Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jornal do Brasil

COBERTURA DA GUERRA

"A TV polêmica", copyright Jornal do Brasil, 9/10/01

"O canal Al Jazeera, a chamada CNN árabe, lançou-se em todo o mundo com imagens dos primeiros ataques americanos contra o Afeganistão e das declarações de Osama Bin Laden. ?Não mudaremos nunca nossa estratégia de cobertura. Os telespectadores são nosso único júri?, disse o presidente do primeiro canal árabe de informação contínua por satélite, o xeque Hamad Ben Thamer Al Thani.

De suas modestas instalações em Doha, capital do Catar, a Al Jazeera é a única TV presente no território afegão sob domínio do regime talibã. Os primeiros bombardeios contra Cabul foram transmitidos ao vivo pela emissora no domingo. O canal também levou ao ar declarações exclusivas do homem mais procurado do mundo, Bin Laden, gravadas pouco antes de começarem os bombardeios. ?Acusam-nos de favorecer o ponto de vista de Bin Laden, o que não é verdade?, afirma o presidente da Al Jazeera. ?Por que se critica a Al Jazeera, que, ao contrário de todos os veículos de comunicação internacionais, optou há dois anos por abrir uma filial em Cabul? Buscamos os acontecimentos.?

O emir do Catar, Hamad Bin Jalifa al Thani, reconheceu na semana passada que os Estados Unidos pediram-lhe para pressionar a Al Jazeera, em busca de uma cobertura mais favorável aos americanos. Mas o presidente da emissora é incisivo: ?Não deixamos que ninguém nos manipule. Na Guerra do Golfo, em 1991, a CNN transmitiu ao mundo todos os discursos das autoridades iraquianas, sem que fosse acusada de estar-se transformando em porta-voz de Saddam Hussein. Demos voz a todas as partes envolvidas?, argumentou Al Thani, integrante da família que reina no Catar. O xeque recorda que seu canal ?sempre foi alvo de acusações de ser pró-Iraque, pró-Israel e agora pró-talibã?.?"

"TV dos EUA fará corte em informação", copyright Jornal do Brasil, 11/10/01

"Alegações do governo americano de que as últimas mensagens do grupo terrorista Al Qaeda poderiam conter sinais em código com ordens para novos atentados levaram ontem as redes de TV dos EUA a se comprometerem a não divulgar mais os comunicados da organização dirigida por Osama Bin Laden na íntegra e em tempo real. Desde o início da ofensiva americana o Afeganistão, já houve dois os comunicados: um proferido pelo próprio Bin Laden e outro por Suleiman Abu Gheith, que se identificou como porta-voz da Al Qaeda. As recomendações foram feitas em nome do presidente George W. Bush pela assessora de segurança nacional americana, Condoleezza Rice, em uma reunião com os executivos das principais emissoras.

A fonte de ambos os comunicados é a mesma: a rede de televisão Al Jazeera, baseada no Catar. A emissora, que tem grande audiência no mundo árabe, é a única do mundo a ter passe livre em território afegão sob controle talibã e divulgou a maioria dos comunicados recentes da Al Qaeda. Suas imagens – principalmente quando se trata de alguma mensagem da organização terrorista ou de novas imagens de Bin Laden – vinham sendo repetidas por todas as principais redes de TV americanas, aumentando seu alcance.

Senso – ?Rice pediu às redes que usem o bom senso sobre como transmitir estas mensagens pré-gravadas??, disse o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer. ?Na melhor das hipóteses, a mensagem de Osama Bin Laden é uma propaganda conclamando as pessoas a assassinarem americanos. Na pior, ele poderia estar dando ordens para seus seguidores iniciarem novos ataques??.

Agentes da inteligência americana têm esquadrinhado cada segundo dos vídeos em busca de sinais da localização de Bin Laden ou de ordens em código para atacar. Segundo fontes anônimas citadas pela agência de notícias Reuters, as autoridades americanas já impediram quatro ataques contra embaixadas dos EUA no último mês.

Fleischer disse que o controle das informações não se trata de censura. ?A mídia toma suas próprias decisões??, disse ele. Após o encontro, a maioria das emissoras se dispôs a não mais divulgar a íntegra dos comunicados e também a não transmiti-los em tempo real. A CNN chegou a afirmar que buscará o auxílio das autoridades para avaliar o conteúdo do material. A recomendação pode valer pouco, já que a Al Jazeera pode ser sintonizada nos EUA.

