Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornais investem na fiscalização

QUARTO PODER

Monitor de Mídia (*)

Qual deve ser o papel da imprensa nos dias de hoje? Jornais podem ditar a agenda social? Até onde a mídia pode intervir nos fatos do cotidiano? Essas questões cercam as redações e traduzem um pouco da preocupação daqueles que estão de alguma forma envolvidos com os meios de comunicação: a mídia e o poder que ela exerce na sociedade contemporânea. Em Santa Catarina, este Monitor de Mídia observou nas últimas semanas quatro casos estampados nas páginas dos jornais que ilustram bem os movimentos da imprensa e seus comportamentos frente aos fatos.

Ousadia e denúncia

Além da mudança no projeto gráfico, a nova proposta editorial do Jornal de Santa Catarina passou a incluir a abordagem de temas polêmicos tratados de forma inusitada. É o que mostram matérias que renderam manchete nos dias 12 e 22 de maio.

Em resposta ao assassinato de um jovem por esfaqueamento, em frente a um bar, em Blumenau, fato noticiado no dia 9, a capa da edição de 12 de maio trouxe, em manchete, a constatação: "Nada impede entrada de armas em casas noturnas". Não se tratou de uma conclusão vã. O repórter Fiu Saldanha e o fotógrafo Gilberto Viegas, sem se identificarem como jornalistas, percorreram nove casas noturnas da cidade, estando o primeiro com uma arma de fogo.

A matéria "Liberdade para andar armado na noite", à página 4B, traz três fotos em cores de momentos em que o jornalista conversa ora com um segurança, ora com um policial, e tentando entrar na Rivage, uma das danceterias blumenauenses. Nas três imagens, a arma permanece à mostra às costas do repórter.

Conforme relatado no texto, o Ministério Público foi avisado de antemão "da intenção de demonstrar a fragilidade na segurança dos locais" e "a arma, legalizada, estava descarregada".

A iniciativa de produzir uma matéria deste cunho ressalta o caráter investigativo da profissão e introduz um debate amplo sobre a segurança que deve haver em locais públicos de diversão. Apenas na Rivage um detector de metais acusou a presença da arma, mas mesmo assim ninguém impediu sua entrada. É certamente de se supor que nada seria constatado ? e de forma tão alarmante ? se, em vez da ousadia, o jornal preferisse entrevistar os proprietários de casas noturnas.

A intenção rendeu respostas. O dono da Rivage disse que, se preciso, colocaria porta giratória (como as de banco) na danceteria. Dando continuidade ao assunto, no dia seguinte, a enquete do jornal perguntou: "Há segurança suficiente nas casas noturnas de Blumenau?" E, em meio a muitos elogios na seção de cartas, devido ao novo visual do periódico, também a dupla de repórter e fotógrafo é destacada "pela ousada matéria sobre segurança".

Na mesma linha, em tom de denúncia, a edição de 22 de maio traz, na primeira dobra da capa, três fotos que até pareceriam banais, por mostrarem um homem pulando uma janela. O fato é que a janela é da Delegacia de Pomerode, e o homem, um presidiário que cumpre pena em regime semi-aberto, e que chega a tomar conta do próprio local, por falta de supervisores. Novamente, a autoria do texto é do repórter Fiu Saldanha e as fotos, de Gilberto Viegas, exceto a que ilustra a matéria interna, feita pelo próprio presidiário com uma câmera digital da polícia, de acordo com a matéria. São ouvidas autoridades, mas algumas preferem não se manifestar e outras nem são encontradas. O assunto rende desdobramento, no dia seguinte, em entrevista com o delegado José Clock, delegado de Pomerode.

Mais uma vez, nota-se a busca pelo inusitado. Antes de o jornal recorrer às fontes oficiais, conversa com o próprio presidiário e revela a situação de descaso em que o mesmo se encontra. Em ambas as matérias, tanto em 12 quanto em 22 de maio, a própria polêmica dos assuntos traz consigo, ainda mais em relação às fotografias, um certo tom bem-humorado.

