ESTADÃO, EDIÇÃO 40 MIL
“O Estado de S. Paulo, edição 40.000”, copyright O Estado de S. Paulo, 24/04/03
“O jornal O Estado de S. Paulo, que chega hoje à edição 40.000, lançou seu número 1 no dia 4 de janeiro de 1875, uma segunda-feira, com o nome de A Província de São Paulo, um diário de quatro páginas e 2.025 exemplares que sairia com esse nome até 31 de dezembro de 1889, um mês e meio após a queda da monarquia.
Nasceu do ideal de um grupo de republicanos, dois anos depois da Convenção de Itu, mas se apresentou como um órgão independente, sem nenhum compromisso partidário. ?A Redação aceita informações justas e autorizadas relativas a serviços públicos e desmandos da administração e governo?, anunciava o cabeçalho, sob a responsabilidade dos redatores Américo de Campos e F. Rangel Pestana.
Tipografia e escritório funcionavam na Rua de Palácio, n.? 14, antiga Rua das Casinhas, onde é hoje a Rua do Tesouro, esquina com Álvares Penteado, no centro velho. São Paulo tinha então 2.992 prédios e cerca de 20 mil habitantes. Era considerada uma cidade grande, embora se limitasse à área atualmente compreendida entre o Brás e a Praça da República. Nos arredores, chácaras e fazendas.
A Província logo se diferenciou no mercado. Barrete branco na cabeça, uma buzina na mão e um maço de jornais debaixo do braço, o francês Bernard Gregoire saía a cavalo pelas ruas da cidade anunciando as notícias do dia. Foi um escândalo. Os jornais concorrentes – O Ipiranga, Correio Paulistano, Diário de S. Paulo – ridicularizaram a imagem do jornaleiro (mais tarde incorporada ao ex-libris do jornal), mas a inovação da venda avulsa foi um sucesso.
A tiragem, que era de 2.550 exemplares em 1880, subiu para 3.300, seis anos depois. Em 1888, quando o nome de Julio Mesquita apareceu no alto da primeira página como diretor-gerente, o jornal comemorou a abolição da escravatura, pela qual vinha lutando desde a fundação. ?Agora começa o trabalho de libertar os brancos?, advertia já em 13 de maio. ?Libertados os escravos, é preciso não esquecer o despotismo da dinastia?, acrescentou no dia 17.
Intensificava-se a campanha pela proclamação da República. A tiragem continuava crescendo – de 4.500 exemplares em abril de 1889 passou a 4.800 em agosto. Euclides da Cunha, um de seus colaboradores, que até então usava o pseudônimo Proudhon, começou a assinar artigos com o próprio nome. Em outubro, a Província passou a sair também às segundas-feiras.
?Viva a República?, essa foi a manchete, ocupando a página inteira, na edição de 16 de novembro. O jornal anunciou que mudaria de nome, com o novo regime, mas só virou O Estado de S. Paulo em 1.? de janeiro de 1890. Atendia ao pedido de colecionadores, que não gostariam de arquivar dois logotipos diferentes num mesmo ano. A tiragem era de 6 mil exemplares.
Inovações – Com Julio Mesquita na direção efetiva da redação, em substituição a Rangel Pestana, vieram outras inovações. O jornal contratou a agência Havas, atual France Presse, cujos telegramas deram mais agilidade ao noticiário internacional. Foi também em 1890 que se publicou um clichê como ilustração de primeira página – o retrato do caixeiro José Teixeira da Silva, morto num incêndio da Loja da China, em abril.
Dois anos depois, em maio de 1892, a tiragem alcançava 8 mil exemplares. São Paulo pulou de 44 mil habitantes em 1886 para 150 mil em 1894. Não era mais uma cidade só de tropeiros, estudantes e funcionários públicos, como 20 anos antes, no lançamento da Província. Começava a se industrializar, contando já com 109 fábricas, que empregavam 5.670 operários, dos quais 4.061 homens, 877 mulheres e – isso mesmo – 732 crianças.
Curiosos e práticos, bem de acordo com as necessidades da época, os ramos pelos quais se distribuíam esses trabalhadores. As fábricas eram 22 de artefatos de madeira, 15 oficinas mecânicas, 13 torrações e moagens de café, 11 de bebidas, dez de impressão e encadernação, cinco de chapéus, quatro de tecidos, três curtumes e de calçados, três de fumo, duas de sabão e velas, duas de tijolos e telhas e uma de fósforos. Todas movidas a vapor.
A modernização que abria indústrias refletiu-se na gráfica do jornal. A tiragem, que girava em torno de 10 mil exemplares, saltou para 18.448 na edição de 8 de março de 1897, com a publicação de notícias sobre a guerra de Canudos. O repórter Euclides da Cunha era a estrela da redação.
