Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornal do Brasil

SEQÜESTRO DE OLIVETTO

"Entrevista", Dos Leitores, copyright Jornal do Brasil, 10/2/02

"Não sei se estou sendo cruel, mas minha solidariedade ao drama vivido por Washington Olivetto durou até o início de sua entrevista coletiva. Que pessoa prepotente. Precisava daquele tipo de declarações? Que arrogância! Pensei que esse episódio, que deploro, pudesse colocá-lo mais realista, mais humano. Precisava falar que o presidente conversou com ele por 35 minutos? Benedito Paulo da Luz, Rio de Janeiro.

Parecia estarmos diante de um desses heróis de filmes americanos que tudo sabem, tudo controlam e sempre se salvam na última hora. Também não havia necessidade de expressar-se em língua estrangeira em alguns momentos. Faltou-lhe a humildade que normalmente acompanha as pessoas que passam por experiências traumáticas. Não acredito, porém, que o Sr. Washington Olivetto seja um exibicionista, a julgar pelos depoimentos das pessoas que sobre ele se manifestaram. Fica a lição da inconveniência de tais entrevistas, por estarem as vítimas sob forte impacto emocional, além de alertar os bandidos quanto às falhas de suas operações. Delmi Vasques Silva, Niterói.

A entrevista que o empresário Washington Olivetto concedeu para falar sobre o seqüestro do qual foi vítima traduz toda a megalomania que assola um bom número dos protagonistas desta nossa sociedade do espetáculo. Os jornalistas não puderam fazer perguntas que se prolongassem por mais de meio segundo e ofuscassem o brilho do entrevistado, Olivetto parecia o ator, diretor e produtor de um filme épico, cabendo aos seqüestradores o papel de singelos coadjuvantes. Olivetto não tem culpa, claro: a sociedade, doente, é que se delicia com tipos como o bem-sucedido empresário que não conseguiu crescer um nada ao longo dos 53 dias em que foi mantido em um cativeiro.? Alda Regina Soares da Costa, Rio de Janeiro."

"Olivetto na revolução dos bichos", copyright Folha de S. Paulo, 10/02/02

"Em tom de desafio, o presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou do Congresso, na quinta-feira passada, a aprovação imediata de leis que reduzam a impunidade dos criminosos no Brasil. Garante que, se os deputados e senadores quiserem, em apenas uma semana as medidas já estarão aprovadas.

Por todos os lados, velhas propostas -algumas delas se arrastando há décadas- ganharam sentido de emergência. Passou a ser ?para ontem? a mudança do Código de Processo Penal, de modo a dificultar aos delinquentes o uso de brechas na lei que lhes permitem sair da cadeia, a unificação das polícias Civil e Militar e o desenvolvimento de núcleos de inteligência destinados a enfrentar a violência, além da ampliação do policiamento ostensivo e comunitário.

A pergunta mais importante é a seguinte: será que atingimos tamanho grau de saturação que o país vai enfrentar o crime como enfrentou a inflação?

Ou trata-se de mais um desses surtos de emergência provocados por fatos de alta repercussão na mídia, como o sequestro do publicitário Washington Olivetto e o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel?

Daqui a pouco tempo, o Brasil estará mergulhado na Copa do Mundo, e os políticos, nas eleições. Haverá o mesmo fervor para exigir mudanças do Congresso e força para enfrentar o corporativismo das polícias?

Menos pelo ?reality show? da TV Globo -o ?Big Brother?- e mais pelo pânico gerado pela sensação de que em cada esquina existe alguém nos espionando, pronto para atacar, o livro de 2002 é ?1984?, de George Orwell.

Não bastasse os mais abonados instalarem sistemas de controle conectados por satélite em seus automóveis, fala-se, com entusiasmo, de uma nova invenção -uma minúscula peça que, devidamente implantada nos indivíduos, serve de localizador. É o fim total e inapelável de qualquer chance de solidão.

