BIG BROTHER BRASIL
"Faltou pressão", copyright no. (www.no.com.br), 5/02/02
"Trancados dentro de uma casa, a go-go girl e o caipira bem dotado que sonha aparecer na capa da G Magazine levaram uma semana para fazer o que qualquer casal de adolescentes faz em dez minutos de festa no play. Cento e sessenta horas depois de entrar no ar – parem as máquinas! Atualizem o site! – rolou um beijo, nesta terça-feira, em Big Brother Brasil.
A Globo fez sua parte. Trancafiou na mesma casa, todos de sunga e biquíni, um português que ganhava a vida como go-go boy em Paris e uma atriz loura de filme pornô. Uma senhora siliconada, que confessou ter torrado R$ 4 mil só em calcinhas, e um empresário assediado sexualmente pelo costureiro Valentino e a top-model Gisele Bundchen – sem ter topado nada com nenhum dos dois. Trancafiou-se também um quarentão, liberado publicamente pela esposa para atacar qualquer vulto bonito que aparecesse respirando à sua frente, e uma adepta do bissexualismo.
Era o casting perfeito, todos profissionais do hormônio, e mais a Jacuzzi funcionando a todo vapor, para deixar o ibope molhadinho – mas na terça-feira ele não passou de 41 pontos, algo assim como uma meia-bomba, quer dizer, uma meia-brastemp. A expectativa, em pleno verão carioca, era de sexo grupal. Não rolou. Só deu tédio grupal.
Bem que a Globo tentou. Deixou seus parrudos mambembes sem tarefas, ao sol de fevereiro, para que tivessem bastante tempo de pensar apenas naquilo. A única gincana foi uma maratona de dança, mas não era nem preciso caprichar nos passos. O importante era que os corpos dos casais não desgrudassem um do outro. Nem assim a coisa esquentou. Os hormônios, inibidos por tantas câmeras, não subiram à cabeça da galera. Onde se esperava a gritaria dos orgasmos múltiplos houve um palavrório histérico numa língua em formatação baseada nas expressões ?fala sério, galera?, ?você não tá entendendo, brother?, ?é show, mermão?, ?é punk?, ?mandou bem, ôôôô?, ?tipo assim, sei lá?, ?eu não mereço?, ?ninguém merece?, ?na pressão? e meia dúzia de palavrões já tradicionais para que em casa se percebesse ser o português.
Costinha, o saudoso cômico escrachado, morreria de inveja do nível das piadas.
?Quem foi que disse que sabia tirar sobrancelha?? – pergunta uma voz feminina.
?Eu? – ouve-se uma voz masculina em resposta. ?Mas só a de baixo.?
A Globo transformou o país numa ilha cercada de BBB por todos os lados, usou todas as mídias e verbas possíveis, mas não conseguiu fazer de seu zoológico humano um bom programa de televisão. Não há qualquer charme nos personagens. Carisma zero. Como são grossos esses Big Brucutus! Quando o troglô-caipira Kléber, uma versão neandertal de Alexandre Frota, finalmente pega Xaiane para um amasso, não se ouve a moça suspirar lânguida. Pelo contrário. Doeu. O brutamontes segura-lhe a orelha e começa a espocar beijos barulhentos lá dentro. Nenhum adolescente faria pior. A moça, que tinha passado todos os primeiros dias reclamando dos humores de uma TPM, e justo naqueles minutos comemorava uma nova fase, tenta sair fora do novo incômodo com uma expressão de pavor. E protesta na língua padrão da galera: ?Eu não acredito que você tá fazendo isso, cara!, que horror!?
Não houve sutileza em qualquer momento. Colocaram em cena um homossexual e ele correspondeu ao estigma: imitou Maria Bethânia. Um assessora de imprensa também confirmou a impressão de que jornalistas precisam apurar melhor suas histórias: ela assegurou ter ouvido, ?de boa fonte?, que os Mamonas Assassinas morreram depois de um pacto com o diabo. O QI foi por aí, abaixo de zero. O empresário Bruno Saladini, que tem na árvore genealógica um avô presidente do antigo Clube dos Cafajestes, contou as façanhas de seu pit-bull.
