Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Jornalismo de compromisso social

CONGRESSO EM HAVANA

Mário Augusto Jakobskind (*)

Cerca de 450 jornalistas latino-americanos e caribenhos participaram, de 8 a 11 de outubro, em Havana, do Congresso de Jornalistas da América Latina e do Caribe, ocasião em que foram discutidas inúmeras questões sobre o exercício da profissão. Na reunião, que começou 24 horas após o início dos bombardeios dos Estados Unidos contra o Afeganistão, esteve presente o presidente cubano Fidel Castro. Representantes de 29 países, nele incluídos jornalistas dos EUA de língua hispânica e Cuba, fizeram um apanhado pormenorizado sobre os principais desafios que estão sendo enfrentados neste momento na área da mídia. Além de uma Carta de Princípios firmada pelos participantes, ficou decidida, entre outras coisas, a instalação de uma rede de correios eletrônicos e de intercâmbio entre os jornalistas e meios de imprensa, sobretudo alternativos, para o trabalho sistemático e de difusão de informação, análises e aspectos acadêmicos que são de um modo geral bloqueados ou censurados pelos meios empresariais e conservadores.

Houve praticamente uma unanimidade: a necessidade de os profissionais de imprensa se engajarem na árdua tarefa de se contrapor ao pensamento único tão em voga atualmente nos vários quadrantes do mundo. Tubal Páez, presidente da União dos Periodistas (jornalistas) de Cuba, ao abrir as sessões de trabalho resumiu o motivo principal do Congresso: "Nos reunimos para falar sobre assuntos dos quais os nossos povos não tomam conhecimento, pois não costumam figurar nas agendas informativas dos que detêm o poder político, econômico, midiático e militar". Ou seja, os principais receptores das mensagens transmitidas pelos mais diversos canais de comunicação, as pessoas, os que compõem os povos, estão excluídos da informação. Páez fez também um paralelo entre o Congresso e a chamada Operação Verdade, que depois de algumas semanas do triunfo da Revolução Cubana em 1959 reuniu em Havana um grande número de jornalistas de diversos países para serem informados sobre o que estava acontecendo na ilha caribenha e se contrapor à campanha de mentiras que se divulgavam no exterior sobre o processo revolucionário. "Só que agora ? assinalou Páez ? se trata de que todos lutemos para que se conheça a verdade do mundo."

Mais de 75 exposições apresentadas suscitaram debates e intervenções, inclusive do presidente Fidel Castro, que fez várias revelações não só sobre temas da atualidade como de episódios históricos dos últimos 50 anos em que ele teve participação ativa. Castro, por exemplo, informou que embora hoje seja apenas um "aprendiz de jornalista", no passado, antes de se formar advogado foi um jovem repórter, tendo escrito matérias denunciando injustiças sociais e escândalos que envolviam a administração cubana lá pelo início dos anos 50.

Como não poderia deixar de ser, os recentes acontecimentos no mundo tiveram grande ressonância durante o Congresso, refletidos inclusive na Declaração de Princípios, que começa expressando a "nossa condenação ao processo que vive a humanidade após os atentados criminosos de 11 de setembro, ao mesmo tempo em que expressamos nossa solidariedade ao povo americano" (?)

Jornalismo num continente que se move

Das intervenções feitas no Congresso podem-se destacar, entre outras, as reflexões da jornalista argentina Stella Calloni, ao afirmar que o jornalismo "ainda não está a altura da luta que travam os povos da região". E conclamou os presentes a refletirem sobre o que está acontecendo em nossos países. "Este continente está se movendo como uma onda e nós estamos chorando sempre. O povo obriga a mídia a retratá-lo, olhá-lo e enfocá-lo." Em suma, Stella Calloni chamou a atenção para o atual momento, que exige dos jornalistas que estão ao lado do povo e não das elites a não ficarem impassíveis diante dos acontecimentos.

Muitos fatos foram relatados e que não tiveram praticamente quase nenhuma divulgação nos veículos de comunicação do Brasil, como no caso do Peru, como relatou o jornalista Gustavo Espinosa sobre o surgimento de novas formas de luta popular, que demonstram espírito de criatividade e não podem ser ignoradas pela mídia. Foi o que aconteceu em seu país no período do ex-presidente Alberto Fujimori, quando representantes do movimento social decidiram deixar lixo nas portas das casas dos corruptos, deixando-os constrangidos e fazendo com que outros que adotam essa prática nefasta pensassem muito antes de cometer atos ilícitos que só fazem ampliar o fosso entre os ricos e pobres do continente.