Na semana passada, a nação viu dois homens serem tratados e enjaulados como animais. O cubículo-cativeiro de Washington Olivetto, sem nenhuma luz natural, acompanhado durante as 24 horas do dia por uma câmera, era menor do que uma jaula. Por uma perversa ironia, os sequestradores ofereceram como presente ao publicitário o livro ?1984?.

Foi encontrado também um empresário de 75 anos acorrentado e algemado pelos seus sequestradores, numa situação que seria constrangedora até para um bicho.

Atordoado com a repercussão negativa dos fatos -e com a possibilidade de complicar-se nas eleições-, o governador Geraldo Alckmin pressionou a polícia para que mostrasse serviço, revirando favelas e bairros periféricos atrás das quadrilhas de sequestradores. Atirou no que viu e também acabou acertando no que não viu.

Deu a impressão de que, quando quer, a polícia consegue ser eficiente. Até quando vai continuar esse empenho? Será que isso vai depender da notoriedade das vítimas?

A verdade é simples: apenas quando a elite econômica se sentiu totalmente desamparada e paranóica a segurança subiu ao topo da agenda de resoluções dos governantes.

Afinal, de que adianta ter dinheiro e viver como se fosse um fugitivo ou um prisioneiro?

Por questões absolutamente pragmáticas do tipo ?não adianta ganhar dinheiro e viver escondido?, a perda de investimentos em regiões que não ofereçam um mínimo de tranquilidade e a difícil sustentação eleitoral de governadores que não acalmem as ruas, há uma razoável chance de apostar na idéia de que não se trata de um surto -a cobrança permanente de eficiência policial veio mesmo para ficar.

E, assim como os índices de inflação eram acompanhados mês a mês e destruíam reputações, os números da violência serão usados, certa ou erradamente, para dizer se o governador é bom ou ruim.

Derrotou-se a inflação pela simples razão de que se percebeu que aquela situação de descontrole da moeda não interessava a quase ninguém; foram necessários muitos anos para que se atingisse tal estado de saturação.

É a mesma sensação de saturação a que já ocorre em relação à violência. A elite conseguiu, até agora, privatizar a educação dos filhos e o sistema de saúde; na falta de boas escolas e de hospitais públicos, paga pelo serviço. Tenta agora privatizar a segurança -mas nunca vai conseguir saber se os agentes que a protegem não estão ligados a um grupo de delinquentes.

A nação se conscientizou, no passado, de que, com a inflação em disparada, a sociedade deixava de ser funcional -assim como a violência está tirando a funcionalidade das regiões metropolitanas e das grandes cidades ao comprometer sua elite dirigente.

Do mesmo jeito que a inflação gerou embustes e paliativos, com seus vários congelamentos artificiais, os políticos -podem apostar- vão apresentar ilusões para acalmar os eleitores, ações de curta duração.

Mas logo se verá que elas não funcionam. Muito esforço vai ser despendido -como na batalha contra a inflação- para que não precisemos viver acuados como bichos. É o preço que se paga pela má distribuição de renda, pela baixa escolaridade e pela falta de investimentos sociais. Só alguém com o raciocínio animalesco pode achar que a polícia consegue lidar sozinha com tantos desafios ao mesmo tempo.

PS – Além de ?1984?, outro livro de George Orwell me vem à cabeça: ?A Revolução dos Bichos?, alegoria sobre o poder, em que animais se rebelam contra a perversidade daqueles que, pelo medo, dominam a sociedade."

 

"Trapaceiros e cativeiros", copyright O Estado de S. Paulo, 10/02/02

"Mesmo um filme mediano de Woody Allen tem algo para extrair.

Trapaceiros foi saudado por critiquinhos de cinema brasileiros como uma comédia despretensiosa, insinuando-se que tudo que ele deveria querer fazer eram comédias despretensiosas… (O curioso é que seu melhor filme não é uma comédia, Crimes e Pecados; mas só um humorista poderia ser tão triste.) Fazer crítica não é só dar uma nota de avaliação e apor um punhado de adjetivos; é também interpretar o que se está dizendo ou querendo dizer. E Woody faz uma sátira aos que tratam a cultura como verniz, capaz de disfarçar o móvel mais podre. Por outro lado, ao contrário do que disseram as resenhas, ele não está exaltando a ?pureza? ou o que quer que seja. O personagem de Hugh Grant, com seu guarda-roupa glamouroso, não tem caráter, mas a de Tracey Ullman aprende com ele, pelo menos, a distinguir o verdadeiro e o falso, enquanto seu marido continua a ser o ignorantão sonhador.