Alessandra, a patricinha que investe em lingerie, só tinha uma preocupação. Adubada por copos de silicone, cuidava que os seios se controlassem por dentro do sutiã. Moça fina: ?Não quero pagar um peitinho na Globo?. Sonham todas com a chegada do emissário Playboy que lhe pague o valor justo pelos tais.
O primeiro eliminado foi Caetano, o coroa de 40 anos. Tentou incorporar um Supla de frente e acabou rejeitado pela galera, que não suportou suas palavras com mais de três sílabas. Patético. Vagou pela casa como se fosse um São Francisco seguido da cachorra Mole. Neste momento, pela bata branca que usava quando foi defenestrado, deve estar pichando os muros do Rio como se fosse o profeta Gentileza redivivo. ?Tomara que o mundo lá fora esteja em paz, sem guerras ridículas?, balbuciou no adeus aos inimigos – que continuavam tipo assim, sabe como?, aos berros cantando os pagodes mais pavorosos. Sabiam também todo o repertório da Xuxa.
Essas pessoas passaram anos e anos sendo formadas pela falta de uma boa leitura, pela inexistência de uma boa conversa e de bons padrões culturais. Filhos da televisão, eles agora estão na própria devolvendo o vazio ao Boninho. É um velho samba brasileiro: Toma que o filho é teu, meu sinhô. Na mesa de edição, Boninho tenta resolver o problema, mas como diz aquela mui loquaz senhora do núcleo São Cristóvão de O Clone, ?não é brinquedo não!?.
No Casa dos Artistas, com um elenco só de profissionais, cada um inventou um tipo. Barbara Paz foi a mais convincente como pobre Cinderela. No Big Brother, todos amadores deslumbrados que não param de citar Alexandre Frota. Quando um carro do fumacê passou na rua, Saladini lembrou-se do ?pênis longo? do ídolo e passou a cultura adiante. Os Big Brucutus estourando os tímpanos de suas brucuboas querem ser autênticos – e acabam apenas malas insuportavelmente desinteressantes. Coitada da Mole, ninguém merece!
Nesta segunda semana, a Globo vai interferir com alguma provocação para não deixar que os little brothers continuem boquiabertos com a tela plana da televisão da sala (?essa parada custa uns R$ 10 mil!!?) ou com as intermináveis conversas sobre o ?metabolismo acelerado das proteínas atuando no carboidrato?. Vai precisar tomar mais cuidado também com o verbo sujo do ao vivo. O cafajeste-neto Saladini explicou nesta terça-feira aos espectadores, gente acostumada às angústias de Jade em sua paixão rica, o que seriam as benesses do ?amor de pica?. Se o Big Brother continuar bobo e chulo assim vai ser o contrário do tal amor. Não fica."
"O poder de prender e controlar as cobaias", copyright Folha de S. Paulo, 6/02/02
"É meio obrigatório falar sobre dois assuntos nesta semana: o ?Big Brother? da Globo e o sequestro de Washington Olivetto. Vou ver se escapo disso. Aliás, não vi nem consigo ver esses ?reality shows?.
Tentei assistir à ?Casa dos Artistas?, mas fiquei sem entender coisa nenhuma. Várias pessoas falavam ao mesmo tempo, discutindo coisas que só faziam sentido para quem tinha acompanhado as discussões da véspera.
Outro dia, no ?Big Brother?, foi a mesma coisa: havia um rapaz loiro, de sotaque português, explicando durante umas duas horas por que ele tinha decidido ?aquilo?. Aquilo o quê? Era algo que ele tinha feito contra um outro rapaz loiro, esse sem sotaque.
