COZINHA
Cláudio Weber Abramo
Outro dia, zapeava pelos canais pagos e deparei com um documentário sobre o recentemente falecido violonista brasileiro Baden Powell. Para quem não sabe, Baden foi instrumentista excepcional, compositor de grande talento e figura central na época da afirmação profissional do músico popular brasileiro (o que se convenciona designar como período da Bossa Nova).
Pois bem, o documentário alternava depoimentos de músicos que haviam trabalhado com ele e cenas de shows, "canjas", uma visita à família num subúrbio do Rio, execuções de peças paradigmáticas de sua produção e por aí caminhava. Mais que tudo, era de grande bom gosto e sensibilidade, sem a linguagem espetaculosa que tantas vezes caracteriza matérias televisivas. A certa altura, refleti: "Puxa, por fim uma matéria bem feita na TV brasileira". Chegados os créditos, contudo, veio também o retorno à realidade: a produção não era brasileira, mas francesa.
A imprensa escrita costuma ser melhor do que a televisiva. Não muito, porém.
Como é normal, quando alguém importante morre, a imprensa tenta apresentar um necrológio. Muitas vezes, o espaço dedicado não corresponde àquilo que se deveria esperar: a inadvertência, as idiossincrasias de cada redação e, por vezes, a simples ignorância, ainda se superpõem a uma avaliação mais sensata da relevância de cada um. No geral, porém, a omissão é rara.
O que não é raro é a inabilidade da imprensa em buscar informações sobre as pessoas mortas para além de suas próprias páginas. A ocasião da morte do banqueiro Walther Moreira Salles, dono do Unibanco, forneceu um exemplo típico.
Há tempos, o banqueiro se afastara das luzes da imprensa. Mesmo no passado, as informações que dele partiam não eram muito variadas. Um discurso que ele proferiu em 1967 ao ser homenageado por sua turma da faculdade de Direito (ver a Folha de 2/3/67) foi praticamente transformado em press-release. Parágrafos inteiros são repetidos em outro discurso, de 1970 (FSP, 15/4/70). As mesmas frases aparecem repetidamente ao longo dos anos seguintes (JB, 31/3/72 e outros). Artigos de enciclopédias remoem as mesmas poucas informações.
Em 1992, Roberto Pompeu de Toledo entrevistou Moreira Salles para as páginas amarelas da Veja. Na excelente entrevista, o banqueiro contava várias histórias, entre as quais uma sobre Getúlio Vargas, que não é o caso de repetir aqui. Quando Moreira Salles morreu, Pompeu de Toledo, o qual hoje assina a coluna da página final da revista, repetiu ali a história.
Apresso-me em esclarecer que o exemplo não tem intenção de criticar Pompeu de Toledo, mas apontar o fato de que, vezes demais, o jornalismo recorre ao requentamento.
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