Vazamentos – Os jornais ainda não foram chamados para uma conversa, mas isso não foi descartado por Fleischer. Foi exatamente a divulgação pelo Washington Post de informações sigilosas repassadas a congressistas que mais irritou Bush. Um parlamentar contou ao jornal que a inteligência americana informou que o risco de um novo atentado ?era de 100%??. O Post recebeu outras informações secretas, que preferiu não divulgar.

?Quero que o Congresso ouça em alto e bom som: é inaceitável vazar material sigiloso quando há soldados em risco??, disse Bush na terça-feira, pouco antes de ordenar que este tipo de informação fosse comunicado a apenas oito congressistas. Ontem, contudo, diante do protesto dos parlamentares, Bush voltou atrás e decidiu liberar a divulgação para um número maior, mas ainda pequeno, de legisladores."

"Jornalista acusado", copyright Jornal do Brasil, 11/10/01

"O jornalista francês Michel Peyrard, detido em território afegão disfarçado em uma burca (vestimenta que cobre o corpo das mulheres), deverá ser julgado pelo regime talibã sob a acusação de espionagem. ?Avisamos a todos os jornalistas que qualquer um que entrasse no Afeganistão ilegalmente seria tratado como soldado americano??, declarou o chefe dos serviços de inteligência talibãs, o mulá Taj Meer, que disse que o jornalista havia pedido perdão, mas será julgado mesmo assim.

Peyrard, tem 44 anos e trabalha para a revista Paris-Match. Quando foi preso preso, ele estava com dois jornalistas paquistaneses que também foram detidos. O repórter francês levava um celular via satélite, um gravador e ?outros instrumentos de espionagem??, segundo autoridades talibãs.

O governo da França questionou o anúncio do julgamento, classificando-o de absurdo. ?Está claro que Michel Peyrard é um jornalista conhecido e fazia uma reportagem. Acusá-lo de espionagem é um absurdo??, declarou o porta-voz do Ministério do Exterior.

Espancamentos – Apesar das informações de que Peyrard estava sendo bem tratado e examinado por médicos, uma fonte talibã afirmou que os três estrangeiros detidos ontem teriam sido espancados na rua. ?A multidão queria que entregássemos os três homens para serem castigados??, disse. Peyrard é o segundo jornalista ocidental detido desde o início da crise. A britânica Yvonne Ridley, libertada pelos talibãs, chegou ontem em casa."

"Olho em terra de cegos", copyright No. (www.no.com.br), 11/10/01

"Ligar para o Catar, um pequeno e rico emirado árabe, até que é fácil. A linha é clara e sem ecos e o homem que atende em árabe do outro lado passa, com boa vontade, para um razoável inglês. Difícil, nestes dias, é falar com Ibrahim Hilal, editor-chefe da TV Al-Jazeera. O canal transmitido por satélite, que exibe uma programação de 24 horas de notícias e programas jornalísticos, virou notícia por ser o único a permanecer no Afeganistão, transmitindo entrevistas com Osama Bin Laden e os lideres talibãs, e mostrando os efeitos do bombardeio. O desconforto do governo americano, que pressionou o emir do Catar e as TVs americanas que têm retransmitido as imagens da Al Jazeera, promoveu a emissora à manchete.

Diretor do escritório de Londres da Al-Jazeera, Yousir Fouda parecia esbaforido ao falar ao telefone, na tarde de quinta-feira, 11: ?Estou de saída para dar uma entrevista à CNN e outra à BBC… Desculpe, mas estou completamente sobrecarregado de pedidos?. Em Doha, capital do Catar, o assistente de Ibrahim informou que o editor-chefe estava concedendo uma entrevista por telefone. ?Você pode ligar de novo, mas ele provavelmente vai estar dando outra entrevista?.

Quando finalmente Ibrahim atende o telefone, reclama um pouco – ?Não consigo fazer meu trabalho? – mas não esconde o bom humor. Afinal, a atenção mundial que a emissora do pequenino Catar conseguiu está trazendo prestígio e dinheiro. Segundo o jornal Washington Post, a Al-Jazeera está cobrando US$ 20 mil por cada minuto exibido em TVs americanas – dinheiro muito bem-vindo numa emissora largamente bancada pelo emirado, que vem lutando – sem grande sucesso – para melhorar o seu mirrado faturamento comercial. ?Nós investimos muito para ter uma operação no Afeganistão porque sabíamos que ali havia um potencial de grandes notícias. Agora, estamos sendo recompensados por este esforço?, diz o editor.

