CELEBRIDADES INSTANTÂNEAS
"Louca vida sarabanda?", copyright Jornal
do Brasil, 6/11/02
"Eu estava lá, dentro de um smoking fatiotado,
saudando com a pompa devida a chegada de Paulo Coelho à cadeira
21 da Academia Brasileira de Letras. Eu estava lá e confesso:
meninos, não vi nada. Quando rodarem este trecho da desinteressante
novela da minha vida, a música tema já está
escolhida: Nelson Gonçalves, LP Grandes tangos, faixa dois:
Fracassei novamente.
Dizem que a tal senhora desnuda não era essas coisas. Não
vem ao caso. Não me decepciono pela perda de um flagrante
de beleza estética numa existência já tão
satisfeita deles. Minha dor é outra. Eu estava lá,
beliscando croquetes de ameixa seca com salmão marinado,
os olhos passando do cavanhaque bem aparado do Ricardo Cravo Albin
para o piercing catito no queixinho da Danuza Leão – e, juro,
não vi quando a morena abriu o pretinho básico e se
deixou clicar por um único fotógrafo. Soube no dia
seguinte e imediatamente devolvi minha carteirinha de repórter
para a Associação Brasileira de Imprensa. O olho de
lince, o faro fino, já não me eram mais companheiros.
Empacotei junto as condecorações pela cobertura da
2? Grande Guerra em Montese. Aço, aço, chega de fracasso.
Dizem que seriam carnes já maduras, e isso também
não me expia o sofrimento. Não poderiam ser de outra
forma. Elas protestavam in memorian contra uma injustiça
de duas décadas atrás. Lamentavam, fartas e balançantes,
que Mário Quintana, autor do poema ?esses que aqui estão
atravancando meu caminho/ eles passarão/ eu passarinho?,
jamais tivesse sido eleito para a ABL. De fato. O passarinho de
Quintana não penetrou na ABL e eis que sua fã torna
a abrir a gaiola, por um breve flash, para que as asas negras de
sua poesia farfalhassem no Castelo.
Tempos idos, tempos já discutidos e passemos batidos rumo
ao que interessa: o que faz uma mulher imolar-se nua, num canto
do salão, quando as técnicas elementares do How to
be a star pediam que cada um de seus seios gritasse alto, no meio
de uma roda de fotógrafos, uma dúzia de sonetos do
poeta gaúcho injustiçado? Os fotógrafos de
Caras estavam lá dispostos a gastar todos os seus rolos com
a invocada. Viram-na? Não viram. A fama está ficando
cada vez mais efêmera e às vezes não deixa tempo
nem de comprar os óculos escuros. Andy Warhol errou nas contas.
A superpopulação anda de um jeito que todos serão
famosos sim, mas por apenas 15 milésimos de segundo. Foi
o que aconteceu na Academia.
O Rio de Janeiro é uma cidade cercada dessas celebridades
por todos os lados e neste momento o garçom Chico, do Bracarense,
deve estar sendo fotografado ao lado de algum turista piauiense
na calçada do Leblon – o que, definitivamente, não
ajuda em nada a chegada do croquete de carne seca na mesa três.
Essa é a cidade em que todos conhecemos Jaime Sabino, o Jaiminho.
Ele carregou todas as alças de caixões vips que baixaram
no São João Batista nos últimos anos e, apesar
da vibrante torcida dos que já não agüentam mais
sua obsessão, nunca caiu dentro de uma tumba e ficou por
lá – o que em muito, já tentaram convencê-lo,
aumentaria sua celebridade.
Ser célebre no Rio é não ter onde cair morto
e não se conformar com os que foram mais vivos. É
um mercado de trabalho disputadíssimo, que se encaixa nas
chamadas vocações específicas da cidade: muita
conversa jogada fora, muito topete e barulho de onda na praia significando
nada. Todos têm o direito de ganhar a vida, certo? Se o seu
talento para batalhar uma grana for pular muros de mansão,
pode ser que a Lei questione com alguns entraves jurídicos.