?Um jagunço degolado não verte uma xícara de sangue? e ?O fanático morto não pesa mais que uma criança?, relatou, do interior da Bahia, o enviado especial do Estado, que mais tarde aprofundaria essas observações nas páginas de Os Sertões, o livro em que descreveu a terra, o homem e a luta de Canudos.
Em 1907, o jornal saiu com uma edição extra, a primeira de sua história, sobre o assassinato, em Lisboa, do rei d. Carlos e de seu filho d. Luís Felipe. A redação funcionava, desde o ano anterior, no Palacete Martinico, na Praça Antônio Prado, onde permaneceria até 1929.
Durante a Primeira Grande Guerra, sobre a qual Julio Mesquita escreveu uma série de artigos – recentemente publicados no livro A Guerra, em quatro volumes – a empresa lançou uma edição vespertina que, conhecida como Estadinho, circularia de 1915 a 1919. Seu diretor era Julio de Mesquita Filho, que iniciava sua carreira de jornalista.
Foi uma época difícil para a empresa, por causa da epidemia de gripe que fez milhares de vítimas em São Paulo, entre as quais dois redatores de sua equipe. ?O Estado só não suspendeu sua publicação por milagre?, observou Paulo Duarte, ao escrever a história do jornal. Com o fim da calamidade, a situação se normalizou. Nessa época, o escritor Monteiro Lobato estreou como colaborador no jornal, com um artigo sobre a situação dos trabalhadores rurais e outro em que retratava a figura do Jeca Tatu.
Em 7 de setembro de 1922, o Estado comemorou o centenário da independência do Brasil com uma edição de 64 páginas, um recorde na época. Com a morte de Julio Mesquita, em 15 de março de 1927, Nestor Pestana e Julio de Mesquita Filho assumiram os cargos de diretor. Dois anos depois, o jornal se mudou mais uma vez, agora para uma sede própria, na Rua Boa Vista, seu endereço nos tumultuados anos 30 e 40.
Seus proprietários, Julio de Mesquita Filho e o irmão Francisco Mesquita, lutaram contra Getúlio Vargas na Revolução Constitucionalista de 1932 e acabaram sendo presos e exilados durante o Estado-Novo. O jornal foi ocupado por soldados da Força Pública em 25 de março de 1940 e ficou sob intervenção durante cinco anos. Só foi devolvido a seus donos após a queda de Vargas.
Esse período não conta na história de O Estado de S. Paulo. Ao retomar o controle do jornal, em 6 de dezembro de 1945, seus proprietários ignoraram o registro da primeira página e repetiram o número 21.650, que marcara a primeira edição feita sob ocupação da ditadura. Julio de Mesquita Filho apareceu no cabeçalho como diretor, ao lado de Plínio Barreto.
Nova sede – Vendeu-se o prédio da Rua Boa Vista e, enquanto se construía a nova sede, na esquina das Ruas Major Quedinho e Martins Fontes, a redação e a administração funcionaram temporariamente na Rua Barão de Duprat, de 1947 a 1951. Em 4 de janeiro de 1966, começou a circular o Jornal da Tarde, de início vespertino, que inovou a imprensa pela ousadia da apresentação gráfica, pela irreverência de estilo e pela exclusividade de suas reportagens.
Após a morte de Julio de Mesquita Filho, em 1969, Julio de Mesquita Neto assumiu a direção do Estado, enquanto seu irmão Ruy Mesquita dirigia a redação do Jornal da Tarde. Sob a censura imposta pelo Ato Institucional n.? 5, baixado em 13 de dezembro de 1968, a imprensa começava a enfrentar então o período mais duro do regime militar.
O jornal não se curvou, no entanto, à censura. Recusou-se a substituir as matérias cortadas e publicou repetidamente trechos de Os Lusíadas, de Luís de Camões, para preencher os espaços que, por ordem dos censores, não podiam sair em branco. No Jornal da Tarde, publicavam-se receitas de doces e bolos.
A censura só foi suspensa em janeiro de 1975, quando O Estado de S. Paulo comemorava seu centenário.
No 6.? e no 7.? andares de sua sede na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, na Marginal do Tietê, para onde o jornal se mudou em junho de 1976, os 3.154 volumes da coleção de O Estado de S. Paulo ocupam 144 metros de estantes.
Empilhadas, elas corresponderiam a um prédio de 48 andares, maior que o Edifício Itália.
Em seus 129 anos de existência – 124 de vida independente – o Estado publicou cerca de 2,2 milhões de páginas, que podem ser consultadas nos volumes encadernados e também em microfilmes. O trabalho de microfilmagem vem sendo feito em convênio com a Biblioteca Nacional, que coloca cópias à disposição da rede de bibliotecas públicas do País.
