ASPAS
"Garotinho diz que grampo é complô", copyright Folha de S. Paulo, 14/07/01
"Governador diz que referência a ?500 pratas? em grampo não é propina, mas sim pagamento de prêmios a ouvintes
Um empreiteiro de Campos, a Receita Federal, o Palácio do Planalto e setores da imprensa carioca estão unidos para dificultar a chegada de Anthony Garotinho à Presidência da República. É essa a interpretação do governador do Rio de Janeiro a respeito das fitas, cujo conteúdo o Jornal do Brasil divulgou ontem, envolvendo-o na suposta corrupção de um funcionário da Receita.
Garotinho procurou o JB para explicar a origem das fitas e do complô do qual se diz vítima. ?Essas fitas foram gravadas e estão sendo distribuídas pelo empreiteiro Guilherme Freire, de Campos, que não passa de um bandido, de um escroque?.
Segundo o governador, Freire era um pequeno empreiteiro que, durante o seu primeiro mandato como prefeito de Campos, teve oportunidade de participar da construção de diversas obras públicas, fazendo com que sua empresa crescesse.
Ao deixar a prefeitura para se tornar secretário da Agricultura do Estado, Garotinho foi sucedido em Campos por Sergio Mendes, primo de Guilherme Freire. Garotinho veio a saber que Freire criara em Campos uma máquina de ganhar concorrência e vinha açambarcando boa parte das obras públicas. Procurou então o seu sucessor na prefeitura para pedir que restringisse o raio de ação do empreiteiro.
Represália – Foi a vez então, na versão do governador, de Freire procurar Garotinho. Em represália à tentativa de fazer com que não ganhasse licitações, o empreiteiro teria ameaçado Garotinho de divulgar centenas de fitas com gravações de fitas telefônicas.
?Freire divulgou várias dessas fitas no seu jornal Folha da Manhã?, diz Garotinho. ?Ele é um bandido. Na eleição de 1998 tentou vender um lote delas por US$ 1 milhão. Ele se acertou com o Cesar Maia, que divulgou uma delas?. O JB não localizou Freire para que comentasse as acusações do governador.
Garotinho diz saber o nome da pessoa do primeiro escalão do governo que comprou fitas de Guilherme Freire. ?Tem gente no Palácio do Planalto comprando fitas para fazer com que eu caia nas pesquisas dos candidatos à Presidência?.
Receita – O governador afirma que a investigação a que está sendo submetido pela Receita também tem objetivos políticos. ?A Receita foi usada primeiro contra o Ciro Gomes, depois contra o Itamar e agora contra mim.?
Não obstante, o governador reconhece que as declarações de renda de sua mulher, Rosinha, de 1995, estão erradas. ?O contador dela não declarou um bem. Isto é errado, mas não houve dolo?, sustenta. ?O erro já prescreveu, mas permanece a questão moral. Por isso, mesmo sem ser obrigado, vou ressarcir a Receita?.
A imprensa é o derradeiro elemento na conspiração imaginada por Garotinho. ?Desde que houve aquele caso envolvendo o João Moreira Salles com o traficante, setores da imprensa carioca ficaram contra mim?, explica. ?Eles queriam que eu ficasse do lado do banqueiro?.
O governador acha que o Jornal do Brasil é ponta de lança de uma campanha para desmoralizá-lo. ?O JB colocou uma foto minha sem cabeça, ou de ponta cabeça, na primeira página do domingo passado?, exemplifica.
Garotinho acha que está sendo vítima de uma campanha que vem abalando sua família. ?A Rosinha está com depressão há dois dias. Ela não pára de chorar, e diz que eu não mereço essa campanha contra mim?.
Explicações – Ontem o governador passou o dia a se explicar. Começou no próprio programa de rádio que mantém e se repetiu durante todo o dia. ?Não há nada de anormal?, declarou. ?Isso tudo é política. A única intenção é prejudicar minha candidatura à Presidência da República.?
O governador contestou que as conversas, mantidas com seu ex-sócio na empresa Garotinho Editora Gráfica, Jonas Lopes de Carvalho, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, demonstrassem tentativa de suborno do fiscal da Receita Federal Marcos Pereira de Azevedo para a obter a autorização para fazer sorteios de carros e uma casa em seu programa de rádio e TV em 1995 – ?Show do Garotinho?.
