Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalismo "investigativo", com e sem aspas

CASO TIM LOPES

Mozahir Salomão (*)

As inúmeras manifestações de revolta, pesar e desalento pela morte do jornalista Tim Lopes denunciam, como não poderia deixar de ser, a truculência do narcotráfico contra a sociedade e o atingimento de uma de suas instituições mais caras, que é a imprensa. Tim, todos sabemos, foi condenado e executado pela ousadia da revelação, por ter mostrado à sociedade absurdos que a própria polícia muitas vezes até sabe, mas se omite

Da indignação pública e publicizada, para aquilo que deve nos inquietar mais de perto, como jornalistas. Tim Lopes era representante de uma espécie em extinção: jornalistas que realmente investigam. Um tipo de profissional que aceita colocar em risco a própria pele, como fez Tim Lopes, por entender que esse é o seu trabalho

Os traficantes trucidaram Tim Lopes para demonstrar sua brutalidade e seu desprezo por quem quer uma sociedade menos corrompida. O trabalho de Tim Lopes era perigoso? Tremendamente. Havia o risco de ser descoberto e morto? Sempre houve. Ele não estava infiltrado ali para descobrir o samba-enredo do Carnaval de 2003 da escola local. Estava para expor à sociedade o aliciamento de menores para sexo explícito em bailes funk. O jornalista caiu nas mãos de quem já não tem nenhum tipo de pacto moral de convivência. Como diria Hélio Pellegrino, um rompimento do pacto social e do pacto edípico, que banaliza a morte e deixa o assassino à vontade para fazer suas vítimas.

A tragédia da imprensa

Curioso ter lido alguns artigos que trataram o jornalismo investigativo quase como prática corriqueira na imprensa brasileira. Antes assim fosse… Quantos repórteres estão envolvidos hoje no Brasil em trabalho investigativo, com dedicação por dias, semanas, com viagens, estadas em hotéis, aluguéis de carro e por aí vai? Quantos jornais topam investir nisso? Quantas emissoras de rádio? E de televisão? Jornalismo investigativo não é uma atividade do jornalismo em que a produção marca, o repórter vai lá e volta duas horas depois para redigir ou editar a matéria. Algumas vezes chega-se até a uma informação, não necessariamente a uma matéria. Ou seja, jornalismo investigativo é, antes de tudo, caro, de retorno nem sempre garantido e deve ser fruto de uma clara opção editorial que não confunda investigação com aventuras inconseqüentes que têm como resultado o espetáculo.

O professor Antônio Fausto Neto destaca que o jornalismo se divide basicamente em dois momentos: o da busca e o da designação. A imprensa no Brasil tem, de maneira paradoxal, se ocupado cada vez menos da busca (qual seja o jornalismo de apuração, da imprescindível correção da informação básica de interesse do público) e se dedicado muito à designação ? diante de uma super-oferta de informações semi-elaboradas enviadas por agências, assessorias e a própria internet. Informação de segunda, texto mais pobre ainda.

Que não se cometa aqui a injustiça da generalização. Mas não se pode dizer, certamente, que a investigação jornalística seja uma prática regular na imprensa brasileira. E por que não é? Não que faltem aos jornalistas competência e disposição para esse tipo de trabalho. Tem faltado, sim, coragem das empresas em investir nesse filão. Tem faltado, na verdade, uma cultura de jornalismo revelador, do tipo que Tim Lopes fazia. E fazia, ironicamente, na televisão, cujo jornalismo reúne, com facilidade, críticos veementes em função do que seria a superficialidade do telejornalismo. Mais ainda, fazia isso na Globo ? a quem não se poupam críticas dos mais diversos tipos e intensidades.

Num país onde há tanto o que investigar, temos muito pouco jornalismo investigativo. Isso denota muita coisa. Desde o acomodamento de boa parte da imprensa, da burocratização do trabalho dos jornalistas e até mesmo a falta de demandas e condições concretas dentro da própria sociedade para esse tipo de jornalismo.

É apavorante um jornalista morrer tão brutalmente durante a investigação de uma matéria. É uma tragédia uma imprensa que não investiga.

(*) Jornalista e coordenador do Curso de Jornalismo da PUCMinas