MONITOR DA IMPRENSA
ISRAEL
Nahum Sirotski, de Jerusalém (*)
Ainda é duvidoso o futuro deste país. Numa terra do tamanho de Sergipe, vão ter de conviver dois países politicamente independentes e economicamente interdependentes que não se apreciam. É em Israel que milhares de palestinos ganham suas vidas. A mão-de-obra palestina é essencial para a economia israelense que, quando não dispõe dela, importa estrangeiros. Há dezenas de milhares no país judeu com contratos e vistos legalizados. São asiáticos, europeus, africanos. Existem cerca de 200 mil ilegais que chegam como turistas e vão ficando enquanto podem. Muitos aqui estão há décadas. Moram em bons apartamentos, têm tudo de que precisam. Os que não se metem em encrencas nunca são apanhados. De quando em quando a mídia, por falta de assunto, trata da questão. Às vezes com simpatia, quando se refere à ausência de direitos sociais dos "pobres coitados". Às vezes com antipatia, quando se discute o desemprego e o fato de que ocupam lugares que poderiam ser dos locais.
Às vezes ainda ocorre que entre os palestinos se infiltram terroristas. Aí, é o escândalo. O leitor, no mundo inteiro, tem um quê de sadomasoquista: deixa-se atrair por manchetes com informações negativas sobre crimes ou escândalos. A CNN, que começou como sistema de 24 horas de informações, foi indo bem até surgirem competidores que passaram a explorar o estranho, o escândalo, as mulheres. A grande cadeia internacional está agora procurando uma nova fórmula para recuperar o publico perdido.
Há uma razão para Israel estar diariamente nas noticias: aqui sempre acontece o diferente, o estranho. A guerra pelo terrorismo. As expressões do fanatismo fundamentalista de um tipo que desconhecemos e não entendemos. O inexplicável que um paisinho tão pequeno em terras e habitações ocupe o terceiro lugar no mundo entre os mais adiantados em high tech. Ou talvez por se acreditar, ou suspeitar, que é aqui mesmo a terra dos milagres.
Mas nem a curiosidade mórbida nem complexos problemas do país são discutidos o suficiente e em profundidade pela mídia. A eletrônica tem excelente programação. É mais provável ouvir uma boa dissertação de uma idéia no rádio do que na impressa. Ela se concentra nas questões internas, relacionadas com a paz e a guerra, que discute ad nauseum. Tem excelentes colunistas que escrevem como se soubessem todas as respostas. Os editoriais, não assinados, são mais equilibrados, talvez pela consciência de que representam o veículo no seu todo. Os colunistas são sectários. Os jornais são de excelente nível técnico. O mais vendido, Yediot Aharonot, chega perto do milhão de exemplares nos finais de semana, num país de pouco mais de 6 milhões de habitantes, dos quais 5 milhões dominam o hebraico. Há o Maariv, o Haaretz, diários em russo, romeno, inglês, francês, semanários que usam a maioria das línguas faladas no mundo. Os jornais das emissoras de televisão fazem entrevistas ao vivo. O Jerusalem Post é diário de qualidade em língua estrangeira. Só o Herald Tribune, de Paris, é superior.
Há judeus de mais de 100 países com mais de 100 culturas diferentes. O jornalista tem formação universitária sólida – em economia, política, relações internacionais, Oriente Médio, nas especialidades que acompanha. É gente qualificada, falando várias línguas.
De hora em hora ouvem-se os noticiários de rádio.
Mas, talvez pelo peso da questão com o mundo árabe ou influência e dependência dos Estados Unidos, os jornais são paroquiais – o que, lembrem, é diferente de provinciano. O noticiário é sobre a região ou ao que diz respeito à região. Na cobertura internacional, predominam os Estados Unidos. É preciso que a notícia internacional seja muito importante para ser divulgada. Paradoxalmente, a mídia se dirige a uma população que viaja muito. Cerca de 20% dos israelenses saíram em turismo este ano. O paroquialismo traduz, sem dúvida, o fato de que a sobrevivência do país depende do que acontece na vizinhança. Até bem recentemente, Israel só tinha inimigos nas fronteiras. Os palestinos, seus desgostados irmãos siameses, são vários milhões entre os quais numerosos extremistas fundamentalistas, praticantes da guerra de guerrilha e do terrorismo. E há o sentimento, ainda não inteiramente superado, de que o pior pode acontecer a qualquer momento. Raras são as famílias sem luto de parentes próximos, perdidos nas lutas locais ou nos campos de morte dos nazistas.
Há duas culturas em conflito permanente e profundo: a secular e a religiosa ortodoxa. São dois mundos que se diferenciam cada dia mais em todos os aspetos da vida – do vestir e comer ao cultural e profissional. Os ortodoxos dividem-se em seitas. Os seculares, em etnias. Existe um estado e uma nação, mas não um povo. A sensação é de um país habitado por tribos que às vezes se entendem. E há nisto boa culpa da mídia.
Os donos dos veículos controlam a opinião do veículo, os jornalistas têm a liberdade da sua própria. Eles se comportam como se fôssemos os verdadeiros líderes, os dirigentes. São excessivamente agressivos quando não têm suas opiniões e idéias ouvidas e consideradas. Sentem-se como o poder. A legislação e a tradição quase que impedem o afastamento do profissional. No novo estilo, notícia e opinião se confundem. A função da mídia era a de informar com a maior objetividade possível e buscar a verdade tanto quanto possível. Como a verdade tem muitas versões, aparentemente o novo jornalismo concluiu que não pode ser alcançada e consiste de informar escolhendo entre elas. Poder é quando se influi no processo das decisões. Não há poder quando se fala de mundos e questões que não pesam diretamente na vida nacional. Ou de questões que as lideranças consideram não ser prioritárias.
No momento, dizer ao primeiro-ministro como negociar a paz impressiona mais do que tentar fazer o povo ver melhor, com mais inteligência e menos emoção, o que acontece no país. A mídia é sectária. Raramente traz uma análise em profundidade. E o país se divide entre os contra e a favor. O leitor não é desafiado a refletir, fazem-no por ele. Ao público não se dá o que pensar, mas o que aceitar ou rejeitar. Aí ocorre a transformação do cidadão em indivíduo-massa. Ele pensa com o preconceito do pré-estabelecido. E se aliena, pois "para que ler ou ouvir sempre o mesmo?" E, como na canção de Peter Seagers dos nossos tempos, "they elect them again and again", sempre os mesmos são eleitos.
É assim que Israel é, hoje, com os seus 6 milhões habitantes apenas, uma potência econômica, científica e tecnológica, com ínfima participação na procura e oferta de idéias das quais carece o mundo. Ele carece de bússola na interinidade confusa que vive, entre as teorias ultrapassadas e a parada em encruzilhada de caminhos que vê e teme. A mídia que não informa, desorienta. A confusão em que vive Israel se deve em muito a uns poucos que se consideram donos da verdade. Esse problema de poder excessivo a uns poucos colegas é fenômeno grave, pois é a alienação do jornalista em relação ao seu leitor e à simbiose dele com os que fazem a notícia. É questão que não vejo muito discutida, porém é a maior ameaça que pesa sobre a criatividade e as liberdades.
(*) Jornalista, e-mail <sirotski@netvision.net.il>
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