios no InvestNews (ano passado os patrícios enfiaram US$ 100 milhões no negócio). Como entrar no negócio de mídia faz parte do show das empresas de telecomunicação (falarei disso dia desses…), os manéis não se fizeram de rogados.
O problema é que criar uma TV ?de raiz? (é assim que se diz aí, né, Leiria?) é coisa para ser maturada com atenção, ainda mais agora quando vai rolar uma mudança tecnológica de grandes dimensões, que se fará com equipamento sofisticadíssimos e caros (em dólar). Assim sendo, deu no que está dando: já sentindo a falta de fôlego,a Gazeta reestruturou (eufemismo para cortes de cabeça indiscriminados) no setor internet e, agora, que nem isso deu jeito, passou a atrasar salários de gente que nada tem a ver com as burradas feitas.
Nessas horas, eu lembro de uma historinha política bacana. Foi no tempo do Senado no Rio, no demolido Palácio Monroe, onde, como hoje em BSB, havia os engraxates que davam um trato nos pisantes de Suas Excelências. Um dia, um senador da República, depois de ler o jornal, puxou conversa com um deles, o mais velho da turma.
– E aí, seu Fulano. O senhor não tem medo que o comunismo tome conta do Brasil?
Seu Fulano, sem parar o trabalho, respondeu:
– Tenho não, doutor.
– Olha que esse comunas são terríveis! Comem criancinhas e tudo! Vão até tirar sua cadeira!
Seu Fulano não rebateu logo, mas não demorou muito a dar sua opinião:
– Continuo sem medo, doutor. Deixa esse comunismo vir que a gente avacalha com ele.
Como o comunismo não veio, então os donos dos meios de comunicação do Brasil resolveram avacalhar o capitalismo.
Círculo fechado – A ida de Ricardo Boechat fecha o círculo. Ele começou a ser desenhado lá atrás, quando Boechat foi um dos articuladores dos primeiros contatos entre Josa Nascimento Brito e Nelson Tanure; e continuou depois quando ele também usou de suas ótimas relações para pôr em contato Mário Sérgio Conti e Tanure. Não esqueçamos que Boechat também deu uma de técnico instruindo Tanure como ele deveria ser portar na entrevista que ele marcara entre o novo dono do JB e João Roberto Marinho. Como sabe quem leu uma daqueles milhares de clichês da CPM da semana da demissão de Boechat, foi esta a verdadeira razão para sua (dele) defenestração.
Bom acordo – Pelo acordo com o JB, Boechat tem a liberdade de vender a colunas para outros jornais e prestar serviços a outros meios de comunicação não diretamente concorrentes do JB. Band, na TV, e Correio Braziliense e Estado de Minas, entre os jornais, estão na jogada. O IG, na internet, também gostaria de estar no lance.
IG avança – Por falar em IG, o provedor parceria acertou com a canadense City TV – aquela que passou a tecnologia de TV comunitária para o Canal 21, da Band. O acordo deve ser anunciado em agosto e a idéia é fazer montar um canal local aqui no Rio. Tenho que admitir: o Guanaes e o pessoal do Opportunity (Kiko Nascimento Brito à frente) tão fazendo o certo: comendo pelas beiradas e devagar.
Ordem unida – Foi logo depois da missa de 7? pela alma de Evandro Carlos de Andrade. Lady Vader chamou os cinco que mandam na Estrela da Morte agora e avisou que Carlos Henrique Schroeder é o dono da bola. Legal. Mas se precisou avisar é que ninguém tinha notado…
Coisa esquisita – Rolou um barato estranho com um coleguinha na Câmara dos Vereadores aqui do Rio. Quando se apresentou como jornalista na entrada, ele foi instruído a se dirigir à assessoria de imprensa de lá. Beleza, tudo normal até aí. Só que lá, as mocinhas que o atenderam insistiram que queriam saber com quem ele ia se encontrar. E não adiantava ele dizer que era com um vereador que já o estava aguardando, mas que tinha o direito de não dizer quem era. No fim, o colega perdeu a paciência, deixou as garotas falando sozinhas e foi encontrar a fonte. Acho que precisam lembrar ao pessoal que a Câmara é um órgão público, um parlamento, não uma empresa privada."
