MÍDIA SATURADA
Nahum Sirotsky, de Jerusalém
A crise em torno da guerra ao terrorismo tem relação direta com o que preciso enfatizar. Começa a enfraquecer o apoio popular à operação montada pelos americanos. Em seu lugar surgem manifestações antiamericanas. Poucos entenderam que o ataque foi cuidadosamente pensado para causar o maior mal possível ao mundo judeu-cristão. Ele vai sofrer as conseqüências em desemprego, descapitalização, mais pobreza, instabilidade social, enfraquecimento das liberdades fundamentais, medo… Tudo isto no mínimo e brevemente.
As notícias sobre a tragédia não se preocuparam em explicá-la. Ficou a impressão de que se tratava de um confronto entre um grupo maometano extremista e os americanos. Simplificou-se tudo. No entanto, tratou-se de um primeiro movimento cujo objetivo final é o de expulsar todos os não-maometanos do Oriente Médio, onde se pretende criar um Califato, uma monarquia única e poderosa que estenderia sua influência ao bilhão e meio de muçulmanos no mundo (Fatwa, fevereiro de 1998).
E, considerando-se o estilo, talvez tenham inspiração da seita Wahhabis ou Wahhabism, surgida na Arábia há 200 anos, a mais fanática, intolerante e violenta. A teologia islâmica recomenda que aqueles que seguem o caminho de Alá "enfrentem o inimigo de frente, sem causar mal a não-combatentes, mulheres e crianças". O terrorismo islâmico desobedece tal lei. E Bin Laden, wahhabi, sequer ouve música, absolutamente puritano que é. Talvez sonhe, como o Profeta, em levar o mundo a aceitar as Leis de Deus, o Corão, o que ele chamou de Último Testamento e, conseqüentemente, o completo e verdadeiro.
O noticiário destaca fatos. Transforma o confronto em que se está decidindo em que tipo de mundo viveremos numa espécie de briga de bandido e mocinho. Com a informação que se lê criando crescentes simpatias para o eremita do Afeganistão. E isto nos leva a um livrinho de exatamente 139 páginas editado pelo Senac de São Paulo, Jornalismo e desinformação, escrito por Leão Serva [remissão abaixo], jornalista paulista da nova geração que, entre outras, acompanhou as carnificinas que foram a marca da guerra na desintegração da Iugoslávia, único país do mundo onde vi monumento de metros de altura montados com esqueletos dos tempos da ocupação turca.
Comecei a ler o livro com a idéia de dizer que li: trabalho no iG e o Leão é diretor do Último Segundo. Conta com magnífico e inteligentíssimo prefácio do Fernando Morais, amigo que admiro como escritor, e cita na abertura o jornalista Argemiro Ferreira, companheiro de tantos anos que até já esqueci o início da nossa amizade, apesar da absoluta e jamais superada discordância política.
Mas o livro prendeu minha atenção. Passei a noite na primeira leitura. Já li e reli várias vezes. Há muito que havia observado no Brasil, e pelo mundo, o fenômeno de as pessoas confundirem informação com conhecimento. A possibilidade de reconhecer, nas conversas, que veículo os indivíduos lêem ou acompanham. Como cada vez mais se satisfazem com resenhas em lugar de ler as obras. Uma ignorância crescente. Creio ter escrito a respeito para o Observatório [remissão abaixo], qualificando o excesso de oferta de informações como overkill, a absurda situação na Guerra Fria em que americanos e soviéticos tinham em seus arsenais o bastante em armas nucleares para se eliminarem totalmente várias vezes (overkill), como se fosse possível matar fisicamente mais de uma vez quem está morto. O overkill que denunciei com preocupação foi o incrível cerco do indivíduo nas horas em que está acordado por informações de todos os tipos, qualidades e objetivos. A poucos quilômetros do Rio encontrei uma aldeia onde se cultiva laranja, mas prestígio é beber suco de garrafa. Não se comem as laranjas e, de passagem, os mamões, magníficos, são reservados para alimentar os porcos.
Contribuição brasileira
Observei pelo mundo a perda da individualidade. Faz-se o que mandam os veículos e a moda que vem pelos meios de comunicação. Com todos os meus muitos anos de profissão, minha reflexão sobre o fenômeno mudou meu estilo e me faz tentar acrescentar um pouco de história em cada texto que perde seu imediatismo ? e desagrada aos veículos. E me afastou da lista dos desejados. Jornalismo e desinformação me abriu a cabeça. Ajudou-me a reduzir a velha angústia de não poder dar a informação em sua abrangência para o passado e o futuro. Fez pensar que só os velhos companheiros que escreviam na primeira pessoa as suas experiências pessoais, as aventuras que tantos de nós tivemos a sorte de viver, de guerras a expedições, conseguiam dizer verdades. E que a verdade do que acontece é inatingível, pois jornalismo é noticiar rapidamente. Não há espaço nem tempo.
A partir das primeiras e corajosas linhas (este livro é uma investigação sobre as causas da profunda ignorância dos leitores de jornal) à última ("Os mortos têm de ser renovados. A imprensa é uma necrófila insaciável") não há uma palavra que não seja verdade sobre a profissão que escolhi aos 17 anos incompletos, indo para o Globo, onde o maior dos chefes de reportagem que conheci no mundo, Francisco Alves Pinheiro, me "educou". E os irmãos Marinho confiaram em mim, me deram todas as oportunidades de crescer, inclusive me enviaram aos Estados Unidos como correspondente para aprender, antes dos 19 anos de idade. Gigantes da profissão que, exatamente por isso, sofreram e sofrem todo tipo de calúnias. Leão me explica a ignorância do leitor, todo o processo de desinformar, o perigo que representa. É um livro que deveria estar sendo discutido na universidade e fora dela. Leitura absolutamente essencial para quem respeita a profissão, cuja escolha nunca lamentei.
Mas nada disso acontece. Saíram umas notinhas anunciando o lançamento e nisto se ficou, ou por preguiça (é mais fácil ler um pocket ou ver filmes de mocinho na televisão) ou por falta de coragem de muitos de nós de nos encararmos. A verdade de que não informamos está no nosso mundo. No renascimento de ódios étnicos e religiosos. Na ignorância de que o primeiro homem nasceu preto, na África. E de que 99% do que somos fisicamente somos todos. A diferença é de menos de 1% entre o chinês e o negro, ou a loira de Copacabana e a negra de tribo africana. Que Abraão vira Ibrahim em &aacutaacute;rabe e o Corão é uma mistura do Velho e do Novo Testamento, e voltam as guerras religiosas.
Jornalismo e desinformação deveria ser traduzido para várias línguas como seriíssima contribuição brasileira a um dos mais importantes acontecimentos da era chamada de informação, num paradigma oposto do que acontece: vivemos a Era da Desinformação.
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