O jornal é publicado todos os dias da semana, desde 27 de outubro de 1991, quando se retomou a edição da segunda-feira. Iniciada em 21 de outubro de 1889 – até então, só saíra nesse dia, excepcionalmente, o número de lançamento de A Província de São Paulo – ela havia sido interrompida em 12 julho de 1927, porque uma lei municipal proibiu o trabalho aos domingos.
Raras vezes, o jornal deixou de circular, e foi sempre por breves períodos. De 17 a 25 de abril de 1877, por exemplo, quando parou as máquinas para ampliar suas instalações em novo endereço.
A interrupção mais longa – traumática e por motivos alheios à direção – ocorreu em 25 de março de 1940, com a ocupação do Estado pela polícia da ditadura de Getúlio Vargas. Durante o regime militar, que censurou a imprensa entre dezembro de 1968 e janeiro de 1975, o Estado foi apreendido várias vezes nas bancas, mas não deixou de circular. Julio de Mesquita Neto denunciou as arbitrariedades da ditadura na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e em outros fóruns internacionais.
Júlio Neto – que morreria em junho de 1996, quando Ruy Mesquita passou a ocupar o cargo de diretor- responsável – ganhou, em 1969, o Prêmio Pena de Ouro, concedido pela Federação Internacional dos Editores de Jornais a quem se destaca na defesa da liberdade de imprensa. O Estado já era considerado, então, um dos maiores, mais importantes e mais respeitados jornais do mundo.”
CORREIO DA MANHÃ
“Da arte de falar mal”, copyright Folha de S. Paulo, 2/05/03
“Durante anos, mantive no ?Correio da Manhã?, num canto da capa do segundo caderno, um espaço assim intitulado: ?Da arte de falar mal?. Até hoje me perguntam a razão de uma rubrica que, entre outras coisas, me levou para a prisão seis vezes por delito de opinião. Num dos interrogatórios a que fui submetido, o coronel que presidia o IPM quis saber por que eu falava tão mal do regime militar que então se instalava. Eu respondi que não podia mudar o título da minha coluna, falando bem de qualquer coisa.
Mas a idéia do título não foi minha. Devo-a a Maura Cançado Lopes, colega no ?Suplemento Dominical? do ?Jornal do Brasil?, um caderno dedicado às artes, que, depois de algum tempo, já em sua fase terminal, saía pontualmente aos sábados. Ela escrevia contos maravilhosos, chamou a atenção das editoras, teve dois livros publicados, que receberam crítica consagradora. ?Hospício É Deus? foi colocado à altura de Clarice Lispector, que aliás a admirava. Escreveu também ?O Sofredor do Ver? -um dos melhores que já li em minha vida.
Maura namorava Luiz Reis, o Cabeleira, parceiro de Haroldo Barbosa em ?Cara de Palhaço? e ?Momentos São?, dois sucessos absolutos daquela época, gravados por Elizeth Cardoso. Um dia, quis sair comigo. Eu tinha uma Hudson conversível, ela me perguntou se eu era rico, se eu podia comprar um navio. Respondi que sim -e ela colocou essa cena em seu romance, com meu nome e tudo.
Mas foi nessa mesma tarde que ela me fez parar na Urca, diante da baía que entardecia, e me explicou: ?Chamei você para falarmos mal de todo mundo. Falar mal é uma arte?.
Nem lembro mais de quem falamos mal. Creio que não tenha escapado ninguém, a começar pelo pessoal do SDJB: Décio Pignatari, Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar, Oliveira Bastos, Walmir Ayala, Mário Pedrosa, Carlinhos de Oliveira, os irmãos Campos, José Lino Grünewald, Assis Brasil, José Louzeiro, não abrimos exceção nem para o doce Mário Faustino, que havia morrido dias antes. Todos nossos amigos, amigos queridos por sinal.
Mais ou menos na mesma época, recebi recado de um vizinho do Posto 6 que estava gripado, ardendo em febre, mas queria me ver. Ele não tinha carro e eu guardava o meu na vaga de sua garagem; nunca me cobrou aluguel nem carona, pois adorava andar de ônibus.
Fui. Encontrei-o na cama, lendo um troço complicado que depois vim a saber que era a gramática de um dialeto do Vietnã. Embaixador aposentado, escritor de sucesso, ele gostava de aprender coisas inúteis e com elas escrevia obras-primas.
– Estou aqui -disse. -Algum recado?
– Não. Há dias que não falo mal de ninguém. Chamei-o para isso.
Três horas depois, já sem febre, ele me levou até a porta de seu apartamento. Com os olhos de gato acesos, olhou-me severamente e, com o orgulho que lhe era próprio (referia-se a si mesmo sempre na terceira pessoa), admitiu:
– Puxa! Como falamos mal de todo mundo!