Nome aos bois

A divulgação da lista dos maiores devedores do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) foi tratada de maneiras diferentes pelos jornais catarinenses. Divulgada no dia 14, passou às páginas no dia seguinte. "Educação deve R$ 229 milhões ao INSS" foi chamada de capa do Jornal de Santa Catarina. Na editoria de Economia, a matéria "Estado figura entre devedores da Previdência" traz que o governo deve contribuições referentes às contratações de admitidos em caráter temporário na Educação e de autônomos e comissionados nas demais pastas, mas há compensações a serem deduzidas pela União. Com relação aos demais contribuintes, o jornal explica que "omite os nomes dos devedores listados pelo Ministério da Previdência em razão de que parte deles alega estar em processo de negociação com o INSS ou de contestação judicial das dívidas". O caso do estado é colocado como exceção porque a dívida é reconhecida. Apesar disto, a matéria "INSS descarta equívoco na listagem de devedores", da edição de 17 e 18, vem com o nome de duas empresas. A Confederal Vigilância e Transporte de Valores Ltda. e a construtora Andrade Gutierrez foram citadas e tiveram trechos de notas que divulgaram ? contrariando o INSS ? publicadas. Além destas edições, apenas mais uma tratou do assunto. A do dia 16 trouxe as matérias "Estado contesta dívida com o INSS" e "Amim rebate indicações feitas por Luiz Henrique" e, assim como as demais, tinham como base declarações do governo.

O Diário Catarinense seguiu a mesma linha de seu companheiro do Grupo RBS. No dia 15, "Secretaria de Educação é o 9? maior devedor" foi chamada de capa. Nas páginas de Política, a matéria "SC na lista dos devedores do INSS" vem acompanhada de box que traz alguns números, mas não indica quem são os inadimplentes. É o que ocorre no trecho: "Conforme levantamento, o maior débito, de uma empresa, chega a R$ 408,9 milhões. Em segundo lugar, aparece uma prefeitura, com R$ 402 milhões". No dia 16, além da matéria "Estado contesta dívida com o INSS" ,a lista dos devedores ganha editorial. Intitulado "O rombo da Previdência" traz que "entre os 28 maiores devedores, 16 são instituições oficiais", mas não cita quais são e nem a dívida catarinense é comentada. O jornal defende que "a principal parcela das obrigações não honradas correspondem a empresários que descontam a contribuição ao INSS dos trabalhadores, mas não a repassam aos cofres". Na coluna de Paulo Alceu, nota intitulada "Só a lista não adianta", ele aponta que "lamentavelmente, essa lista acabou se transformando em instrumento político" e encerra seu texto afirmando que "chega de proporcionar vantagens para os devedores, que enriquecem e são protegidos por uma legislação tendenciosa". Mesmo nestes textos de opinião, não há críticas diretas à dívida contraída pela Secretaria de Educação catarinense.

Em A Notícia, a edição do dia 15 estampa a manchete "Catarinenses devem mais de R$ 1,5 bi ao INSS" e, em suas páginas internas, os nomes dos inadimplentes já começam a aparecer no editorial. Intitulado "Lista dos devedores", defende que a divulgação é benéfica pela transparência e que "não existe motivo algum para a preservação dos nomes de devedores de impostos, independente da natureza do tributo". O assunto está presente também em outros espaços de opinião. Moacir Pereira traz em sua coluna que "a notícia prejudica a imagem de Santa Catarina, colocada entre inadimplentes nada recomendáveis como Transbrasil e Encol. E reforça a tese do governador Luiz Henrique de que o Estado não estava tão saneado como proclamava o ex-governador Amim". Para Claudio Loetz no Livre Mercado, "grandes empresas contratam escritórios de advocacia de ponta, postergam pagamentos, discutem na Justiça ? e podem, até ter razão. Quem nunca tem vez é o povão, aquele que depende de salário minguado".

Na página A5 é que AN se diferencia mais dos concorrentes. Traz um quadro com os 15 principais devedores do INSS no país e em Santa Catarina e o valor de suas dívidas. A matéria ao lado explica que "somente os que renegociaram suas dívidas, como entrando no Refis, e os que conseguiram na Justiça, por meio de um depósito judicial, impedir a exposição pública não fazem parte da redação". Em "Empresas contestam informações da lista", há declarações dos responsáveis por algumas empresas listadas ? Perdigão, Bunge, Sulfabril e Coperminas ? e traz em seu último parágrafo que "Oito, das 12 empresas do setor privado que figuram entre os 15 maiores devedores do INSS no Estado, foram procuradas pela reportagem de AN, mas não foram encontradas até às 20 horas de ontem".

