Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Joaquim Ferreira dos Santos

SHOW DO MILHÃO

"Haja H2O!", copyright no. (www.no.com.br), 2/01/02

"Na quarta-feira, no primeiro dia útil da televisão em 2002, a dançarina Sheila Mello colocou a mão dentro de uma caixa cheia de larvas de laranja no programa do Gilberto Barros, na Record. Na Rede TV!, no Interligado Games, uma estudante precisou fazer o mesmo com um punhado de baratas. Tudo por dinheiro, por 15 minutos de fama ou um pôster na Playboy. Parece que o ano inteiro vai ser assim. Jogos, reality shows, atrações fora do script que testem a capacidade e os limites dos participantes. O ano de 2001 consagrou o gênero no Brasil e é inevitável explorá-lo nos próximos meses. Coisas do mercado. A esperança, já que o estupro se mostra inevitável, é que o grande teste de capacitação agendado para 2002, as eleições de outubro, cruze com os games televisivos.

O Show do Milhão que Silvio Santos realizou com os políticos, tirante o palanque que o apresentador armou para os velhos amigos napoleões e malúficos, já deixou uma marca profunda no voto do eleitor. Ao reconhecer que não sabia a fórmula da água – e em seguida pedir ajuda às placas, aos universitários, às cartas, às piscadelas do auditório ou a que outra bóia houvesse para salvá-lo de outras ignorâncias – o governador Garotinho parece ter jogado um enorme balde de água fria em suas pretensões presidenciais. Se lhe escapa o H2O, imagina a matemática monetarista da flexibilização do real.

É bastante sintomático que as televisões não estejam preparando qualquer grande atração para 2002 que não seja algum tipo de game. A Globo, sozinha, estaria analisando 400 projetos e parece que o primeiro a ser aprovado é uma versão do Love Cruise, uma espécie de teste da fidelidade sofisticado, para o Caldeirão do Huck. É bastante emblemático que as emissoras de televisão, por uma aparente solicitação da audiência, estejam preparando apenas jogos em torno da realidade para um ano em que, de resto, teremos que obrigatoriamente conviver com o ?me engana que eu não gosto nem um pouco? do horário eleitoral gratuito. O game show com políticos, ávidos por alguns minutos no ar (desde que não se pergunte sobre sua fórmula química), traria mais informações que a discurseira vazia e a armação dos marqueteiros.

Silvio Santos, que não consegue sair do noticiário – e emplaca o nome tanto nas páginas políticas com o Show do Milhão dos candidatos quanto nas páginas policiais com a morte do seu seqüestrador – promete aprontar alguma para este domingo. O SBT vence o Fantástico há dois meses e Silvio tomou gosto. Sussurra-se que o Show do Milhão com os participantes do Casa dos Artistas-1, prometido para este primeiro domingão noturno de 2002, não vai acontecer. Por mais divertido que fosse apreciar a performance intelectual de Nana Gouvêa, aquela que reclamava dos câmeras pela obsessão com seus glúteos quando tinha tanto cérebro para exibir; por mais lamentável, enfim, que seja perder tamanho show de inteligência-garotinha, o anúncio deste Show do Milhão Especial seria apenas um drible da vaca para esconder as reais intenções de Silvio. Às 21 horas, como fez da outra vez, de surpresa, sem que a própria diretoria da estação soubesse, ele estrearia o Casa dos Artistas 2. Para que não lhe caia nos ombros qualquer nova acusação de lentidão, a Globo já entrou com medida cautelar.

Toda unanimidade é burra, e para bolar essa frase Nelson Rodrigues nem precisou ver todas as redes jogando suas fichas para 2002 em jogos de realidade. Em alguns momentos eles ocuparão programas inteiros, como o Big Brother que a Globo produz na maior moita. Em outros eles serão espalhados pela programação, como o Sonho de Modelo, que deve ser encartado no novo programa de Otávio Mesquita na Band. Essa massificação tende a transformar a TV aberta na mesma monotonia das paradas musicais que ainda pouco vendiam só axé, depois vendiam só sertanejo – e hoje estão desesperadas porque, esgotados os filões, não formaram um público disposto a curtir a diversidade de outros sons e palavras.