Morreria em breve, poucas horas depois de um discurso que levou mais de três anos para ter coragem de fazer e no qual só falou bem dos outros. Acho que o sacrifício lhe custou a vida.
Foi ele que me ensinou a regra fundamental da arte de falar mal: ?Só fale mal dos ausentes, nunca dos presentes?. Pode parecer uma obviedade. Mas o meu amigo e vizinho era também acusado de obviedades geniais em sua obra literária. Uma de suas frases mais famosas ainda é citada: ?Viver é muito perigoso?.
Pulando no tempo que pulou sobre todos. Morreu o jornal em que trabalhava, morreu a Maura, morreu o meu amigo ex-embaixador, morreu até o doce Mário Faustino num desastre de avião. Ninguém é imortal, com exceção de uma amiga famosa, romancista histórica, que me quis tornar imortal como ela.
Hoje, não mais se fazem aquelas constrangedoras visitas aos imortais, antes que eles morram. Pelo contrário, a afobação de um candidato à imortalidade é letal. Adoentada, sem poder sair de casa, ela me pediu pela sobrinha e secretária que fosse à sua casa buscar o seu voto. É evidente que fui, pois muito queria vê-la.
Ela me recebeu nordestinamente afável. Sentada em sua cadeira de palhinha, com ares de senhora-de-engenho, esticou-me o envelope branco:
– Toma. Aqui estão os meus votos. Agora não falemos mais em literatura. Vamos falar mal de todo mundo!
Também saí tarde de sua casa. Não deixamos pedra sobre pedra e, seguindo o conselho do ex-embaixador, só falamos mal dos ausentes, que era o restante da humanidade, pois em sua sala só havia a visitada e o visitante.
Por essas e outras, sempre admirei o Antônio Callado, que definia os personagens do nosso tempo em duas categorias: os que tinham boa presença e os que tinham péssima ausência. Boa presença era quando todos falavam bem de um sujeito presente. Péssima ausência era quando, ausente, o sujeito monopolizava a conversa, cada qual juntando um graveto para queimar na alegre pira da maledicência.
E, com aquele jeito de único inglês da vida real, Callado completava a sua frase: ?O mais gostoso de tudo isso é que o bom presente e o mau ausente são sempre a mesma pessoa?.”
JORNAL DO BRASIL
“Nilo fica, boato vem da esquerda”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/04/03
“?Já reiterei várias vezes que me manterei no JB pelo menos até o fim do meu contrato, em setembro. Muitos boatos têm aparecido na redacão sobre minha saída. Nesta sexta-feira dizia-se nos corredores que Augusto Nunes me substituiria a partir de hoje (segunda-feira, 28/04). Mas os boateiros estavam, como sempre, mal informados. O Augusto está viajando para Portugal e ficará na Europa durante três semanas.?
Nilo Dante desmentiu assim os rumores de que estaria deixando o cargo de editor-chefe do Jornal do Brasil e atribuiu o constante surgimento desses rumores à esquerda, que ?consegue ser eficaz quando se trata de malhar e faz movimentos infantilistas?.
Nilo já chefiou seis redações no Rio. Foi convidado inicialmente por Ricardo Boechat para fazer a reforma gráfica do jornal e recebeu um projeto que tinha sido preparado por uma anterior diretora de arte. ?O jornal estava moribundo e com aspecto de moribundo?, disse Nilo. ?O projeto que encontrei era um desastre, um tipo de experimentalismo doidivanas como tantos que já vi em nossa imprensa nos últimos 40 anos. Demonstrei que ele não tinha a menor justificativa e partimos para outra.?
Nilo depois substituiu Boechat, quando este preferiu dedicar-se exclusivamente à coluna. A redação, que chegara a ter 300 lugares, fora reduzida a cerca de 140 desde a saída de Mário Sérgio Conti, primeiro editor-chefe na era Nelson Tanure como controlador do jornal. O JB tem o menor corpo editorial entre os quatro maiores jornais de Rio e São Paulo, além de não ter sucursais (além de um pequeno núcleo em Brasília) nem correspondentes.
?Se eu dispusesse de um orçamento maior?, explica Nilo, ?minha primeira medida seria contratar uns 20 repórteres. Até agora o que fizemos foi dar um ajuste visual ao jornal.? Mas ele afirma que, dentro do quadro geral de crise em nossa imprensa, ?a performance do JB tem sido sensacional? e seu jornal vem mostrando uma taxa de crescimento de circulação maior do que a do Globo. E faz uma análise surpreendente da crise, dizendo que a maior parcela de responsabilidade pela queda geral na circulação cabe aos editores, que ?não fazem jornais para os leitores e sim para eles mesmos?.”