De resto, desenvolva suas habilidades – e boa sorte. Dias atrás
um certo Pedro Azevedo tentou sua cartada. Convocou os jornalistas
e, como já havia muita gente tirando a roupa, preferiu dizer
que tinha acabado de fazer ponta num filme do David Lynch. Alguns
acreditaram e publicaram. Outros investigaram. Era mentira, mas
ficou por isso mesmo. O Código Penal ainda não dedica
qualquer letra à vigarice de falsa celebridade.
A mulher que viveu sua lenda pessoal na posse de Paulo Coelho deve
ter pensado, como escreveu Mário Quintana, que ?a vida é
louca, a vida é uma sarabanda? – e tirou a roupa numa tentativa
de escrever, e imortalizar com as próprias carnes, aqueles
versos nas paredes do Palácio Trianon. Adentrou a celebridade
pelo avesso, o que também não configura qualquer crime.
Talvez não quisesse, no dia seguinte, ser confundida na rua
com aquela que dormiu com o Bambam na Casa dos artistas, ou aquela
outra que foi avaliada, de sara e de banda, pelo Itamar Franco em
Minas. Seria vulgar demais, cachê de menos. Inovou. Num gesto
revolucionário, ela poetizou o striptease e imediatamente
em seguida pôs-se com a fama em sossego. Antes que o fotógrafo
da Caras chegasse, cobriu-se. E assim, 15 milésimos de segundo
depois de quase perdida, recuperou aquela deliciosa paz do anonimato
que tanto perseguem os verdadeiramente famosos – e que o Beijoqueiro
jamais vai entender."
TV CULTURA
"Cultura planeja seriado e sitcom em 2003",
copyright Folha de S. Paulo, 11/11/02
"Decidida a conquistar telespectadores da classe
C, a ?elitista? TV Cultura planeja produzir em 2003 pelo menos um
seriado e uma sitcom (comédia de costumes). ?Estamos desenvolvendo
projetos de teledramaturgia para levar a possíveis patrocinadores?,
diz Walter Silveira, diretor de programação.
Um projeto de seriado já está adiantado.
Trata-se de ?Galera?, sobre o cotidiano de adolescentes. O piloto
(programa-teste) está pronto. Sem recursos do governo estadual
para investir em novos programas, a Cultura vai correr agora atrás
de patrocínios da iniciativa privada, como fez com ?Ilha
Rá-Tim-Bum?, e tentar viabilizar os 13 episódios da
série.
A sitcom, segundo Silveira, seria um programa de humor rasgado.
Também sob a orientação de conquistar a classe
C, a Cultura prossegue na semana que vem o ?realinhamento? da programação,
iniciado no dia 4, com o ?Cartão Verde? às segundas.
Baseada em pesquisa que aponta demanda por programas de variedades
para o público que dorme cedo, a Cultura muda a faixa das
20h.
Às segundas, continua o ?Cartão Verde?.
Nas terças, com estréia no dia 19, será exibido
o ?Alô, Alô?, entrevistas com toques de humor por Fafy
Siqueira.
Às quartas, haverá reprise do ?Viola, Minha Viola?.
Às quintas, reapresentação do ?Vitrine? (que
continua ao vivo às quartas, às 22h30).
E, às sextas, episódio não inédito de
?Planeta Terra?."
RESENHA / TV EM LIVROS
"Nossa TV", copyright Folha de S. Paulo,
9/11/02
"O Império do Grotesco, Muniz Sodré
e Raquel Paiva, Mauad (Tel. 0/xx/21/2533-7422), 154 págs.,
R$ 28,00
Muniz Sodré retoma, em co-autoria com Raquel Paiva, o tema
de seu ?Comunicação do Grotesco?. O novo tratamento
é oportuno, adequado a tempos em que o popularesco volta
a dar a tônica da programação televisiva e os
?reality shows? como que confirmam e dão continuidade a elementos
que ele detectou com propriedade nos primórdios da televisão
brasileira. O livro parte de uma discussão, no âmbito
da estética e da dramaturgia, sobre a definição
de grotesco, para terminar em mapeamentos empíricos concretos
na literatura, no cinema e na televisão. A estética
emerge aqui como campo de manifestações sensíveis
que não se limita à arte. Com um instrumental que
alude a Mikhail Bakhtin e aos linguistas pragmáticos do Círculo
de Praga, os autores enfrentam, no final do livro, a análise
de programas da TV brasileira, com destaque para figuras como Chacrinha
e Ratinho. Eventos que marcaram a trajetória de nossa TV,
como aparições de Seu Sete em programas de auditório
durante o governo Médici, também são mencionados,
em conexão com o grotesco e com padrões estéticos
associados a determinados segmentos sociais e configurações
ideológicas e políticas.
