TELEJORNALISMO
"Nova visitinha da tevê", copyright O Estado de S. Paulo, 9/12/01
"- Bom dia.
– Boa tarde.
– Eu sei, nós marcamos para as 11 e só estamos chegando agora. É que…
– …O trânsito em Botafogo e na Lagoa estava um inferno.
– Como é que você adivinhou? É isso mesmo. E um carro quebrou no túnel, foi a maior zona. Desculpe.
– Não tem problema, eu já estava esperando mesmo que vocês chegassem agora.
– Mas nós marcamos…
– Tudo bem, tudo bem. Vamos lá?
– Tem que ser aqui? A luz aqui é péssima.
– Então vamos lá para cima.
– A luz aqui em cima está forte demais, não sei se vai dar.
– Infelizmente, o sol não está sob meu controle.
– Ha-ha, essa é ótima, o sol não está sob meu controle. É por essas e outras que você é famoso, ha-ha. E aí, Gustavo, tá dando pra fazer?
– Com esse ar-condicionado funcionando, não dá, entra um ruído enorme.
– Então desliga o ar. Dá licença?
– Não, eu…
– Obrigada. E aí, Gustavo?
– Melhorou. Mas tem o problema do reflexo nos óculos. Não dá para fazer sem os óculos?
– Só se vocês me fornecerem uma bengalinha.
– Ha-ha-ha! Uma bengalinha! Você é engraçado mesmo. Mas dá para tirar os óculos?
– Ninguém jamais me viu sem óculos. Aliás, minto. Uma vez a Ava Gardner me pediu para tirar os óculos na hora H.
– Quem?
– Ava Gardner, Ava Gardner. Era uma artista de cinema.
– Ah, sim, vocês namoraram. Isso foi em 30 e quantos?
– Deixa pra lá, esqueça, esqueça.
– Eu compreendo, não quero ser indiscreta. E aí, Fernandão, e aí, Gustavo, tudo certo?
– Não dá para tirar os óculos?
– Não! Não!
– Vocês, celebridades, são de lascar, vou te contar. Tudo bem, tudo bem, vai prejudicar a matéria, mas tudo bem.
– Esse bigode grisalho também atrapalha, está dando uns reflexos no monitor.
– Eu não vou raspar meu bigode! Tire a mão de meu bigode!
– Tudo bem, tudo bem. Vocês, celebridades… E aí Gustavo, tudo em cima?
– Onde é que tem uma tomada? Ah, já achei, sem problema.
– Meu computador! Você tirou da tomada meu computador ligado!
– Sem problema, isso é superstição, é só botar na tomada de novo.
– E se ele me passar uma mensagem de que podem haver defeitos no disco rígido.
– Pode deixar, eu mesmo religo o computador pra você.
– Não, eu mesmo prefiro religar, pode deixar.
– Oquêi, depois não se queixe, a culpa não foi minha. Ninguém me falou nada, a tomada estava aí…
– Claro, claro, a culpa é toda minha. Vamos em frente.
– Isso me lembra uma coisa. Kátia, tu te recorda que a direção do programa pede movimentação?
– É isso mesmo. Não dava para você… Você tem outra camisa aí à disposição? Essa tem xadrezinho demais, dá pra mudar?
– Eu não vou mudar de camisa.
– Tudo bem, vai prejudicar a matéria, não sei nem se vai sair.
– Ah, então ótimo. Então ninguém grava nada.
– Esquece, não foi isso que ele quis dizer. De fato, se a gente não obedecer a certas condições, a matéria pode não sair. Mas aí é problema da produção e problema seu.
– Problema meu? Eu pedi a alguém para me entrevistar?
– Não, realmente não. Mas é um programa muito assistido, tem interesse promocional, e muito, para sua obra.
– Não tem interesse nenhum! Aliás, se for por isso, a gente pode dispensar tudo.
– Me admira o senhor, jornalista profissional, querendo ver uma colega furar a pauta.
– Eu não estou querendo que você fure a pauta. Eu só estou dizendo que não vou mudar de camisa.
– Tá legal, seria melhor que você tivesse um pouco mais de boa vontade. Mas, já que é assim, vamos em frente. Pode rodar aí, Gustavo?
– Positivo!
– Estamos aqui, na casa do escritor José Ubaldo Ribeiro…
– João.
– O quê?
– É João, não é José.
– Mas aqui na pauta diz que é José.
– Mas é João! É João! Eu me conheço desde pequeno, eu sou João, eu posso mostrar minha carteira de identidade! Eu sou João!
– Tudo bem, mantenha a calma, pô! Eu mudo aqui. Roda lá, Gustavo. Estamos aqui na casa do escritor João Paulo Ribeiro…
– João Ubaaaaaldo!
– Também não precisa ser grosseiro, foi apenas um lapso. Vocês, celebridades, vou te contar, hem?"