AUTOCRÍTICA
"Jornalistas", copyright O Estado de S. Paulo, 15/07/01
"Cartas sobre o assunto da semana passada, inclusive de colegas. Nenhuma a favor dos jornalistas. Cristina Frias Monteiro diz que o jornalista brasileiro é ?mal vivido e falso moralista?, com visão maniqueísta da sociedade (e dá exemplo: ?O fato de FHC não estar dando certo não qualifica Lula para a presidência?). Ricardo Topalian reclama das matérias de esporte, que parecem feitas ?por crianças recém-alfabetizadas?.
Herberth Lima toca no ponto crucial: ?Os jornalistas não lêem.? Fernando Dourado reclama da previsibilidade dos articulistas, divididos entre a frivolidade (?um arrazoado de platitudes sem tempero?) e a afetação (?a indignação que leva à verborragia?). E Maria Elisa Bittencourt diz que decidiu ler os jornais apenas aos domingos e a revista The Economist, ?que sempre trata de questões relevantes, sem fofocas, sem manchetes retumbantes, sem leviandades?. Basta ver as revistas brasileiras: quando não têm uma denúncia para estampar na capa, enfiam mais uma matéria banal e equivocada sobre saúde…
E o jornalismo nacional não é afetado apenas pelo conluio do despreparo com o cinismo dos jornalistas, na grande maioria vítimas complacentes do sistema que os contrata. Mas também pela ausência de homens de letras, de intelectuais públicos, no Brasil. Lendo os escritores que, para sobreviver, produzem crônicas para a imprensa ou os acadêmicos que concedem fazer resenhas, fico pensando: por que levam tão pouco a sério? Os artistas e escritores que escrevem colunas para jornal, repare, raramente falam de arte e cultura. Preferem falar do FHC ou contar alguma historieta de seu cotidiano. Supõe-se que nada têm a dizer.
Rodapé (1) Também vale destacar um evento interessante no meio editorial brasileiro: a presença cada vez maior de livros escritos por jornalistas. É sinal tanto da carência das editoras por textos de alcance mais geral como da angústia dos jornalistas de elaborar mais suas pesquisas, oferecer leitura menos fragmentária de suas idéias, preencher as incontáveis lacunas editoriais brasileiras. É preciso muita abnegação para arranjar tempo.
Luís Antônio Giron, por exemplo, arranjou. E fez uma biografia impecável de Mário Reis, O Fino do Samba (editora 34). Giron defende a idéia de que Mário ajudou a criar um estilo brasileiro de canto moderno, quase um canto-falado, com inflexões coloquiais ajustadas à melodia. O livro narra com um manancial de informações novas a construção e transformação desse estilo, estimulada pela invenção do microfone. Como Bing Crosby nos EUA, lançando a figura do crooner com seu vozeirão sussurrante, e como Orlando Silva no Brasil, Mário Reis usou o microfone para revolucionar a música popular, sepultando o estilo dó-de-peito e abrindo a escola de que, entre outros, João Gilberto foi aluno.
Rodapé (2) Duas amostras de boas entrevistas são as dos também ex-colegas de Gazeta Mercantil Gonçalo Júnior e Alessandro Greco, em livros da editora Conrad. Pais da TV reúne as entrevistas que Gonçalo fez com profissionais como Armando Nogueira, Guel Arraes, Boni e a turma do Casseta & Planeta.
Homens de Ciência traz no elenco nada menos que Murray Gell-Mann, Ilya Prigogine, Francis Crick e muitos outros. História da TV e jornalismo científico – duas das tantas lacunas da imprensa e do mercado editorial brasileiro."