O Autor na Televisão, Lisandro Nogueira, Ed. UFG/Edusp (Tel.
0/xx/11/3091-4008), 148 págs., R$ 15,00
O cinema moderno nasceu em torno da idéia de autoria. O grupo
que se aglutinou nos ?Cahiers du Cinéma? fez a ?nouvelle
vague?, dialogou com o cinema clássico e com os cinemas nascentes,
chamou a atenção para a possibilidade do desenvolvimento
de estilos pessoais no produto audiovisual industrial. Alfred Hitchcock
e Douglas Sirk são alguns dos ?autores? hollywoodianos celebrados
pela reflexão e pelo trabalho de ?autores? europeus como
André Bazin, François Truffaut ou, uma década
depois, Rainer Werner Fassbinder. No Brasil, como alhures, a teledramaturgia
não se beneficiou da mesma atenção conceitual
que o cinema. O livro de Lisandro Nogueira discute essa lacuna elegendo
como referência a telenovela brasileira. Tomando o trabalho
de Gilberto Braga como exemplo principal -especialmente ?O Dono
do Mundo?, uma novela que foi reformulada para fazer frente à
acentuada queda de audiência-, Lisandro defende a força
da autoria na televisão. O livro é rico em informações
sobre o processo de criação de um grande teledramaturgo
contemporâneo.
Showrnalismo – A Notícia como Espetáculo, José
Arbex Jr., Casa Amarela (Tel. 0/xx/11/6846-4630), 290 págs.,
R$ 30,00
Com base em sua própria experiência como correspondente
internacional, testemunha de alguns dos eventos históricos
mais significativos do final do século 20, como a queda do
Muro de Berlim ou a perestroika, José Arbex reflete sobre
a lógica que rege o jornalismo contemporâneo. Calçado
em um estilo ensaístico ágil, Arbex especula sobre
as regras que produzem espetáculos para consumo cotidiano
ao redor do mundo -no cinema, na televisão, no jornalismo
e na ficção. Na linha de ?Sobre a Televisão?,
de Pierre Bourdieu, e dialogando com uma bibliografia ampla e eclética,
Arbex aborda criticamente aspectos formais e econômicos da
mídia contemporânea. O livro discute os mecanismos
convencionais de construção da notícia embutidos
em decisões editoriais guiadas por lógicas empresariais
e de poder. Arbex aponta a concentração crescente
de empresas em conglomerados com atuação global e
em áreas tão díspares -ou talvez nem tanto-
quanto as indústrias bélica e televisiva.
Os Exercícios do Ver – Hegemonia Audiovisual e Ficção
Televisiva, Jesús Martín-Barbero e Germán Rey,
Tradução: Jacob Gorender, SENAC (Tel. 0/xx/11/3284-4322),
182 págs., R$ 21,00
Os autores sistematizam o estado das artes na teledramaturgia colombiana,
mas, antes do exame de obras específicas, especulam sobre
o estatuto do audiovisual no continente latino-americano. Salientam
a operação de deslocamento temático-espacial
que o meio televisivo realiza, ao escapar do controle hierárquico
de instituições ?tradicionais? como a família,
a escola ou o partido político, acostumadas a um modelo pedagógico
de comunicação. Mais do que criar conteúdos,
como sugere Meyrowitz, a televisão operaria deslocamentos
de repertórios, capazes de desorganizar práticas que
confinam assuntos a determinados segmentos de idade, gênero
ou classe. Ao tornar repertórios restritos acessíveis
a públicos amplos, a televisão acenaria com a possibilidade
de inclusão. Na América Latina onde a cultura letrada
funciona há séculos, entre outras coisas, como repositório
restrito, o audiovisual adquire potencial específico. Entrando
nos meandros das formas audiovisuais predominantes no continente,
os autores avançam a hipótese que relaciona a insistência
na estrutura do melodrama com a reiterada busca de identidade que
caracteriza os países do Novo Mundo, de colonização
ibérica, marcados pela miscigenação."