Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Joaquim Ferreira dos Santos

QUALIDADE NA TV

ASPAS

FUNK PARA BRANCOS?

"Ventania 2000", copyright no. (www.no.com.br), 22/03/01

"Elvis já tinha embranquecido o rock, a Motown já tinha feito o mesmo com a soul music e a hidroquinona, então, nem se fala, com o rosto do Michael Jackson. Mas agora, de novo, tá tudo branco, tá tudo embranquiçado na cultura musical negra. O funk, que tinha começado como uma manifestação dos pretos pobres da periferia carioca, chega à televisão tingido de branco. É um caso de aplicar a lei Caó, a lei Afonso Arinos ou qualquer dessas punições contra os que impedem negros em elevadores sociais ou, no caso, em rede nacional de televisão.

A estratégia de marketing perverso vai ao ar todo sábado a partir de 13 horas na Bandeirantes. Deveria ser a versão televisiva dos bailes da Furacão 2000, a mais poderosa agenciadora de baile funk do subúrbio. Deveria ser o próprio bonde do Tigrão entrando com tudo, aparando a concorrência pela rabiola com seu orgulho racial. O que se vê, no entanto, é o espanto. No lugar do Black-Rio, o Omo-Rio. O auditório do programa é composto apenas de pessoas brancas. Há popozudas e tigrões aos montes. Mas nenhum negro. As cachorras? Branquésimas.

O programa, de duas horas de duração, é comandado pela hiperbólica Verônica Costa, a quarta mais votada entre os vereadores na última eleição à Câmara carioca. É uma senhora de seus trinta-e-poucos, mas não está nem aí: vai ao ar com a barriguinha de fora, toda purpurinadinha, uma coisa. Os funqueiros a tratam de mãe, mas percebe-se que Verônica gostaria mesmo é de ser chamada popozuda como as jovens colegas do auditório. Na vida real ela é casada com Rômulo Costa, o dono da Furacão 2000, e um dos responsáveis pela febre funk suburbana. O problema é que o nome de Rômulo apareceu na lista de um traficante. Foi preso. Sujou o filme. Por isso Verônica sobe ao palco e, loura, virou uma espécie de Xuxa Furacão.

Os cantores que se apresentam são SD Boyz, Tigrão, Adriana Quebra-Barraco, Mr. Catra, e outros, todos negros, todos da primeira hora, quando o movimento passava o pires apenas nos clubes insuportavelmente quentes da Zona Norte. Há um exagero no uso do santo nome Dele em vão quando Verônica, evangélica, conversa com os artistas, alguns também religiosos. É um tal de Jesus é isso, o Senhor é aquilo. Nas músicas o Barbudo também vem aparecendo com uma freqüência esquisita. Mas até aí tudo bem. O subúrbio anda crente. O problema maior é quando a Furacão 2000, hoje o maior fenômeno de vendas de CDs no país, vira a câmera para o auditório. Aí não dá para negar: há muito, talvez desde que Luciana encontrou Mick naquela festa dos Monteiro de Carvalho, não se via nada tão social climber.

Rolou um crivo estético, racial, social, sabe-se lá, mas alguém passou cerol legal nos bondes que animavam as festas originais. Ficaram todos estacionados do lado de fora. Nos bailes da Baixada Fluminense, como se sabe, o salão é dividido ao meio pela turma, digamos, de Belford Roxo de um lado e a de Caxias do outro. Quando alguém põe o pé na faixa de Gaza do território inimigo, leva porrada. No auditório da Band a platéia parece toda do mesmo bairro nos Jardins de São Paulo. O modelo de tudo é, visivelmente, o Planeta Xuxa. Há uns rapazes fortões dançando, exatamente como os da programa da loura original. E as garotas, embora caprichem naqueles meneios pélvicos, são todas autênticas representantes do segmento patricinha, ou seja, o avesso do avesso daquelas que fizeram a glória mulata da festa carioca.

O programa é gravado em São Paulo, mas isso não explica tudo. No futebol, os primeiros jogadores negros precisaram passar pó de arroz para burlar a preconceito. Nas escolas de samba, a televisão só se interessou mesmo pela festa quando os cartolas e delegados se misturaram com alas de turistas. Agora é a vez do funk maneirar no radicalismo de suas atitudes de gueto, buscar um visual que conserve a curiosa ousadia comportamental das galeras do Rio, mas não assuste a banca dos bacanas. ?Este é o funk do bem?, anuncia Verônica nas vírgulas de suas mensagens contra a violência. Ela sabe que todo cuidado é pouco. Há notícias de estupros em bailes, Rômulo Costa freqüentou celas de delegacias e, por mais que as dondocas do soçaite carioca já tenham ido ao Canecão tirar onda de cachorras, esse negócio de que um tapinha não dói é avançado demais para algumas das 387 cidades brasileiras alcançadas pela Band.

A mãe loura do funk, via TV, vai fazendo a sua parte. Busca inspiração no evangelho e se mistura, junto com a Vanessinha Pikachu, às ovelhas da ordem estabelecida. Pode ser uma estratégia eficiente para anestesiar aquele juiz de menores doido para inventar capetas. Depois de muito tempo passando o pires em bailes que no dia seguinte estavam no noticiário policial dos jornais populares do Rio, a Furacão 2000 conseguiu vender 2 milhões de CDs com o MC Esquisito, o MC Mascote e outros fenômenos. A hora é pragmática. Botar de lado o orgulho black dos excluídos, desideologizar a massa e abrir o estúdio, vinde a mim, às patricinhas brancas. Hora do Bonde do Tigrão se disfarçar de Trem da Alegria. Do furacão se fingir ventania."

MERCADO

"?Shop Tour? ganha canal em SP e rompe com CBI", copyright Folha de S. Paulo, 23/03/01

"São Paulo terá a partir da semana que vem um novo canal aberto de TV, o 46. O canal já está no ar, em fase de testes. Com um novo transmissor, de 40 quilowatts, instalado na região da avenida Paulista e que entra em operação nos próximos dias, poderá ser sintonizado em toda a região metropolitana daqui a dois meses.

O canal 46 pertence ao empresário Luiz Galebe, criador do ?Shop Tour?, programa de televendas que atualmente ocupa 21 horas no CBI (canal 16), de João Carlos Di Gênio. O programa existe há 14 anos, emprega 200 pessoas e fatura R$ 3 milhões por mês.

Galebe diz que o ?Shop Tour? deve sair do CBI até junho, ficando exclusivamente no 46 e em operadoras de cabo. O CBI negocia parceria de programação com o publicitário Nizan Guanaes.

O canal 46 vai se chamar Shop Tour TV e deverá integrar uma rede nacional. A geradora, comprada por Galebe em 98, é o canal 11 de Cachoeira do Sul (RS). A Shop Tour TV já tem autorização para instalar retransmissoras em Porto Alegre, Goiânia, Brasília e Belo Horizonte. O canal 46 é uma retransmissora, de Osasco, e formalmente não pode gerar programação. Mas toda a programação é feita e dirigida para São Paulo."

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