FIDELIDADE CANINA
A Fox News Channel está investigando se um de seus executivos, John Ellis, proveu a campanha de George W. Bush com dados internos de apuração final das urnas na noite das eleições. A Fox disse que Ellis – primo de Bush – não havia liberado a decisão final quando a emissora declarou, às 2:16h do dia 8, que Bush tinha vencido as eleições.
Segundo matéria de David Bauder [Associated Press, 14/11/00], a emissora está considerando algum tipo de ação disciplinar contra Ellis. Contratado temporário por um mês, Ellis, primo de primeiro grau de Bush, foi diretor da decisão da equipe da Fox na noite das eleições.
A Fox, segundo a Associated Press, sabia que Ellis é primo de Bush antes de contratá-lo. Uma matéria de Bill Carter [The New York Times, 14/11/00], no entanto, diz o contrário. O vice-presidente da Fox John Moody admitiu que as conversas de Ellis com Bush “poderiam trazer preocupações”.
A revista New Yorker publicou uma matéria dizendo que Ellis conversou diversas vezes ao telefone com seu primo e com seu irmão, o governador da Flórida Jeb Bush, na noite eleitoral, informando-lhes como estava a apuração. A Fox está pesquisando se Ellis violou as regras do Serviço de Informação Eleitoral (VNS) ao liberar informações sobre as urnas que ainda estavam restritas ao público. Ellis negou ter infringido as regras do VNS.
A Fox News Channel foi a primeira emissora a declarar Bush vencedor da corrida na Flórida, no dia 8 de manhã. A ABC, a NBC, a CBS e a CNN seguiram seu caminho 4 minutos depois.
O apoio de Ellis a seu primo não era segredo. No dia 5 de novembro, ele escreveu na seção “Outlook” do Washington Post que o governador do Texas é “esperto, engajado, energético, dinâmico em lideranças, engraçado, irônico e otimista”, em oposição ao “universo moralmente frenético dos Clinton.”
Críticos dizem que a ligação de Ellis irá reforçar a reputação da Fox como emissora conservadora, cujos âncoras incluem Tony Snow, antigo membro da equipe de Bush, e comentaristas como Newt Gingrich. A Fox News é propriedade de Rupert Murdoch, barão da mídia politicamente conservador.
Segundo matéria de Howard Kurtz [Washington Post, 14/11/00], a Fox mantém que apenas fornece uma alternativa para contrabalançar emissoras liberais. O slogan “nós noticiamos, você decide” da emissora, no entanto, está obliterado pelo fato de que o primo de um dos candidatos está, na verdade, decidindo e, depois, noticiando.
Após reclamação de alguns leitores, Ellis escreveu: “Sou leal a meu primo. Ponho isso à frente de minha lealdade a qualquer um que esteja fora de minha família imediata.”
De acordo com matéria de Martha T. Moore [USA Today, 14/11/00], as conversas de Ellis com seus familiares políticos no dia das eleições levantou questões sobre conflito de interesses em uma indústria na qual jornalistas são geralmente proibidos de trabalhar em campanhas políticas e até de doar-lhes dinheiro.
Ressentimentos liberais
O papel de Ellis nos eventos da noite eleitoral foi fundamental para que assessores da campanha de Gore mostrassem como era evidente a inclinação da Fox para o lado republicano e como a chamada da Fox nas eleições foi a chave desencadeadora da sucessão de eventos que levou à falsa impressão de que Bush era o vencedor da corrida.
“A Fox foi inimiga confessa da campanha de Gore durante as eleições”, disse Mark Fabiani, diretor de comunicações da campanha de Gore. “Ter uma emissora como a Fox dando uma chamada e todas as outras seguindo foi algo extremamente danoso. Levou literalmente 24 a 48 horas para convencer as pessoas de que Gore ganhou os votos populares.”
Lição de casa
Em um memorando à equipe da Fox, no dia 14 de novembro, Moody disse que, com a revelação de que Ellis estaria vazando informações para a campanha de Bush durante a noite das eleições, “seu status na Fox News está atualmente sob exame”.
Segundo matéria de Bill Carter [The New York Times, 15/11/00], reagindo à contínua crítica ao trabalho desempenhado na noite eleitoral, diversas emissoras anunciaram que irão rever seus procedimentos de cobertura das eleições.
A CBS foi a única a incluir alguém de fora para dirigir os planos de revisão, anunciando, no dia 14, uma equipe que inclui Kathleen Hall Jamieson, reitora da Escola de Comunicação de Annenberg, Kathleen Frankovic, chefe da unidade de pesquisas de opinião da emissora e Linda Mason, executiva da CBS News.
A ABC e a CNN afirmaram ter iniciado revisões de suas práticas na noite eleitoral. No dia 8 de novembro, a NBC News afirmou que seu ombudsman, David McCormick, estava conduzindo uma revisão preliminar e publicaria uma declaração sobre qual direção uma revisão mais geral deveria seguir.
Editoriais nos principais jornais dos Estados Unidos, no dia 10 de novembro, chamaram atenção para amansar suas retóricas. “Muito do que dizemos tem pouquíssima relevância”, afirmou John Diaz, editor de opinião do San Francisco Chronicle. “Quando escrevemos, no entanto, temos a sensação de que se trata de algo a ser lembrado por historiadores políticos nos próximos séculos.”
Enquanto houve desavenças substanciais sobre como as disputas eleitorais deveriam ter sido abordadas, houve uma corrente de unanimidade entre os editores, impacientes com o teor cada vez mais amargo do debate entre as campanhas de Al Gore e George W. Bush.
Jornais como o Chronicle e o Washington Post, ambos pró-Gore, foram rígidos na avaliação do argumento de William M. Daley, administrador da campanha de Gore, de que seu candidato “deveria ser premiado com a vitória na Flórida e ser o próximo presidente dos EUA.”
De acordo com matéria de Felicity Barringer [The New York Times, 11/11/00], o Post disse que a afirmação de Daley era “algo venenoso de ser dito nessas circunstâncias extraordinárias e instáveis, e Gore estará cometendo um erro gravíssimo se deixar de negar prontamente qualquer relação com a afirmação de seu administrador”.
A sutileza dos adjetivos do Post ecoaram nos do Wall Street Journal. O editorial do Journal do dia 10 lembrava o comentário de Daley, acrescentando que “se a campanha eleitoral não garante a vitória de Gore, sua equipe tentará encontrar um juiz que o faça”.
O Chronicle lidou mais com o tom combativo da frase de Daley do que com seu conteúdo, dizendo que “até o fim da contagem de todas as cédulas, os candidatos e seus assessores devem segurar a empolgação. O foco agora deve estar na contagem precisa de votos”.
Em editorial intitulado “Um passo fatal em direção à Corte”, do dia 10 de novembro, o New York Times, que também apoiou o vice-presidente, concluiu que “candidatos à presidência têm direitos legais que não são maiores nem menores que os de qualquer cidadão. Mas têm uma dose extra de responsabilidade para assegurar que suas ações servirão aos interesses nacionais”.
Imprensa em Questão – próximo texto
Imprensa em Questão – texto anterior