Nesta nova corrida do ouro, poucos meterão a mão na caixa de ratos – havia uma dessas também no programa do Gilberto Barros – e tirarão de lá uma pepita. A MTV, num lance de ironia e distanciamento crítico, já escalou o coitado do Cazé para apresentar o seu game show. Por um lado a emissora castiga o careca, que havia abandonado a casa para pagar um inesquecível mico na Globo. Por outro não compromete o cast que lhe ficou fiel. Na Globo, vai ter game show plantado até no Faustão. Já que nem com a ajuda de Roberto Carlos ele conseguiu bater o Gugu, vai apresentar uma adaptação do The Weakest Link, produzido pela (até tu?!) BBC, e ver se a sorte muda. A Record tenta esconder cada vez mais da audiência sua relação com pastores evangélicos cultuando o espírito. Vem com um reality show de resistência física.

A Globo começou bem o ano – e não só pelo aprumo dos dotes da Globeleza, mais uma vez indiferente à tendência internacional de queda de torres, queda do governo argentino, queda de audiência global. A emissora, como se expiasse a culpa de um ano em que promete não inventar, mas seguir o padrão, começou apostando no diferenciado. Está exibindo uma série de filmes nacionais que teve boa performance de bilheteria e simpatia da crítica. Também é saborosa a estréia prometida para terça-feira das aventuras de Carlota Joaquina, aquela que perguntada para onde estava indo a corte em fuga de Napoleão, esqueceu o nome do tal país e disse que estava indo para bem longe, para os Quintos do Inferno – e veio se dar aqui no próprio. Carlota vai tentar sobreviver o maior tempo possível neste calor dos diabos, enquanto ao lado D. João tenta vencer a prova que estabeleceu consigo próprio de devorar tantas coxas de galinha quantas lhe forem oferecidas neste fim de mundo.

Não tem jeito. Em 2002, no abafado Brasil dos shows de realidade, até Carlota, João e a Marquesa de Santos (de quantos orgasmos e traições ela será capaz?) vão acabar tendo que testar seus limites. Haja H2O, garotinhos!"

 

"Políticos passam vexame em show de TV", copyright Folha de S. Paulo, 31/12/01

"Tido como um visionário da TV, Silvio Santos pareceu mesmo prever o constrangimento a que submeteria seus convidados para o ?Show do Milhão com celebridades brasileiras do mundo político?, exibido ontem à noite.

?Espero que os telespectadores compreendam que eles são célebres, famosos, mas não são obrigados a saber tudo?, anunciou logo no início do programa.

Longe de saber tudo, muitos dos 12 convidados, entre governadores, deputados e um ex-governador, demonstraram suas dificuldades em rede nacional.

Em contrapartida, puderam tirar proveito eleitoral do programa, que costuma atingir cerca de 968 mil domicílios só na Grande São Paulo, e anunciar suas pretensões nas eleições de 2002.

O ex-prefeito Paulo Maluf (PPB), que prejudicou sua equipe ao pular uma questão e errar outra -respondeu que o estudioso de santos se chamava santório (o correto é hagiólogo)- teve uma oportunidade como há muito não tinha de se promover.

?Tudo o que a gente [na cidade? vê foi obra do Maluf?, disse. No final, ouviu do apresentador, que antes havia se referido ao ex-prefeito como ?brilhante?, que ele havia ?afundado? seu time, ganhador de R$ 100 mil. Pelas regras, metade teria de ser destinada a instituições de caridade.

Pré-candidato à Presidência pelo PSB, o governador do Rio, Anthony Garotinho, expôs a pretensão ao Planalto, mas passou pelo embaraço de pedir ajuda para indicar os componentes da água. ?Responder em casa é fácil. Aqui é mais difícil?, disse a mulher do governador, Rosinha. Garotinho teve o pior desempenho, com R$ 15 mil.

Os demais participantes -os governadores Esperidião Amin (PPB-SC), César Borges (PFL-BA), Albano Franco (PSDB-SE), Hugo Napoleão (PFL-PI), Jaime Lerner (PFL-PR), Olívio Dutra (PT-RS) e Marconi Perillo (PSDB-GO) e os deputados Marcondes Gadelha (PFL-PB), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Aloizio Mercadante (PT-SP)- ainda atuaram como coadjuvantes nas propagandas que Silvio fez de seus produtos.

?Não é brinquedo?, declarou Perillo, tentando explicar seu nervosismo durante sua participação. ?Se você comprar o (CD-ROM) Show do Milhão, em casa pode ser?, emendou Silvio.

Sempre crítico sobre o SBT, o PT também tirou vantagem. Além de anunciar seu nome ao Senado, Mercadante promoveu José Genoino, pré-candidato ao governo paulista. O vencedor foi Gadelha, com R$ 500 mil."