Nas horas que se seguiram ao início do bombardeio em Cabul, as imagens da Al-Jazeera foram motivo de uma disputa entre emissoras americanas. A Al-Jazeera anunciou ao mercado que tinha um acordo comercial com a CNN e que as demais TVs só poderiam exibir as suas imagens seis horas depois da emissora a cabo. Fox e ABC ignoraram a advertência. A CBS e a NBC telefonaram para a CNN e souberam que a TV de Ted Turner pretendia fazer valer seus direitos na Justiça. Nem ligaram. Todas trataram de interceptar as transmissões via satélite e capturar as imagens, alegando o interesse público e o conceito de ?uso justo?, que permite ?emprestar? material de televisão em casos de emergência nacional. ?Eram as únicas imagens de uma área onde os Estados Unidos está começando uma guerra. Não havia a menor dúvida que nós iríamos mostrá-las?, disse Dianne Brandi, vice-presidente da Fox News Channel, numa reportagem do site da emissora. A CNN decidiu não levar o caso aos tribunais.

A Al-Jazeera abriu sua sucursal em Cabul em 1999, depois de quase um ano pedindo autorização ao governo. Há um correspondente, Taysir Alluni, e um câmera – o resto da equipe de doze pessoas é de técnicos, motoristas e pessoal administrativo. Quase todos são afegãos e foram treinados pela própria empresa. Trabalhar em Cabul nunca foi fácil. ?Tivemos de enfrentar a máfia, muitos roubos e os talibãs mais radicais, que consideram qualquer tipo de filmagem anti-islâmico?, conta Ibrahim. Duro, mas nada que se possa comparar ao perigo de ver a chegada de um Tomahawk interromper as transmissões.

Até agora, o bombardeio passou longe do estúdio da Al-Jazeera em Cabul. ?Acho que a inteligência americana sabe exatamente onde ele está, e está tomando cuidado para não atingí-lo?, diz Ibrahim. O editor-chefe não sabe se falta comida para os jornalistas ou o que sua equipe faz quando começa a chover bomba em Cabul. ?Para dizer a verdade, não dá tempo para falar sobre isso. Nós mal conseguimos nos comunicar com eles?, explica. Os contatos são feitos por um telefone móvel ligado diretamente a um satélite. A hostilidade dos talibãs certamente diminuiu, reconhece ele – ?Hoje somos a única janela para se comunicarem com o resto do mundo? – mas, segundo Ibrahim, isso não lhes garante um salvo-conduto para todo o território afegão. Há mais de uma semana eles tentam sem sucesso permissão para enviar uma equipe a Kandahar, quartel-general talibã.

Numa região onde a imprensa está acostumada a lidar com variados graus de censura e onde o jornalismo de TV era sonolento até a inauguração da Al-Jazeera, em novembro de 1996, reclamações e ranger de dentes de governos não são nada de novo. Inspirada no modelo da BBC – vários dos seus principais jornalistas trabalharam como correspondentes para a rede inglesa – a Al Jazeera ganhou nestes cinco anos a reputação de uma emissora onde tanto se podem assistir entrevistas de políticos israelenses quanto de líderes do Hamas. Saddam Husseim escolheu a emissora para conclamar os islâmicos a derrubar governos árabes aliados dos EUA, mas Tony Blair deu uma longa entrevista à Al Jazeera e o porta-voz da Casa Branca disse que Bush está considerando falar à TV árabe. ?Nosso slogan é ?Uma opinião, outra opinião??, diz Ibrahim.

Seus oponentes, no entanto, descrevem a TV como instrumento da globalização e anti-islâmica. ?As idéias venenosas que são transmitidas pela TV ocidental são fáceis de lidar porque sabe que pensamento estão tentando transmitir. Mas quanto este pensamento venenoso chega através de um canal árabe, é muito mais perigoso, pois se esconde por trás da nossa cultura?, acusou em um editorial o jornal saudita Al-Jazeera que, como a TV, tem o nome da península arábica.

Segundo uma reportagem de abril de 2000 do semanal Al-Ahram, desde a sua inauguração os diplomatas de Catar já contabilizaram mais de 400 reclamações contra a emissora, quase todas de países árabes. O escritório da Al-Jazeera na Cisjordânia foi fechado pela Autoridade Palestina depois que ela exibiu um documentário considerado ofensivo por Yasser Arafat. Na Argélia, o governo cortou a eletricidade de todo o país para impedir que uma reportagem fosse assistida. ?Também já tivemos problemas com a Síria, Jordânia, Tunísia e Sudão. O incrível é sofrermos isso dos Estados Unidos, que para mim sempre foi um símbolo de liberdade de imprensa?, diz Ibrahim.

