MASSA CINZENTA
Sebastião Jorge (*)
O jornalismo se faz com idéias, boas idéias. Todo editor de jornal persegue um só objetivo: conquistar o público. Para chegar a essa meta é precisa saber o que o leitor quer, o resto fica por conta das idéias. Às vezes são idéias simples, uma espécie de estalo, mas positivamente genial para ser concebida e executada.
As idéias servem para toda e qualquer operação nesse tipo de atividade. Quem se dispuser a fazer jornal e jornalismo, duas coisas diferentes, há de botar o pensamento para funcionar ? ao que muitos reagem, por comodismo ou preguiça mental.
Um exemplo só: um acontecimento, por insignificante que possa parecer, requer criatividade na elaboração do texto. Jornal é conjunto e para execução das tarefas são necessárias ferramentas indispensáveis, como competência e gosto pelo trabalho.
Por falar em idéias, narro como se deu a circulação de um jornal que se tornou conhecido, sendo imitado, pelo êxito. Curioso que o autor não era jornalista e nunca tinha entrado em uma redação, isto no final do século 19. Era simplesmente um leitor viciado em periódicos. Lia tudo, mas lia com senso crítico. Gostava de fazer comentários a respeito.
Seu nome: George Newnes, ligado ao comércio e nascido em Manchester, Inglaterra. Certa noite, com a mulher no quarto, ela querendo dormir e ele lendo jornais, deu um grito de satisfação e disse: "Encontrei a fórmula para editar um jornal!". Ele havia lido uma nota pequena, em uma folha qualquer, contendo clareza e objetividade e se entusiasmou com o estilo. Foi assim que surgiu o Tit Bits, miscelânea de notícias que não demorou muito para alcançar uma circulação de 900 mil exemplares, um feito inédito no país. O que viesse depois seria imitação.
Como uma idéia vai gerando outra, Alfred Harmsworth, mais tarde Lorde Northcliffe, que se tornou famoso como dono de jornais, e que havia colaborado com Newnes, partiu para uma iniciativa que faria escola no mundo. Fundou o Daily Mail, com o lema: "O jornal diário do homem ocupado". E para completar anunciava: "Um jornal de um tostão pelo preço de meio tostão". A publicação ficou à frente dos concorrentes pelas idéias inovadoras que sempre buscavam conquistar o público que lhe interessava.
Gabriel García Márquez, que continua sendo um jornalista emprestado ao romance, não diferencia um trabalho do outro, ou seja, para ele jornalismo é literatura, o que eu não concordo. Para corroborar a afirmação tem escrito livros com os recursos do jornalismo: entrevista, notícia e crônica. Já observaram os títulos de algumas suas obras? Relato de um náufrago, Crônica de uma morte anunciada, Notícia de um seqüestro. Em depoimento a uma emissora a cabo, falou das idéias que o conduziram a ambas as atividades. Na literatura começou se inspirado em Kafka, escrevendo contos. No jornal, inspirou-se em si mesmo, com o seu jornalismo de denúncia.
Lembro bem destas palavras do autor de Cem anos de solidão, sobre os limites que demarcam a linguagem e a ética: "Creio que o jornalismo merece não somente uma nova gramática, mas igualmente de uma nova pedagogia e de uma nova ética da profissão". Palavras de quem tem idéias e cujas idéias lhe deram um Prêmio Nobel. García Márquez é sobretudo um entendido em jornal.
Opinião alheia
A cada dia fica torna mais difícil fazer jornalismo. O volume de informações recebidas diariamente e a todo o instante leva o leitor a ficar mais exigente. O profissional, para se sair bem, há que demonstrar habilidade na oferta de um produto conhecido, hoje, como de utilidade pública. Noticiar por noticiar não conduz a nada. O importante é trabalhar a informação com a paciência e a responsabilidade de um ourives e contra a pressão do tempo. A verdade em primeiro lugar.
O jornalismo não é mais monopólio deste ou daquele veículo, mas de todos. O que diferencia o produto entregue ao ouvinte, telespectador ou leitor é a confiabilidade e o tratamento dispensado ao texto. O desafio se acha na disposição, no caso do jornal impresso, em quebrar as barreiras de uma audiência que não condiz com os novos tempos. A tiragem é incoerente com os avanços da economia, contingente populacional, alfabetização e valores sociais. São esses os requisitos que levam um veículo de comunicação impresso a aumentar a tiragem. Por que isto não acontece entre nós?
Temos uma circulação de jornal que não corresponde à realidade brasileira ou regional, levando-se em consideração o número de habitantes. Há algumas décadas tínhamos tiragens que impressionavam pela quantidade. E tudo era mais difícil. Nos dias atuais, com o uso da informática e da internet, por que não disparamos em circulação? Uma boa pergunta para editores e donos de jornal. É preciso colocar à disposição o número das tiragens, atestado por órgãos auditores como o Instituto de Veiculação e Circulação (IVC). Como nem sempre isto ocorre, a revelação tem sido uma incógnita.
Aumentou a circulação nos jornais brasileiros, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Porém, a Folha de S. Paulo dá uma explicação: este aumento deveu-se à distribuição de brindes. Com brindes não vale.
O professor Carlos Alberto di Franco, diretor Master em Jornalismo Editores do Centro de Extensão da Universidade de Navarra (Espanha), falando sobre ética e qualidade da imprensa, deu o roteiro que serve de armadilha para os que trabalham contra o bom jornalismo: arrogância dos profissionais, distanciamento do mundo real, apuração superficial, comodismo, prejulgamento, síndrome da imitação televisiva, editorialização do noticiário.
Faltou nessa relação incluir a questão do jornal regional, cujo conteúdo em 80% deve focar assuntos locais, feito de preferência pela prata da casa ou pelos que se integraram à vida cultural da cidade. Notícias de fora, com jornalistas de outras praças, eu leio nos jornais da grande imprensa. Quando se trata de um jornal local, quero saber é a opinião dos nossos jornalistas sobre as nossas coisas. O editorial? Alguns dos nossos jornalões regionais dedicam o espaço do editorial para a opinião alheia. O que decepciona é não haver espaço para bons textos. Em muitos jornais, o fracasso, lamentavelmente, é falta de boas idéias.
(*) Jornalista e advogado, e-mail: <sjorge@elo.com.br>