?Li a transcrição da fita. Não há qualquer envolvimento meu em nenhuma tentativa de suborno?, disse Garotinho. ?Mais do que isso, o fato de chegar a 20 anos de política tendo como patrimônio uma casa em Campos, herdada da família, é o suficiente para provar que não sou corrupto e não preciso usar de expedientes, como a matéria tentou induzir?, disse o governador. ?Em nenhum momento a transcrição comprova suborno ou qualquer irregularidade. Não tenho medo de nenhuma investigação. Quero que seja feita com isenção, porque vai me dar um atestado de idoneidade?, concluiu ele.
Equipe – Os personagens das conversas são assessores próximos do hoje governador. Primeiro, o contador Waldemar Duarte narra a Jonas Lopes de Carvalho a conversa com o fiscal da Receita Marcos de Azevedo. Duarte relata que a fiscalização da Receita poderia ser subornada para liberar as autorizações dos sorteios. Ele chega a repetir para Jonas como foi a abordagem ao fiscal.
Em outro diálogo, Garotinho narra para Jonas Lopes de Carvalho a operação financeira que deveria ser feita na sua empresa para justificar o aumento de capital social (de R$ 10 mil para R$ 190 mil), o que permitiria a obtenção da licença para a realização do sorteio. Ele também mostra-se preocupado sobre como se defender do fiscal da Receita.
Ainda em São Paulo, Garotinho afirmou que o trecho do diálogo em que o contador fala em ?500 pratas? a Jonas Lopes de Carvalho – sugerindo proposta de suborno ao fiscal da Receita Federal – era, na verdade, ?a combinação sobre o valor de prêmios relacionados a sorteios? que estariam sendo feitos pela empresa de sua mulher. ?Foi uma montagem?, disse o governador, negando que tenha tomado conhecimento ou participado de qualquer diálogo sobre proposta de suborno.
Montagem – Garotinho admite que o conteúdo das fitas é real, mas afirma que elas foram montadas e editadas para sugerir que tenha havido uma proposta de suborno. Diz que o conteúdo já teria sido usado por seus adversários durante a campanha pela prefeitura de Campos em 1996 e também na disputa pelo governo do Rio, em 1998. ?Tem até conversas de meus colaboradores com suas respectivas amigas?, disse.
Garotinho afirma que tem dúvidas se, como jornalista, teria publicado o grampo. ?Já fui jornalista e sei que em determinados momentos tem que romper um pouquinho a barreira dos limites?, disse.
O governador esteve em São Paulo para gravar uma entrevista no programa Passando a Limpo, com o jornalista Boris Casoy, na TV Record, que seria levada ao ar no domingo à noite. Casoy sugeriu que, em vez de gravada, a entrevista fosse ao vivo e Garotinho concordou. O governador almoçou com bispo Honorilton Gonçalves e outros dirigentes da emissora e depois retornou ao Rio de Janeiro."
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"Garotinho diz que grampo é complô", copyright Jornal do Brasil, 14/07/01
"Um empreiteiro de Campos, a Receita Federal, o Palácio do Planalto e setores da imprensa carioca estão unidos para dificultar a chegada de Anthony Garotinho à Presidência da República. É essa a interpretação do governador do Rio de Janeiro a respeito das fitas, cujo conteúdo o Jornal do Brasil divulgou ontem, envolvendo-o na suposta corrupção de um funcionário da Receita.
Garotinho procurou o JB para explicar a origem das fitas e do complô do qual se diz vítima. ?Essas fitas foram gravadas e estão sendo distribuídas pelo empreiteiro Guilherme Freire, de Campos, que não passa de um bandido, de um escroque?.
Segundo o governador, Freire era um pequeno empreiteiro que, durante o seu primeiro mandato como prefeito de Campos, teve oportunidade de participar da construção de diversas obras públicas, fazendo com que sua empresa crescesse.
Ao deixar a prefeitura para se tornar secretário da Agricultura do Estado, Garotinho foi sucedido em Campos por Sergio Mendes, primo de Guilherme Freire. Garotinho veio a saber que Freire criara em Campos uma máquina de ganhar concorrência e vinha açambarcando boa parte das obras públicas. Procurou então o seu sucessor na prefeitura para pedir que restringisse o raio de ação do empreiteiro.
Represália – Foi a vez então, na versão do governador, de Freire procurar Garotinho. Em represália à tentativa de fazer com que não ganhasse licitações, o empreiteiro teria ameaçado Garotinho de divulgar centenas de fitas com gravações de fitas telefônicas.
?Freire divulgou várias dessas fitas no seu jornal Folha da Manhã?, diz Garotinho. ?Ele é um bandido. Na eleição de 1998 tentou vender um lote delas por US$ 1 milhão. Ele se acertou com o Cesar Maia, que divulgou uma delas?. O JB não localizou Freire para que comentasse as acusações do governador.