De perto

O impasse em que se transformou o destino da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) diante da indefinição sobre quem deve ocupar a cadeira do reitor foi, a priori, "resolvido" com o decreto de intervenção pelo governador Luiz Henrique da Silveira. O fato, no dia 15 de maio, começou a ganhar as páginas dos jornais a partir do dia seguinte.

Com a manchete "Intervenção na Udesc revolta professores", A Notícia traz o assunto com foto de 14x11cm de manifestantes diante do palácio. Além disto, a capa traz também uma nota oficial do governador justificando sua intervenção. O assunto aparece já na página A2, seção Canal Aberto, de Cláudio Prisco, em forma de análise. O colunista analisa a questão através da indicação, que se trata de uma pessoa gabaritada ao mesmo tempo em que fere a autonomia da instituição. Na página ao lado, Moacir Pereira opina em sua coluna: "Polêmica e de grande repercussão política, a decisão do Governador Luiz Henrique de intervir na reitoria da Udesc vai render nos próximos meses. Politicamente, trata-se de um ato de força que fere a autonomia universitária. Juridicamente, apesar do respaldo de parecer normativo da Procuradoria-geral, poderá provocar novas ações judiciais…."

Na editoria Geral, pagina A11, o tema ocupa cerca de meia página, utiliza-se foto dos protestos em frente ao Palácio e box com a cronologia do caso. Em "Governador intervém na Udesc", AN expõe o caso utilizando-se de aspas para destacar determinadas palavras: "No final da noite, o Governador divulgou nota oficial, dizendo que seu compromisso é ?zelar? pela Universidade e garantir processo eleitoral ?justo e participativo?", "O estudo apontou ?ilegalidades? no estatuto aprovado pelo Conselho Universitário da Udesc (Consuni) no final de março e em vigor desde 1? de abril". Além deste aspecto, AN abriu espaço para a posição e a oposição se pronunciarem.

No dia seguinte, o assunto continua sendo capa no AN com a manchete "LHS manda demitir na Udesc". A matéria das páginas internas traz duas fotos, uma de Cechinel, Diomário e Jacó e outra da senadora Ideli Salvatti recebendo documentos sobre o suposto desvio de verbas. O periódico continua utilizando as aspas para ressaltar: "O governador Luiz Henrique da Silveira anunciou novas medidas ?duras? na administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), ontem à tarde em Joinville".

O jornal traz também uma nota em tom informativo "Denúncia aponta desvio de verbas do Finep" tratando sobre o recebimento por Ideli Salvatti de documentos que comprovem um suposto desvio de finalidade de verbas.

Em "Mandado aposta em contradições", o periódico relatou a contradição do governo Luiz Henrique da seguinte maneira: "A questão do estatuto é crucial porque aponta as regras de composição do colégio eleitoral. Se ficasse com estava ? março de 2003 ? a reeleição de Zumblick ou de algum dos seus aliados seria facilitada, devido ao considerado excessivo peso aos professores e alunos do Ensino à Distância (EaD). É o que suspeita a oposição" e "Nas duas primeiras horas de trabalho, Diomário de Queiroz se reuniu com a equipe de Cechinel e diretores de centros. Alegando necessidade de se familiarizar com os dois estatutos, preferiu não opinar sobre o conteúdo dos documentos. Também afirmou que somente na próxima semana decide o futuro dos cargos comissionados, como os pró-reitores, por exemplo".

Já o Jornal de Santa Catarina, no dia 16, traz na capa a nota oficial sobre o caso, com bordas vermelhas e logomarca da administração estadual. A nota ocupa um espaço considerável da capa, ou seja, 14×16 cm da metade da capa para baixo.

