DIPLOMA EM XEQUE
"Contra a exigência do diploma para jornalistas", copyright Revista Panega (www.pangea.com.br), 15/11/01
"A tribo dos jornalistas está alvoroçada. Será pela greve dos colegas da Gazeta Mercantil, diário que agoniza? Será pela onda de demissões em órgãos como o Jornal do Brasil, Globo.com, O Estado de S. Paulo, Lance? Ou pela precarização das relações de trabalho em inúmeros de meio de comunicação, com a imposição da Pessoa Jurídica e das falsas cooperativas de trabalho?
Nada disso. A grande polêmica em nossa tribo é a recente liminar em primeira instância que suspende a exigência do diploma para o exercício da profissão. A maioria dos coleguinhas defende com unhas, dentes, leads em riste, o diploma obrigatório, brandindo três argumentos:
a) O jornalismo implica uma qualificação técnica aportada pelo curso universitário;
b) O fim da exigência do diploma baixaria (ainda) mais o nível dos profissionais no mercado;
c) Jornalistas (sem diploma) em profusão representam remuneração ainda mais baixa.
Analisemos esses pontos:
Com a proliferação de cursos universitários Brasil afora, são despejados a cada ano no mercado centenas de novos bacharéis em Jornalismo. Qualificação? Pouca. Experiência? Menos (alguns talvez escrevessem ?menas?). Até porque nossa absurda legislação proíbe o estágio nas redações. Alegando, justamente, que isso aviltaria os salários. Ora, se o sujeito sai da faculdade, diploma no sovaco, com enormes deficiências e não pode ganhar experiência, onde é que está a tal ?qualificação técnica??
Quanto ao risco de queda ainda maior do nível dos profissionais com o fim da obrigatoriedade, trata-se de argumento que parte de uma premissa incorreta. A de que pessoas são contratadas exclusivamente por seu nível profissional. Esse é um critério. Amizades, chances, tribos e redes de contato são outro, possivelmente bem mais forte. O que não garante ?nível? nenhum, seja em redações ou em assessoria. Recentemente, um diligente jornalista da Folha de S. Paulo referiu-se ao embaixador da Arábia Saudita na ONU como Prince fulano de tal. Virava, mexia e sapecava lá Prince fulano. Era um príncipe, como grande parte dos dignitários sauditas. Mas o jornalista (que possivelmente tinha ?deproma?) achou que era o nome do embaixador. Um especialista em relações internacionais, ostentasse que papelucho fosse, talvez não cairia na armadilha. Agora, pergunto: que diploma de Jornalismo – e não de Letras, por exemplo – pode funcionar como vacina?
Vamos então ao terceiro argumento dos fãzocas do diploma obrigatório: a remuneração. Ora, esta vem despencando dia a dia, com diploma ou sem diploma. O mercado a atira ao solo, desmonta jornais, destrói conquistas trabalhistas. E essa deveria ser a principal preocupação de nossas entidades representativas. Não há diploma que impeça isso. É como tentar aprovar um projeto que revogasse a Lei da Gravidade.
Deixei por último o argumento definitivo. O de que a obrigatoriedade do diploma relegaria a outro ofício profissionais como Paulo Francis, Fúlvio Abramo (botânico), Boris Casoy (cursou Direito e não terminou), João Saldanha (esse, nem sei se cursou algo…). Tostão e Casagrande não podem, supõe-se, comentar jogos de futebol. Ao contrário de um jornalista que pese 180Kg e que só viu bola de futebol em álbum de figurinha. Para citar um pequeno punhado. Quem os substituiria? Ora, algum iluminado diplomata (aqueles que têm diploma…).
Em muitos países, o Jornalismo não existe como curso universitário, mas como especialização de outras carreiras. A pessoa gradua-se, digamos, em Biologia e se capacita como jornalista em sua área. Quem melhor do que um jornalista com formação em Biologia para escrever sobre um tema específico? Mas, no Brasil, o curso de Jornalismo já existe. A alternativa é, então, seria mantê-lo, desde que sem o cartório do diploma. Este, creio, deve estar restrito a ofícios que exigem uma qualificação técnica muito precisa: médicos, engenheiros, farmacêuticos.
E que não se preocupem os colegas. O êxito na profissão, se não é garantido exclusivamente pela capacidade, não o pode ser também pelo papel na parede (é só observar os recentes passaralhos, que dizimaram as redações, vitimando muita gente capaz). Em nome da nossa dignidade, é preciso ressaltar que podemos nos destacar não pela posse do diploma e sim pela qualificação profissional. Caso contrário, correríamos o risco de repetir a velha história de um já falecido presidente do Corinthians, reclamando pela convocação de um novato do Santos para a seleção brasileira.
– Mas é um absurdo! O nosso Oreco é muito melhor do que esse tal de Pelé…"
"Fenaj recorre contra fim do diploma", copyright Folha de S. Paulo, 21/11/01
"A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) entrou com um recurso para tentar derrubar a decisão da juíza federal Carla Rister, que suspendeu liminarmente a obrigatoriedade do diploma jornalístico para a obtenção do registro profissional no Ministério do Trabalho.
O recurso (um agravo de instrumento) foi distribuído ontem, às 13h45, no Tribunal Regional Federal de São Paulo. O autor é o advogado e ex-presidente da OAB-SP, João Piza (o mesmo que retardou em quase um ano na Justiça a venda do Banespa).
Para tentar derrubar a liminar, a Fenaj alegou que a obrigatoriedade do diploma não fere a Constituição Federal de 1988, como sustentou a juíza em sua decisão.
Na liminar, concedida em 23 de outubro, a juíza afirmou que o decreto-lei 972/69, editado durante o regime militar e que exige o diploma, contraria a Constituição.
A Carta define, no artigo quinto, parágrafo nono, que ?é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença?.
A juíza argumentou ainda que a obrigatoriedade fere a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em setembro de 1992, que proíbe qualquer forma de obstáculo ao direito de informação.
?(…) O jornalista deve possuir formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a frequência a uma faculdade (muito embora seja forçoso reconhecer que aquele que o faz poderá vir a enriquecer tal formação cultural), mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional?, escreveu a juíza em sua decisão.
Em um recurso de 85 páginas, a Fenaj afirmou que a exigência do diploma não é inconstitucional. ?A juíza não completou o texto da lei que prevê que devem ser respeitadas as leis que regulamentam o trabalho?, disse a presidente da Fenaj, Beth Costa.
A federação alega que o parágrafo 13?, do artigo quinto, estabelece a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ?atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer?. ?É preciso diferenciar a liberdade de expressão e o exercício da profissão?, disse Beth.
A Fenaj alega ainda que o Ministério Público não poderia ser o autor da ação. O recurso deve ser analisado até sexta pelo juiz Manoel Álvares, que substitui interinamente um desembargador."