ELEIÇÕES 2002
“Disputa mais leve pela TV”, copyright Jornal do Brasil, 15/10/02
“A campanha presidencial voltou à televisão ontem, com os novos programas de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e José Serra, do PSDB. A partir de agora, em todo o segundo turno os dois candidatos vão dividir o mesmo espaço diário – 20 minutos para cada um deles, metade às 13h, metade à noite, às 20h50.
O uso desse tempo no primeiro programa, porém, foi bem diferente. Lula usou imagens dos aliados e comemorou o desempenho do PT nas urnas. Ainda assim, várias vezes o programa respondeu, previamente, à estratégia de José Serra de pedir mais debates na televisão. De fato, como era previsto, a pressão por mais debates ocupou boa parte do programa tucano.
Aproveitando os novos aliados, o programa do PT mostrou Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) pedindo aos eleitores que deram a eles 25 milhões de votos que, agora, optem por Lula. Até a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, apareceu. Ainda na cama de um hospital, onde se recupera de uma cirurgia, Roseana acenou para os espectadores, chamando-os para que venham para Lula.
Mas o tópico mais visitado no horário eleitoral foi mesmo o debate. O programa petista defendeu a idéia de que Lula já participou de vários debates durante o primeiro turno, na TV e no rádio, acentuando, com recortes de jornal, que, segundo os espectadores, o candidato teve melhor desempenho que os adversários.
E como para encerrar a discussão, marcou o único debate com a participação de Lula no segundo turno: dia 25, na TV Globo, que inova no formato do programa com os candidatos circulando livremente pelo cenário. Inspirada em similares americanos, a fórmula do encontro entre presidenciáveis e eleitores indecisos é inédita no Brasil.
Minutos depois o tema debate foi repetido durante o programa de José Serra. Os dez minutos do tucano foram ocupados com uma espécie de entrevista, onde ele defendeu que o segundo turno serve para uma comparação entre os principais candidatos e, portanto, insistiu para a realização de mais encontros com o adversário do PT. A linha principal foi ?Lula não está querendo debate?.
– Eu não entendo o porque da resistência do PT para que seu candidato, o Lula, debata comigo – repetiu Serra.
O tucano aproveitou a ?entrevista? para apresentar suas promessas sobre emprego, programas sociais e segurança – ponto em que defende a mudança na Constituição para que o governo federal possa ajudar os Estados no combate ao crime.
Serra ainda elogiou a vice, Rita Camata, e os projetos defendidos por ela como a ampliação da licença-maternidade. Finalmente, lembrando que foi exilado durante a ditadura, Serra comemorou estar participando de uma eleição democrática entre dois candidatos ?de origens humildes?.”
“Para Lula entender a sua vitória”, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 14/10/02
“Na vida pública, assim como na vida particular, não é incomum pessoas tomarem decisões desastradas por interpretarem equivocadamente as razões de seu sucesso. Esse é o risco para o qual deve se precaver o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva. Ele precisa avaliar com toda a frieza, sem o conforto das idéias preconcebidas e dos dogmas doutrinários que lhe sejam caros, os motivos de sua vitória no primeiro turno, a qual – salvo uma reviravolta a esta altura pouco provável – deverá ser ratificada no próximo dia 27.
Essa avaliação é crucial para que, desde logo e até depois de sua eventual ascensão ao Planalto, Lula, como esta página já assinalou, deixe de ser parte do problema da crise de confiança enfrentada pelo Brasil e passe a ser parte da sua solução. Por isso, o País só terá a ganhar se o candidato encontrar, na sobrecarregada agenda que aparentemente o impede de participar de mais de um debate eleitoral na TV, tempo para ler as manifestações de cinco cientistas políticos brasileiros sobre os resultados do primeiro turno, saídas na edição de ontem deste jornal. Nelas há elementos de sobra para dissipar a ilusão de que a safra recorde de votos colhida pelo PT se deve a uma guinada maciça do eleitorado nacional rumo à esquerda.
Para o cientista político Gaudêncio Torquato, da USP, por exemplo, o que ocorreu no penúltimo domingo foi uma ?onda racional? e não uma ?onda vermelha?, conforme o título de seu artigo publicado à página A2. Segundo ele, não foi o eleitor que saiu do lugar: ?Continuou crítico e sensível às intempéries do meio ambiente (…) e o sentido expresso pelo voto foi o do inconformismo e de um acentuado desejo de mudança.? É impossível discordar do argumento de Torquato de que ?o PT, esse sim, foi quem saiu do lugar?. Ou quando ele pergunta: ?Que vermelhidão se pode encontrar na mistura de lulismo com quercismo??
De seu lado, em entrevista, o professor Leôncio Martins Rodrigues, da Unicamp, contesta a idéia de que o êxito de Lula teria sido ?uma manifestação dos excluídos?. Prova disso, segundo ele, é que ?a maior parte das classes altas, como a alta burocracia pública e empresários, apoiou Lula?. O seu colega Fábio Wanderly Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chamou a atenção para outro ponto: ?O apoio eleitoral a Lula tem pouco a ver com as idéias dos mentores do partido. Não pode ser visto como recado ideológico.? Na mesma linha, o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), foi taxativo: ?Não se trata de voto ideológico no PT. O lulismo é muito maior que o petismo.?
A conclusão óbvia a extrair dessas análises é que Lula, como candidato ou presidente, enveredará pela contramão do sentimento popular – além de prejudicar gravemente o País – se orientar os seus atos por crenças ideológicas e não pela mais pragmática racionalidade. Nesse sentido, ele agirá bem se cumprir o que aventou no sábado: fazer nos próximos dias um forte pronunciamento reiterando os termos da Carta ao Povo Brasileiro, na qual o PT assegurou que, em caso de vitória, respeitará os contratos assinados e manterá a austeridade fiscal. Lula agirá ainda melhor se anunciar, antes do segundo turno, os nomes do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central (BC) de seu eventual governo. Ele reluta em fazê-lo sob a alegação de que estaria sendo arrogante. Mas ninguém disse isso de José Serra quando avisou que manteria Armínio Fraga no comando do BC.
Será uma dádiva para o Brasil, enfim, se Lula associar o PT à articulação em curso no Congresso de um amplo acordo de sustentação da transição, como informou na sexta-feira a Gazeta Mercantil. Promovido pelo presidente da Câmara dos Deputados (e governador eleito de Minas Gerais), Aécio Neves, com o aval do presidente Fernando Henrique, esse pacto pela governabilidade prevê a ?limpeza? da pauta parlamentar, com destaque para o projeto que regulamenta o artigo 192 da Constituição, sobre o sistema financeiro. Entre outros aspectos de impacto sobre a economia, o projeto define o grau de autonomia do Banco Central.
Mesmo se o Brasil estivesse no melhor dos mundos essa iniciativa política seria conveniente. Na atual conjuntura, é uma oportunidade que não se pode desperdiçar. E o engajamento do PT em favor desse processo representaria um ato talvez mais eficaz para mudar as expectativas dos agentes econômicos, do que todas as promessas de moderação do seu favorito candidato presidencial.”