Garotinho diz saber o nome da pessoa do primeiro escalão do governo que comprou fitas de Guilherme Freire. ?Tem gente no Palácio do Planalto comprando fitas para fazer com que eu caia nas pesquisas dos candidatos à Presidência?.
Receita – O governador afirma que a investigação a que está sendo submetido pela Receita também tem objetivos políticos. ?A Receita foi usada primeiro contra o Ciro Gomes, depois contra o Itamar e agora contra mim.?
Não obstante, o governador reconhece que as declarações de renda de sua mulher, Rosinha, de 1995, estão erradas. ?O contador dela não declarou um bem. Isto é errado, mas não houve dolo?, sustenta. ?O erro já prescreveu, mas permanece a questão moral. Por isso, mesmo sem ser obrigado, vou ressarcir a Receita?.
A imprensa é o derradeiro elemento na conspiração imaginada por Garotinho. ?Desde que houve aquele caso envolvendo o João Moreira Salles com o traficante, setores da imprensa carioca ficaram contra mim?, explica. ?Eles queriam que eu ficasse do lado do banqueiro?.
O governador acha que o Jornal do Brasil é ponta de lança de uma campanha para desmoralizá-lo. ?O JB colocou uma foto minha sem cabeça, ou de ponta cabeça, na primeira página do domingo passado?, exemplifica.
Garotinho acha que está sendo vítima de uma campanha que vem abalando sua família. ?A Rosinha está com depressão há dois dias. Ela não pára de chorar, e diz que eu não mereço essa campanha contra mim?.
Explicações – Ontem o governador passou o dia a se explicar. Começou no próprio programa de rádio que mantém e se repetiu durante todo o dia. ?Não há nada de anormal?, declarou. ?Isso tudo é política. A única intenção é prejudicar minha candidatura à Presidência da República.?
O governador contestou que as conversas, mantidas com seu ex-sócio na empresa Garotinho Editora Gráfica, Jonas Lopes de Carvalho, hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, demonstrassem tentativa de suborno do fiscal da Receita Federal Marcos Pereira de Azevedo para a obter a autorização para fazer sorteios de carros e uma casa em seu programa de rádio e TV em 1995 – ?Show do Garotinho?.
?Li a transcrição da fita. Não há qualquer envolvimento meu em nenhuma tentativa de suborno?, disse Garotinho. ?Mais do que isso, o fato de chegar a 20 anos de política tendo como patrimônio uma casa em Campos, herdada da família, é o suficiente para provar que não sou corrupto e não preciso usar de expedientes, como a matéria tentou induzir?, disse o governador. ?Em nenhum momento a transcrição comprova suborno ou qualquer irregularidade. Não tenho medo de nenhuma investigação. Quero que seja feita com isenção, porque vai me dar um atestado de idoneidade?, concluiu ele.
Equipe – Os personagens das conversas são assessores próximos do hoje governador. Primeiro, o contador Waldemar Duarte narra a Jonas Lopes de Carvalho a conversa com o fiscal da Receita Marcos de Azevedo. Duarte relata que a fiscalização da Receita poderia ser subornada para liberar as autorizações dos sorteios. Ele chega a repetir para Jonas como foi a abordagem ao fiscal.
Em outro diálogo, Garotinho narra para Jonas Lopes de Carvalho a operação financeira que deveria ser feita na sua empresa para justificar o aumento de capital social (de R$ 10 mil para R$ 190 mil), o que permitiria a obtenção da licença para a realização do sorteio. Ele também mostra-se preocupado sobre como se defender do fiscal da Receita.
Ainda em São Paulo, Garotinho afirmou que o trecho do diálogo em que o contador fala em ?500 pratas? a Jonas Lopes de Carvalho – sugerindo proposta de suborno ao fiscal da Receita Federal – era, na verdade, ?a combinação sobre o valor de prêmios relacionados a sorteios? que estariam sendo feitos pela empresa de sua mulher. ?Foi uma montagem?, disse o governador, negando que tenha tomado conhecimento ou participado de qualquer diálogo sobre proposta de suborno.
Montagem – Garotinho admite que o conteúdo das fitas é real, mas afirma que elas foram montadas e editadas para sugerir que tenha havido uma proposta de suborno. Diz que o conteúdo já teria sido usado por seus adversários durante a campanha pela prefeitura de Campos em 1996 e também na disputa pelo governo do Rio, em 1998. ?Tem até conversas de meus colaboradores com suas respectivas amigas?, disse.
