Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jogo bruto em Alagoas

MÍDIA REGIONAL

Celso Calheiros

Está difícil o exercício do jornalismo em Alagoas. Com o principal grupo de comunicação nas mãos de Fernando Collor de Mello, o cotidiano profissional tem sido duro para os jornalistas locais desde que o único espécime de presidente da República cassado no Brasil decidiu retomar sua vida política no Estado que o projetou nacionalmente – como deputado estadual, deputado federal, prefeito nomeado de Maceió e governador, depois eleito presidente em 1989.

Após frustrada candidatura à prefeitura de São Paulo no ano passado, quando teve seu registro impugnado e ainda assim recebeu magros 16.364 votos, Collor voltou com fome de leão a Alagoas. Qualquer batizado com sua presença virou pauta obrigatória nos veículos da Organização Arnon de Mello – os quais, de quebra, estão mobilizados numa feroz campanha contra o governador alagoano Ronaldo Lessa (PSB). E não é pequeno o poder de fogo do antigo "caçador de marajás": seu grupo reúne a TV Gazeta, afiliada da TV Globo; a Gazeta de Alagoas, o maior jornal do Estado; cinco emissoras de rádio (duas em Maceió e três no interior), além de outras empresas periféricas.

Collor voltou ao noticiário local na seqüência de um churrasco de arromba, servido no final de dezembro, para comemorar a retomada dos seus direitos políticos plenos, cassados por oito anos em função do processo de impeachment consumado em 1992. A festança transformou-se num evento político, agora constantemente relembrado.

Entre uma picanha e uma maminha, o ex-presidente falou para um dos repórteres que cobriam a festa que o governo de Alagoas estava "sem rumo e sem prumo". O governador Ronaldo Lessa rebateu: lembrou que Fernando Collor não tinha autoridade para falar do governo de ninguém.

Em 10 de janeiro, nova carga contra o governador. Dessa vez, a discussão deixou o espaço político e entrou na esfera policial. Pelas mãos da mãe do ex-segurança Cícero Cartola, surgiram uma carta e uma gravação denunciando o governador como mandante de um complô para matar o ex-tenente coronel Manoel Cavalcante. Ronaldo Lessa pediu para a Polícia Federal investigar a denúncia.

A publicação da carta e de parte da transcrição da fita foi feita pela Gazeta de Alagoas – e repercutida pelos outros veículos do grupo – sem que o acusado tivesse espaço para defender-se. Nem todo o conteúdo da fita foi divulgado. Collor o mantém sob seus cuidados e avisou que poderá revelar a íntegra "a qualquer momento". Essa técnica publicitária é antiga e tem lá sua eficiência na sustentação do interesse pelo caso.

Desde então, não há um dia em que o governo de Alagoas não seja notícia principal no jornal e nas emissoras da Organização Arnon de Mello. Tanta freqüência como alvo da imprensa de oposição levou o governador a entrar no jogo de Collor: Ronaldo Lessa determinou que nenhum secretário de Estado ou funcionário de segundo escalão falasse para qualquer jornal, rádio ou emissora de TV do seu adversário. Em outro despacho, excluiu a Organização Arnon de Mello da verba publicitária oficial. O clima, que era ruim, ficou pior.

Sem concorrência

Na quinta-feira (25/1), repórter e cinegrafista da TV Gazeta destacados para cobrir a participação do ministro Waldeck Ornelas, da Previdência Social, num evento em Maceió foram impedidos de trabalhar pelos oficiais da Polícia Militar que fazem a segurança do governador. A emissora da família Collor reproduziu durante todo o dia as cenas do segurança proibindo o acesso da equipe de TV – fato que mereceu notícia no Plantão e nos dois telejornais locais. A Gazeta de Alagoas publicou manchete sob o chapéu "Covardia" e com o título "Governador bate na imprensa".

O clima nas redações em Alagoas está tenso. Joaldo Cavalcanti, secretário de Imprensa do governo estadual e por dois mandatos presidente do Sindicato dos Jornalistas, considera a campanha contra o governo "uma guerra total". Critica a manipulação da noticiário e veste a saia justa na qual o governador o colocou. Tenta defender-se: "Não impediremos a participação dos profissionais da Organização Arnon de Mello nas entrevistas coletivas ou eventos públicos", diz.

O socialista Ronaldo Lessa não faz melhor papel. Primeiro foi vítima, sem direito de defesa, nas denúncias envolvendo-o na premeditação de um assassinato. Agora, está usando o poder de governador para impedir o livre exercício do jornalismo – sem falar na pressão que exerce por meio da manipulação da verba publicitária.

Collor deve estar satisfeito. Tem o controle do jogo porque manda no tabuleiro: é praticamente o único empresário da comunicação em Alagoas. A Tribuna de Alagoas não o ameaça. O jornal, montado pelo seu ex-tesoureiro Paulo César Farias, tem novo dono. A boca miúda, diz-se que foi Collor quem comprou a Tribuna, embora não se possa confirmar essa hipótese. É fato, porém, que o presidente do jornal concorrente (que coincidentemente segue a mesma linha editorial da Gazeta) é Elionaldo Magalhães, ex-superintendente da Sudene quando Collor era o todo-poderoso do Planalto.

O ex-presidente anunciou que planeja disputar as eleições de 2002 e está usando a imprensa para alcançar seu objetivo. Até o alagoano mais distraído já notou isso. Imagine, então, o dia-a-dia dos jornalistas, que sabem até onde essa estratégia leva. A história recente de Fernando Collor, de caçador (de marajás) a cassado, é o melhor exemplo.

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