Nas páginas internas, o assunto é tratado na editoria Geral, pág. 2B. A nota tem apenas 19 linhas e representa um simples lead, sem informações adicionais à contextualização do assunto. Como confirma o lead do texto "Governador intervém e escolhe novo reitor" do Diário Catarinense, do dia 16, os textos são iguais: "A novela em que se transformou o destino da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) teve um capítulo decisivo ontem".

Como nos demais diários, o assunto também aparece na capa do Diário Catarinense. Além da manchete "Luiz Henrique intervém na Udesc e nomeia reitor" traz também a nota oficial. A manchete é desenvolvida na página 28, editoria Santa Catarina, a matéria "Governador intervém e escolhe novo reitor" ocupa uma página e traz foto do Governador LHS diante de um carro em frente ao protesto, além de box explicando a "novela" que vinha se arrastando há um ano. O texto é informativo com declarações dos envolvidos como o Governador "Fiz todas as tratativas possíveis para não interferir, mas os que estavam no comando da universidade só queriam a perpetuação". No dia 17, o assunto rende mais uma chamada na capa: "Posse na Udesc tem boas vindas e protestos". Nas páginas internas, o caso é relatado nas páginas 4 e 5.

Viagens oficiais

Não é de hoje que governadores viajam em missões internacionais para defender os interesses dos estados. Antes de Luiz Henrique rumar para a Europa, Amin já havia passado pelo Oriente Médio, entre outros destinos. O que diferencia a cobertura jornalística atual das demais é que, desta vez, a imprensa desenvolveu mais o seu papel de fiscalizador dos poderes, informando os detalhes da viagem. De maneira geral, os jornais concordaram que a viagem traria benefícios para Santa Catarina e não colocaram em xeque a validade da missão, mas sim quem deveria ir, quem arcaria com as despesas e quanto tudo isso custaria para o contribuinte.

Ainda que a cobertura desta vez tenha sido mais específica e preocupada, o que demonstra uma evolução do jornalismo praticado pela imprensa catarinense, continua longe do ideal.

O governador Luiz Henrique da Silveira viajou para a Rússia no sábado (16/5), com volta prevista para 2 de junho. Nas páginas dos jornais, constatou-se que houve tentativas de contextualizar as razões da viagem, dando detalhes como a lista dos membros da comitiva, os custos com as diárias (só no Jornal de Santa Catarina, e apenas referente às despesas com o prefeito Décio Lima) e sobre o roteiro pretendido.

Entretanto, alguns dados ficaram inexatos, principalmente no DC, que afirmou uma coisa na edição de sexta-feira e outra completamente diferente na de sábado: no primeiro dia, o jornal trouxe matéria com o título "Missão revive esperança de criador", onde disse que a principal missão do governador era reabrir as exportações de carnes, suspensas desde 24/12/2002. A contradição aparece no sábado, quando o diário trata como "recente ? e já revertida" a suspensão da importação de carne suína do estado. Se os negócios já estavam restabelecidos com os russos, por que uma missão internacional para reatar as exportações?

O Santa contextualizou a viagem com os detalhes sobre a participação do prefeito de Blumenau, Décio Lima, e sua esposa, Ana Paula Lima. Disse que quando um prefeito se ausenta por mais de dez dias, é necessário retirar uma licença com a Câmara de Vereadores, o que foi feito. Disse ainda que as despesas (citadas em números) serão pagas com dotação orçamentária do gabinete, o que não esclarece ao leitor se afinal é o contribuinte ou não que vai pagar pela viagem.

Embora os três jornais tenham dado a lista com os participantes da missão, o leitor percebeu diferenças entre elas. A Notícia, por exemplo, trouxe toda a lista, inclusive com os nomes de primeiras-damas, jornalistas e empresários. O texto intitulado "Mais de 40 viajam com governador", além de dizer os objetivos da missão, mostrou que a comitiva tinha 43 nomes, 15 dos quais políticos. Só não ficou claro para o leitor o que as 28 pessoas restantes fariam na Europa…

(*) Projeto da Univali (SC) de acompanhamento sistemático dos jornais catarinenses. Na rede <http://www.cehcom.univali.br/monitordemidia> desde 2001, com coordenação do professor Rogério Christofoletti