Garotinho afirma que tem dúvidas se, como jornalista, teria publicado o grampo. ?Já fui jornalista e sei que em determinados momentos tem que romper um pouquinho a barreira dos limites?, disse.
O governador esteve em São Paulo para gravar uma entrevista no programa Passando a Limpo, com o jornalista Boris Casoy, na TV Record, que seria levada ao ar no domingo à noite. Casoy sugeriu que, em vez de gravada, a entrevista fosse ao vivo e Garotinho concordou. O governador almoçou com bispo Honorilton Gonçalves e outros dirigentes da emissora e depois retornou ao Rio de Janeiro."
?Garotinho, a lei e a informação?, copyright Jornal do Brasil, 14/7/01
O Jornal do Brasil recebeu, ontem à noite, notificação do Juiz de Direito da 21? Vara Cível, Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes comunicando o deferimento de uma ?liminar parcialmente deferida? proibindo a publicação de reportagens sobre ?a interceptação de ligações telefônicas?, feitas em 1995, envolvendo o hoje governador do Estado do Rio, Anthony Garotinho. Datada de 13 de julho, a notificação baseia-se em decisão, do dia 11 de julho, da ju&iacuiacute;za Daniela Affonso Rodrigues Alves, da 1? Vara Cível.
A decisão atendeu ao pedido de Medida Cautelar proposta por Garotinho que alegou que as gravações foram obtidas ilegalmente. A juíza entendeu que a divulgação das conversas quebraria o princípio constitucional da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, mas negou o pedido de apreensão das fitas.
Jonas Lopes de Carvalho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, um dos interlocutores de Garotinho nas conversas gravadas também buscou proteção legal. Mas não foi bem sucedido. O juiz Sérgio Wajzenberg, da 2? Vara Cível, entendeu que a proibição solicitada feria o princípio da liberdade de expressão. O juiz Wajzenberg argumentou que não tinha como ?compelir? jornais, revistas e televisões a ?deixarem de praticar sua atividade, sem que as mesmas tenham oportunidade de exercer o direito de defesa?, preocupado com o que chamou de intervenção abusiva do Judiciário.
Duas cabeças, duas sentenças e, em jogo, dois princípios garantidos pela Constituição: o direito de informar e o direito à privacidade. O princípio da democracia estabelece que tudo é permitido. Mas onde fica o ponto de equilíbrio que garanta ao cidadão o direito à sua privacidade e, à sociedade, o direito de ser informada?
?Não é uma questão fácil de ser respondida?, diz a juíza aposentada Denise Frossard que, no exercício da magistratura, notabilizou-se pelo rigor com os princípios legais. ?Mas qualquer órgão de imprensa que não tenha recebido expressamente a decisão da Justiça não está sujeito a evitar publicar as informações que tem?, argumenta ela, em referência à transcrição de trechos das gravações envolvendo o governador Garotinho, publicados, ontem, pelo Jornal do Brasil.
Censura – Em editorial publicado ontem, o jornal O Estado de São Paulo criticou a decisão da juíza favorável à proibição e acusou o ato de ?censura prévia?. O jornal, vítima de censura política no Estado Novo e na ditadura militar, considerou a decisão ?um absoluto despropósito judicial, eivado de gritante inconstitucionalidade, podendo ser visto como precedente de cerceamento à liberdade de imprensa em plena vigência do Estado Democrático de Direito?. O jornalista Bernardo Ajzenberg, ombudsman da Folha de São Paulo, também avalia que ?a decisão judicial afrontou a liberdade de imprensa?, conforme disse ao repórter Raphael Gomide. Ele acha que, diante de provas cabais de ?autenticidade e veracidade das fitas? a publicação deve ser feita. Ajzenberg remete a questão, a partir daí, para o plano do direito de informar inerente à imprensa e o direito dos cidadãos serem informados. Decidida a publicação, malgrado eventuais decisões judiciais, ?deve-se arcar com as possíveis conseqüências no plano judicial e sustentar a defesa da decisão em nome do interesse público envolvido no assunto?.
Helio Campos Melo, diretor de redação da IstoÉ que, na edição da revista que circula amanhã transcreve trechos dos diálogos publicados ontem pelo Jornal do Brasil, tem posição clara firmada sobre o assunto: ?O governador Garotinho manteve diálogos de real significado público nas conversas. E não é certo ele tentar se valer da Justiça para esconder coisas que o público tem que saber?.