O jornalista brasileiro Beto Almeida, da TV Senado, enfatizou a possibilidade dos meios alternativos contra os meios hegemônicos, baseando-se na experiência das pequenas rádios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que permitem a seus integrantes serem informados sobre o que acontece no país e no mundo.

Ficou ainda mais claro, se é que havia dúvidas a esse respeito, que do Peru ao México, da Argentina à Venezuela, passando por Brasil, Colômbia e outros países da região, o panorama não difere muito com as elites controlando a informação, manipulando a imagem e transformando a liberdade de expressão e opinião em mito na medida em que se privatiza a propriedade dos meios de comunicação.

SIP entra nas faculdades para criar profissionais-robô

Além dos alertas sobre as pressões que têm sido feitas no continente pelos setores conservadores para afastar o exercício jornalístico de seu papel social, o Congresso abordou também a relevante questão da formação das novas gerações de jornalistas e comunicadores, ameaçada pela proliferação de universidades privadas, que pretendem moldar os jovens profissionais de acordo com os seus próprios interesses políticos e ideológicos.

Capítulo à parte valeu a intervenção de Hernán Uribe, do Colégio dos Jornalistas do Chile, ao lembrar o papel da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que agrupa os proprietários dos grande jornais do continente, segundo Uribe, uma espécie de clube de indivíduos poderosos com grandes investimentos nos meios de divulgação e que há um ano começou a influir sobre a formação dos jornalistas nas universidades, já tendo sido criada pela entidade uma comissão especial que preparou todo um manual de ação. E a fórmula é simples: as escolas de Jornalismo submetem à SIP os programas de estudos e esta faz as modificações devidas, de forma que os jovens se concentrem em matérias técnicas, não em teorias. Ou, como explica Uribe: "Busca-se que das escolas surjam profissionais do tipo robô, que não tenham sentimentos sociais de nenhuma espécie, e se limitem a relatar fatos sem interpretá-los, sem denunciá-los e sem querer mudá-los".

Outras intervenções apontaram para a necessidade de se contrapor a essa estratégia patronal a criação de um novo jornalismo que supere as técnicas vindas do formato americano e que seja essencialmente ético.

Além das discussões e informes sobre o panorama do exercício do jornalismo foram sugeridas medidas concretas para se tentar demolir o esquema do pensamento único, que, de fato, entra em choque com o verdadeiro conceito de liberdade de imprensa e de expressão. Entre as medidas executivas foi sugerido: "reforçar emissoras de rádio e televisão de linha independente existentes no continente e buscar novos espaços através de emissoras próprias ou naquelas que se disponham a aceitar programas que defendam pontos de vistas de interesse da comunidade e que tenham como norte participar da batalha contra modelos neoliberais".

Propostas concretas para serem incrementadas

** No Congresso surgiu a proposta de criação de uma Rede Latino-Americana de Comunicação através da internet e um Banco de Informação Continental dos quais possam participar jornalistas de qualquer parte da América Latina e do Caribe.

** Foi decidido ainda que o Instituto Internacional de Jornalismo José Martí, que funciona em Cuba há 15anos, se encarregue de implementar cursos com "a modalidade de educação a distância pela internet", de fortalecer os atuais diplomados e outros cursos ministrados de que participem estudantes de Jornalismo e jornalistas de toda a região.

** Foi proposto também "reforçar a realização de cursos, oficinas e atividades entre instituições acadêmicas de jornalismo e comunicação social de todo o continente e elaborar uma agenda alternativa em que apareçam as questões mais importantes que dizem respeito aos nossos povos, como a questão da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Essa ordem do dia de assuntos prioritários para os nossos meios de comunicação deve ser acompanhada por uma estratégia comunicativa e flexível".

O presidente da Federação de Periodistas Latino-Americanos (Felap), Luis Suárez, com base em informação da Comissão Investigadora de Atentados a Jornalistas (Ciap), informou que na América Latina no último quarto de século foram assassinados mais de 600 jornalistas, sendo a Colômbia o país recordista, com 40% do total. Por sugestão de Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Jornalismo da Universidade de São Paulo e um dos 14 integrantes da delegação brasileira que participou do Congresso, foi decidida a criação, em São Paulo, na sede do Memorial da América Latina, de um monumento em homenagem a todos os jornalistas mortos. O projeto do monumento será feito pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A Associação Brasileira de Imprensa, representada no evento em Havana por este repórter, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa, também se associou à iniciativa.

(*) Editor de Internacional da Tribuna da Imprensa, correspondente da Rádio Centenário de Montevidéu