O rapaz sem sotaque exigia explicações do rapaz com sotaque. O rapaz com sotaque explicava. O rapaz sem sotaque não entendia, o outro repetia tudo de novo e dizia que ele próprio não sabia explicar o que ele tinha feito, e eu fiquei sem explicação também.
?Não vim aqui para explicar, eu vim para confundir?, dizia o Chacrinha, e isso me leva ao programa eleitoral da Roseana, que, aliás, deixou de ser Roseana Sarney, é só Roseana, como Eliana, Hebe, Angélica, ou você, querida leitora, que é mulher, mas até agora não estava muito ciente disso.
Roseana falou de vários indicadores sociais positivos no Maranhão. Tudo bem: números podem ser verificados, comparados, discutidos -coisa que pode ser feita em profundidade pelos jornais. O risco é pouca gente ler.
O que me espantou foi outra coisa. Em certo momento, o locutor, ou locutora, dizia algo desse tipo: ?Puxa, você reparou? Na feira, no trabalho, na fila do ônibus, só se fala na Roseana!?.
Só se fala na Roseana… O que me irrita é o tom inocente da constatação. O que eles queriam depois de meses de propaganda maciça? O marketing se faz de sonso: como se Roseana tivesse virado assunto ?naturalmente?, e agora faremos um programa publicitário para ver por que, afinal, tanta gente está falando na Roseana…
O paradoxo de Tostines -vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinho porque vende mais?- não é apenas uma pergunta idiota; tem algo de sinistro também. Revela que o que está sendo celebrado no marketing de um produto não é o produto, mas o marketing que ele tem.
Damos mais uma volta nesse círculo vicioso com a propaganda de Roseana. Quando ela se refere a um anúncio de cerveja (?a número 1?) ou à publicidade da Embratel (manda o Serra fazer um 21), não é mais o marketing que está a serviço de Roseana, mas é Roseana quem presta homenagens ao marketing.
Então essa candidatura é só propaganda, Roseana não tem conteúdo? Esperem um pouco: seu conteúdo é a propaganda. E a única realidade do fenômeno Roseana é o fato de ser um fenômeno artificial.
Inevitável lembrar o filme ?O Show de Truman? -vivemos num mundo falso e teríamos de caminhar até o horizonte, romper então a abóbada celeste como se fosse uma casca de ovo para conhecer a realidade.
Só que citar ?O Show de Truman? já é condenar-se à linguagem, aos temas, às fantasias criadas pela própria indústria cultural. A suposta ?autocrítica? também é sufocante. É como ouvir o sujeito do FMI, no Fórum Econômico Mundial, denunciando a miséria do planeta e os erros da ortodoxia econômica.
E é isso o que eles estão fazendo em Washington. Mais ainda: Clóvis Rossi conta que, enquanto ouvia esse mea culpa, o ex-presidente do Banco Central Francisco Gros segredou-lhe ao ouvido: ?A hipocrisia desses caras é impressionante?.
De minha parte, acho ainda mais impressionante que seja Francisco Gros quem diga isso. Temos também o bravo ex-ministro Bresser Pereira agora dedicado a fulminantes discursos contra os erros do governo. Logo mais, imagino, Fernando Henrique despertará como de um transe, de um sonho de verão.
Plim, plim! Acorde, diz a Rede Globo. Vai começar o próximo ?intervalo comercial?. Ou será a ?próxima atração?? Passamos de uma hipnose para outra.
Talvez seja essa sensação de aprisionamento total o que está sendo encenado em ?Big Brother?. Pessoas são encaixotadas num aparelho de TV. Pode-se falar em voyeurismo, mas o que secretamente fascina nessa história é outro espetáculo, este sim obs-ceno (fora da cena): o do próprio poder da emissora. O poder de prender e controlar suas cobaias.
O programa é holandês, mas aqui no Brasil ganha outro significado além desse: ?Big Brother? também faz uma catarse, a catarse do medo de sequestro. No cativeiro, Washington Olivetto era vigiado por câmeras durante 24 horas por dia. Tudo a ver, de novo."