?Não existe cidadania sem conhecimento. O conhecimento qualifica a cidadania. Sem isso, ela é puro protesto ou submissão?, notou outro dia neste jornal a educadora Guiomar Namo de Mello. ?Existe uma tendência de entender cidadania como algo separado, que é até transformado em disciplina.

É um engano, porque a cidadania deve estar presente o tempo todo.? E o problema hoje é que a escola tem falhado em transferir conhecimento, em induzir a cultura como hábito de adquirir e processar conhecimento, pela competição com os meios de informação e entretenimento, com a própria realidade e com o próprio conhecimento, cuja velocidade e complexidade não consegue acompanhar. Tudo é piorado pela idéia elitista (esta sim) de que cultura é uma espécie de código privilegiado que garante a aceitação social.

Lembra aquela pesquisa em que a maioria dizia que filme de Steven Spielberg não é ?cultura??

Mas a vulgaridade galopante da chamada mídia de massa é o maior inimigo. Não pelos motivos habitualmente convocados, como decência, pátria, tradição, nostalgia, vanguarda, elevação, etc., etc. Se você quer assistir a Big Brother, assista. Se gosta de filmes de ação, problema seu. Se quer ver ?uma novelinha pra relaxar?, vá em frente. Se gosta de sacudir a cabeça ao ritmo tecno, do it. Mas, primeiro, não trate os que gostam daquilo que você acha ?chato? como uns excêntricos que não têm prazer na vida. E, segundo, comece a atentar para o efeito de seus hábitos culturais – sim, culturais – em você mesmo. Big Brother, por exemplo, é o grau zero da televisão – tudo aquilo que ela sempre explorou de pior, a fofoca, a frivolidade, os baixos instintos. Não há a ?aura? da ficção que existe na telenovela, em que, afinal, os atores precisam convencer minimamente de que encarnam personagens; é o caminho mais direto para a revista Caras, sem mediação de qualquer forma de mérito.

Seu mal maior, no entanto, não é o que deixa explícito. Involuntariamente, o título diz tudo. O Grande Irmão de George Orwell era o sistema de vigilância contínua dos atos dos cidadãos. Teóricos da comunicação costumam dizer que os telespectadores não passam de vidiotas, de escravos da mídia que fabrica a realidade, etc. Mas não é isso. O que está errado não é que as pessoas demonstrem curiosidade por esse tipo de coisa, mas que se deixem viciar; não é que consumam, mas que consumam obsessiva, maniacamente; não é que queiram ?espiar? um casal namorando ou dois colegas tentando mutuamente puxar o tapete, mas que abdiquem das outras coisas para ver isso, perdendo todo o senso crítico. O mal, enfim, não é ver TV ou mesmo ver TV ruim; é ver TV quatro horas por dia, sete dias por semana. Esse é o verdadeiro cativeiro cultural, não o desse bando de crianções confinados numa casa com piscina. O ignorantão sonhador, antes de tudo, nem sabe que não é feliz.

Do dengo à dengue A irresponsabilidade da elite brasileira não tem tamanho. Enquanto as vertentes políticas ficam petecando a culpa de uma para outra (para a esquerda, o crime organizado está a serviço da direita; para a direita, a serviço da esquerda; para os governos federal, estaduais e municipais, a omissão é sempre das outras esferas), a sociedade só sabe reagir com histeria e os analistas só sabem repetir platitudes, como se o problema fosse meramente moral ou técnico, e não cultural. Quando Washington Olivetto diz que brasileiros não o teriam seqüestrado, vê-se a gravidade da situação."