O governo de Washington acredita que as mensagens dos talibãs e de Osama Bin Laden podem esconder mensagens em código para novos ataques. A justificativa, usada pelo governo americano para pressionar a imprensa a ?rever? _ ou censurar _ o material da Al Jazeera antes de exibí-lo, é considerada exagerada pelo jornalista árabe. ?Nós costumamos editar o material, e isso alteraria toda a mensagem. E eles podem também editar o conteúdo?, diz Ibrahim.

Em geral, o emir de Catar se defende das acusações alegando que a Al-Jazeera é uma empresa privada e independente. Numa visita a Washington na semana passada, o Sheik Hamad bin Khalifa al-Thani confirmou que o secretário de Estado Colin Powell havia considerado a cobertura da Al-Jazeera anti-americana. Pouco antes, a embaixada americana em Catar já tinha feito uma queixa formal ao governo contra a emissora. ?Naturalmente, consideramos estas coisas com um tipo de conselho?, disse o Sheik, que baniu a censura prévia sobre a imprensa de Catar em 1995. ?Mas a questão aqui é que o Catar está entrando numa vida democrática, o que exige a liberdade de imprensa, e que esta imprensa tenha credibilidade?.

Para o Sheik, que investiu US$ 150 milhões para estabelecer o canal e continua dando subsídios oficiais de US$ 100 milhões por ano para mantê-lo, a Al-Jazeera se tornou um poderoso instrumento de política externa. Considerado um país menos sofisticado e desenvolvido que outros estados do Golfo, o Catar vem ganhando peso político, como mostrou o encontro de representantes de 56 países islâmicos realizado na quarta-feira em Doha. Ao mesmo tempo, a sua tradição de neutralidade facilita o trabalho dos repórteres em países estrangeiros. Uma TV síria não poderia, por exemplo, entrevistar dissidentes egípcios sem causar furor no Cairo. Segundo críticos, Al-Jazeera só não aplica o seu estilo de reportagem independente aos problemas do Catar. Injustiça, garante Ibrahim. ?Nós fizemos matérias extensas sobre uma tentativa de golpe militar, tortura e manifestações contra o governo?, diz o editor-chefe.

O certo é que a Al-Jazeera e as antenas parabólicas fizeram um impacto duradouro no mundo árabe. A invasão do Kuwait pelo Iraque só foi noticiada na Arábia Saudita três dias depois. ?Isso nunca poderia acontecer hoje?, disse Jon Alterman, da ong americana Institute of Peace e estudioso do assunto, ao site Middle East On Line. Segundo Alterman, hoje 70% da população do Golfo Pérsico recebe notícias pela parabólica. Depois da sua inauguração, a concorrente MBC adotou um estilo mais jornalístico. Abu Dabi também lançou uma rede de televisão concorrente. Mas a Al-Jazeera continua sendo a maior emissora árabe, com 35 escritórios no mundo, e um público estimado em 40 milhões de pessoas. A redação reúne jornalistas de vários países árabes e várias tendências políticas e religiosas e pode se orgulhar de alguns furos históricos, como a primeira entrevista com Osama Bin Laden, em 1998.

Um deles foi a entrevista com Robert Hatem, o Cobra. Ex-guarda-costas de Eli Hobeika, um dos chefes da milícia Falange Libanesa, Cobra acusou Hobeika de ter cometido uma série de assassinatos (inclusive o da própria filha) sido o responsável pelo massacre de refugiados palestinos nos campos de Sabra e Shatilla, em 1982. A entrevista causou furor no Líbano, onde vive Hobeika, e o acusado foi obrigado a dar um depoimento de três horas à TV local, explicando cada acusação. Hobeika acusou os israelenses do massacre. Era a primeira vez que um político do Oriente Médio era obrigado a se submeter a um interrogatório público tão impiedoso.

Até recentemente, o grande sucesso da Al-Jazeera eram os programas de debates, como ?A Direção Oposta? e ?A Outra Opinião?. Faisal Al-Qasim, apresentador de ?A Direção Oposta?, acredita que a TV terá uma influência profunda na sua cultura: ?Al-Jazeera está dissecando questões que têm estado encobertas por séculos. Nós árabes temos muita sujeira embaixo do tapete, e a Al-Jazeera está revelando toda esta sujeira?. Apesar disso, a direção da emissora não quer mais apostar tudo nos talk-shows. A celebração dos cinco anos da TV deverá trazer novos cenários e uma nova programação, com mais reportagem. No futuro próximo, eles também pretendem lançar outro canal de notícias sobre o mundo árabe, em inglês, destinado ao público europeu e americano. Depois do petróleo, a notícia está se tornando o maior produto de exportação do Catar."

    
    
                     
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