O próprio Garotinho, que recorreu ao judiciário, mudou de posição: ?De muito bom grado eu voltaria atrás no pedido que fiz à Justiça para que impedisse a divulgação do conteúdo das fitas. Só fiz o pedido porque não sabia o que havia nelas. Agora, com a divulgação das conversas pelo Jornal do Brasil, vi que elas não têm nada demais. Só que agora a ação é pública. Não tenho nenhuma influência sobra a ação, que corre à minha revelia?.
Limites- Caminho semelhante segue a reflexão do advogado carioca José Antônio Fichtner. ?Há um conflito latente e óbvio. Mas, observadas certas regras, deve prevalecer o fato jornalístico?, considera ele. As regras, para ele, se baseiam na distinção entre ?a figura pública? e o ?cidadão comum?. A privacidade deste seria, em princípio, mais ampla porque raramente entra em jogo o interessa da sociedade. Para o homem público, no entanto, a proteção deve ser mais curta. Talvez esteja aí o ponto fundamental de equilíbrio: o interesse público. ?Quem se submete ao julgamento público – uma eleição, por exemplo – não está ao abrigo da privacidade quando entra em jogo a coisa pública?, argumenta Fichtner."
"Censura prévia, não", copyright O Estado de S. Paulo, 13/07/01
"Se há uma diretriz que a Constituição brasileira deixou clarissimamente consignada é a que diz respeito ao indiscutível repúdio do ordenamento jurídico à censura prévia. E há boa razões históricas para isso, sabidas demais para precisarem ser repetidas.
No capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, artigo 5.?, IX, da Lei Maior, está dito que ?é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença?. No capítulo da Comunicação Social, artigo 220, está expresso que ?a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição?. E se isso não bastasse, para prevenir eventuais tentativas futuras de cerceamento legal à plena liberdade de expressão, o parágrafo 1.? desse mesmo artigo arremata dizendo que ?nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social?.
Na verdade, poucas Constituições se referem de maneira tão enfática contra a censura, quanto a brasileira.
Nossa Constituição também preserva outros direitos e garantias fundamentais de não menor importância, tais como os consignados nos itens X e XII do referido artigo 5.?, a saber: X – ?são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação?; XII – ?é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal?.
Não há conflito entre tais grupos de valores preservados pela Carta Magna, embora alguns possam disso fazer confusão. A violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assim como a violação do sigilo das comunicações telefônicas, além de desrespeitarem os preceitos constitucionais mencionados, são crimes prescritos em lei – tanto no Código Penal quanto no artigo 10 da Lei 9.296/96, que trata de interceptações telefônicas.
Dizer-se, no entanto, que um veículo de comunicação pode ser impedido, previamente, de divulgar o produto de tais crimes é o mesmo que admitir que também o possa em relação a quaisquer outros delitos: o homicídio, o latrocínio, o roubo, a extorsão, a falsidade ideológica, a concussão, a prevaricação – e tantos outros que, além de freqüentes na sociedade, são lamentavelmente comuns no espaço público e nas diferentes esferas do Poder.
Grande parte dos escândalos que surgiram nos últimos tempos, que levaram à queda de ministros, a processos de cassação ou ao início de investigações sobre casos de corrupção, teve como origem a divulgação de gravações telefônicas obtidas ilicitamente. Por mais que se possa fazer restrições, de natureza ética, a determinados métodos de investigação, nada justifica que um órgão de comunicação, tendo tido acesso a provas assim levantadas e verificado que a informação é de interesse público, deixe de publicá-la. E, menos ainda, que qualquer autoridade pública, diante de um caso dessa natureza, se arvore no direito de dizer o que pode e o que não pode ser publicado ou divulgado por um veículo de comunicação.
É claro que o veículo pode e deve ser responsabilizado judicialmente todas as vezes em que praticar abusos em sua atividade de transmissão de notícias ou de opiniões – e há suficiente número de leis que garantem essa cobrança.
Mas isso não tem absolutamente nada que ver com permissão legal para a prática de censura prévia, seja por parte de autoridades governamentais ou judiciais.
É por todos esses motivos que a liminar, concedida pela juíza da 1.? Vara Cível do Rio de Janeiro, impedindo previamente a divulgação, pelos veículos de comunicação do Grupo Globo, de fitas de gravação telefônica que revelariam a participação do governador Anthony Garotinho em um esquema de suborno a um fiscal da Receita Federal – independentemente de quaisquer juízos de mérito que se possa fazer, sobre toda a questão -, é um absoluto despropósito judicial, eivado de gritante inconstitucionalidade, podendo ser visto como precedente de cerceamento à liberdade de imprensa em plena vigência do Estado Democrático de Direito."