Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

José Álvaro Moisés

QUALIDADE NA TV

CINEMA BRASILEIRO

"As contas do cinema brasileiro", copyright Folha de S. Paulo, 2/02/01

"O cinema brasileiro começa o ano com boas notícias: premiado no Sundance Festival (EUA) e com novos investidores à vista. Três empresas públicas -BR Distribuidora, Correios e Eletrobrás- vão investir R$ 2,2 milhões nos 11 filmes premiados pelo Programa Cinema Brasil, os quais já receberam R$ 4 milhões do Ministério da Cultura. O programa apóia filmes de qualidade com orçamentos que não ultrapassem R$ 1 milhão e que devem estar concluídos até dezembro.

O cinema brasileiro passou por uma considerável reviravolta nos últimos anos. Com apoio das leis de incentivo à cultura, 150 longas-metragens foram produzidos de 1995 a 2000, contra menos de uma dezena nos primeiros anos da década. Melhorou sensivelmente a sua qualidade, enriquecendo a sua linguagem, diversificando os seus estilos e revelando um número significativo de novos talentos -55 novos cineastas surgiram no país entre 1994 e 2000, número comparável àquele que originou a nouvelle vague francesa, nos anos 50.

Isso não quer dizer que não existam importantes problemas, os quais ainda merecem a atenção do Estado. Com base nessa compreensão, o presidente da República criou, em setembro de 2000, o Grupo Executivo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Gedic), formado por sete ministros e por seis representantes da comunidade cinematográfica. Sua missão é definir, até o fim de março, propostas estratégicas para a consolidação dessa indústria.

Enquanto essas soluções não vêm, a opinião pública tem o direito de saber o que ocorre com um setor da cultura que, nos últimos seis anos, recebeu inversões públicas de mais de R$ 447 milhões. O que foi feito com isso? O que aconteceu com os projetos de filmes?

Em primeiro lugar, 28 filmes foram lançados em 2000, contra uma média anual de 25, nos últimos seis anos. Entre eles, sucessos como ‘O Auto da Compadecida’, ‘Xuxa Requebra’, ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ e ‘Eu, Tu, Eles’ -este indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Mais 32 filmes estão prontos para lançamento, 31 estão em fase de pós-produção e 25 estão em estágio avançado de realização, o que indica uma safra promissora para 2001 e 2002.

Além dos 150 longas, 80 documentários e cerca de 400 curtas entraram no mercado de distribuição e de exibição nesses últimos seis anos. A ocupação do mercado de exibição por filmes brasileiros, que, no início da década passada foi de 0,5%, depois de ter chegado a mais de 30% no início dos anos 80, encostou em 10%. A meta do governo (20% até 2003) começa a se concretizar.

O público de filmes nacionais saltou de 1,3 milhão para 7,2 milhões, de 1995 para 2000, isso é, cresceu quase seis vezes. Apesar de alguns insistirem que existe incompatibilidade entre o público e o cinema brasileiros, a massa dos que se divertem ‘vendo-se’ na tela, por meio de visões diferentes e críticas oferecidas pelo novo cinema, só faz crescer, como perceberam a Rede Globo e a TV Bandeirantes, que começam ou começaram 2001 com semanas especiais dedicadas ao cinema brasileiro.

Para entender bem esse crescimento, é preciso ter em conta que o número total de espectadores aumentou, de 1999 para 2000, em 3%. Enquanto o público de filmes estrangeiros no Brasil -inclusive os norte-americanos, cuja presença no mercado é de quase 90%- cresceu 0,5%, o de filmes nacionais cresceu 26%. Para um cinema que quase desapareceu no início dos anos 90, não está mal. ‘O Auto da Compadecida’, impulsionado pela TV, foi visto por mais de 2,1 milhões de espectadores, vários outros filmes nacionais ultrapassaram a média histórica de público e sete superaram a marca dos 500 mil.

Esse resultado decorre de esforços para melhorar as operações de comercialização dos filmes, como o apoio da Secretaria do Audiovisual para o lançamento de 30 filmes em 1999 e em 2000 e a participação de distribuidoras estrangeiras em vários lançamentos.

Mas parte da crítica ainda não percebeu o que o público já viu: nossos filmes melhoraram, diversificaram seus temas, tornaram-se mais interessantes e divertem mais. Propiciam uma nova oportunidade de os brasileiros repensarem o Brasil. De 1998 a 1999, nossos filmes receberam 194 premiações em festivais e mostras competitivas, inclusive o Grande Prêmio Cinema Brasil.

Dessas premiações, 92 foram decididas por júris estrangeiros.

O cinema oferece, portanto, motivo para que a auto-estima dos brasileiros melhore. Mas a sua dimensão econômica não deve ser esquecida, pois, segundo pesquisa do Ministério da Cultura, 160 postos de trabalho são gerados a cada inversão de R$ 1 milhão na área. Por isso é muito importante ter em conta que, enquanto a renda de filmes estrangeiros cresceu 4% em 2000, a dos filmes nacionais aumentou 43%.

Essa realidade está abrindo novas oportunidades de negócio para o cinema brasileiro. Empresas como a Warner e a Fox fecharam, recentemente, contratos que chegam a R$ 20 milhões para que empresas, como a Conspiração Filmes, produzam cerca de 15 novos filmes nos próximos três anos, repetindo o que já fazem a Sony e a Columbia.

São sinais claros de que a cultura não é incompatível com o mundo dos negócios, mas, como quer o Ministério da Cultura, essa parceria não deve impedir que o padrão de qualidade dos produtos seja uma exigência permanente. Mas isso já é tema para outro artigo. (José Álvaro Moisés, 55, é secretário nacional para o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério da Cultura, professor associado de ciência política da USP e autor de ‘Os Brasileiros e a Democracia’ (Ática, 1995), entre outros livros)"

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