Jornal do Brasil

"?Deveria pedir que ficassem mais tempo com ela?, diz Silvio Santos, após entrevista da filha, libertada na madrugada

As imagens eram típicas de último capítulo de uma novela exibida pelo SBT, sempre fiel ao estilo dos dramalhões mexicanos: a moça rica, na sacada da mansão, com a multidão a registrar um final feliz. A mocinha consegue sair de um seqüestro ilesa, diz perdoar seus malfeitores e atribui a ação deles a um sistema econômico injusto e corrupto. Afirma que seu drama terminou por interferência divina e repreende o pai milionário, por não ter Deus em seu coração. Foi um fenômeno: 3,7 milhões de espectadores, apenas em São Paulo, acompanharam, mesmerizados, ontem à tarde, a transmissão do final feliz do seqüestro de Patrícia Abravanel, 23 anos, filha do apresentador Silvio Santos.

Patrícia, estudante de administração de empresas, evangélica da Igreja Vida Nova, chegou à sua casa às 2h50 de ontem, depois de sete dias de cativeiro, libertada com o pagamento de R$ 500 mil de resgate. No fim da tarde, duas pessoas foram presas pela polícia de São Paulo, acusadas de manter Patrícia num cativeiro a 3,5km da casa em que mora no Morumbi, na capital paulista.

O valor do resgate corresponde a 0,06% do patrimônio declarado de Senor Abravanel, 71 anos, nome de batismo do pai de Patrícia, que começou como camelô e atingiu R$ 900 milhões em bens. Inicialmente como o animador de auditório Silvio Santos e hoje como proprietário da segunda maior rede de televisão do país.

Se saíssem de um roteirista de dramalhão mexicano, as frases proferidas por pai e filha daquela sacada no Morumbi seriam tachadas pela crítica como inverossímeis. Primeiro as falas em que Patrícia nascia de novo, desta vez como estrela, em seus exatos 16 minutos de fama:

– Eu perdôo os seqüestradores; eu não perdôo o sistema da corrupção. Eu quero que o juízo de Deus venha sobre o sistema de corrupção do Brasil, porque o povo brasileiro merece ser cuidado.

– Meu pai está assim: esse Deus aí é poderoso, é mais do que eu. Esse Deus aí não precisou do meu dinheiro. Ele está ó, tremendo nas bases. Meu pai precisa de Deus. E quem tem Deus não sofre.

– Eles (os seqüestradores) me levaram chá quente; programação (de TV), eu que escolhia. Joguei baralho com eles, orei com eles, eles se arrependeram.

Silvio Santos acompanhou o depoimento da filha, dentro de casa pela televisão, como requeria o espetáculo. Até se juntar a ela na sacada para uma sacada:

– Vocês já perceberam que ela é pastora. Ela é a pastora Patrícia e, com esse discurso que fez, não se surpreendam se amanhã ela se candidatar a algum cargo eletivo.

Com o sorriso que lhe é habitual, fez uma daquelas piadas que tornaram seu programa um sucesso popular.

– Eu endosso e me surpreendo com essa filha, que me dá um trabalho fora do comum. Eu devia pedir aos seqüestradores que ficassem mais tempo com ela.

A Rede Globo suspendeu sua programação três vezes entre as 16h11 e 16h43 de ontem. Primeiro para ouvir Patrícia. Depois, para dar voz ao seu ex-funcionário e hoje rival. A média do ibope da Globo no horário saltou de 14 para 22 pontos. O SBT, para variar, ficou em segundo com 12 pontos. Como em toda novela mexicana, a filha, religiosa e justa, dobrou o pai rico e ficou com o pico da audiência: 25 pontos na Globo quando segurava a transmissão sozinha, uma verdadeira campeã de audiência. Depois de sete dias nos quais a família insistia em que o seqüestro fosse mantido longe das telas, o espetáculo terminou com a marca do sucesso.

"Nem Anita, nem Sukita. A ninfeta da vez é Patrícia Abravanel, 23 anos. Sua aparição de 20 minutos em rede nacional ontem deixou a audiência em transe com um interminável chorrilho de declarações de amor a um senhor bem mais velho, Deus, e sarros em outro nem tanto, o próprio pai, Silvio Santos. O primeiro é ?justo e faz justiça?. O segundo precisa dividir melhor o dinheiro e ajudar no combate à corrupção. ?Ele está, ó, tremendo nas bases.? Foram 20 minutos de tensão, um ótimo programa de televisão em que ninguém tinha idéia aonde ia aquela pregação maluca. Esperava-se que Silvio, judeu, aparecesse para rápidas palmadas na menina. Mas que nada! Quando ele saiu de trás da cortina, curtiu com a cara do broto, a quem chamou de ?pastora Patrícia?. Beijos, abraços. ?Os seqüestradores deviam ter ficado mais tempo com ela?. A Grande Família finalmente no SBT.

Patrícia não nega a raça Abravanel e quando pega da palavra logo se afeiçoa muito a ela. Não larga mais. Parecia Silvio Santos na loquacidade dos tempos de camelotagem, parecia o Gugu falando horas seguidas enquanto controla o mercúrio do ibope subindo e massacrando o Faustão do outro lado. Os seqüestradores chamavam Patrícia de princesa. Não é possível que, olhando seus longos cabelos, seus dentes alvos e bem alinhados, o rosto precisando apenas de um rápido peeling para corrigir as erupções hormonais da adolescência – não é possível que a redação da Playboy ontem não tenha sido acometida de um frisson básico. Caramba! Erramos de Sukita!

O Brasil pentecostal mostrou sua cara em rede nacional e não ficou muito claro se ele estava regulando bem. Patrícia fala como se orasse num culto, rindo em pânico quando o assunto é trágico, em permanente estado de choque como se exorcizasse demônios. Se ninguém havia entendido até agora, aí está: Patrícia é a pícara sonhadora que o SBT prometeu estrear esta semana.

?Meu pai precisa de Deus, quem tem Deus não sofre?, repetia Patrícia, absolutamente elétrica e insaciável no culto do Evangelho e das palavras despejadas ao estilo programa de auditório da família. Os seqüestradores devem ter sofrido o diabo com a pregação. Deus não só explica tudo, como se faz de vírgula e êxtase na boca da patricinha. Desde Adélia Prado, que nas suas poesias erotiza o amor ao Cristo, não se via o Senhor na companhia de uma mulher tão jovem, que joga os cabelos e revira os olhos para sublinhar de sensualidade divina o Seu anúncio.

Impossível não lembrar de outra Patrícia, a Hearst, também filha de homem de comunicação, também milionária que se apaixonou por umdos seqüestradores. Não houve qualquer alô saudoso, no entanto. Apenas discurso entre o PT e o Garotinho. ?O que você faz quando vê seus filhos pasando fome?? Teve um momento em que, da sacada, começou a dizer que no momento da libertação ?queria voar, queria voar?. Temeu-se o pior, mas era só um gancho para o próximo segmento: a entrada em cena de Silvio Santos.

?Eu sou profissional, ela fala com emoção?, matou SS ao sair dos bastidores e encerrar o fantástico, quer dizer, o quanto vale o show na sessão da tarde de ontem. Patrícia diz que foi solta por Deus. Não deu um tostão. A polícia diz que o show custou R$ 500 mil. Quem vai pagar o pato certamente vai ser o coitado do Faustão. Prepare-se que o Domingo Legal do Gugu vem com a infância, a adolescência, os ursinhos e – daqui já dá para ouvir as trombetas do Senhor ecoando no estúdio – o primeiro CD evangélico de Pat.

Depois das lágrimas, o sorriso."