CNN EM ARMAS
“Zona de guerra”, copyright O Globo, 14/4/2003
“Quem assistia ontem à rede americana CNN teve a oportunidade de ver, pela primeira vez, uma concreta exibição do que poderia ser definido como ?jornalismo cowboy?. Os carros de uma equipe da estação, que tinham acabado de entrar em Tikrit, último bastião de Saddam Hussein e sua cidade natal, foram recebidos a tiros por iraquianos de uma milícia ainda fiel ao ditador.
Eles tinham formado um bloqueio na estrada, mas a equipe preferiu ignorá-lo e ir adiante. A resposta foi uma saraivada de metralhadora e, por alguns minutos, uma perseguição automobilística com troca de tiros.
O risco era implícito, já que o grupo não estava incorporado às tropas americanas ? que, aliás, nem haviam chegado ali. E a sua reação foi a de atirar de volta! Não há registros de outras cenas desse tipo nas guerras modernas: jornalistas disputando território à bala.
A cena revelou, na prática, algo que até então a CNN procurava manter em segredo, mas que já havia vazado na forma de rumores: o fato de que a rede contratara pistoleiros profissionais nos EUA e na Europa para dar segurança aos seus repórteres, inaugurando assim uma nova forma de cobertura.
Se as emissoras concorrentes, além de jornais e agências de notícias, seguirem o exemplo os próximos conflitos terão duas frentes de combate: a dos militares e a dos jornalistas.
Os 600 repórteres incorporados às tropas americanas no Iraque foram terminantemente proibidos de portar armas. O Pentágono, inclusive, solicitou que eles procurassem não utilizar roupas que pudessem parecer fardas militares ? para marcar bem a diferença entre uns e outros.
Agora, no entanto, quando começa a se expandir a cobertura independente, a guerra entra num clima de faroeste, com jornalistas ? pelo menos no caso da rede CNN ? fazendo parte atuante de grupos armados, já que seus seguranças particulares estão livres para matar quem tratar de impedir o seu trabalho.
Se as equipes de assistência humanitária da Cruz Vermelha, do Unicef, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, do Programa de Alimentação Mundial, da Organização Mundial de Saúde ? que correm tantos riscos quanto os jornalistas ? adotarem o mesmo procedimento, as guerras futuras passarão a ser uma carnificina ainda maior.
Em Bagdá já existe um outro exemplo disso: depois que saqueadores passaram a assaltar hospitais, médicos têm ido trabalhar com rifles Kalashnikov às costas. A velha filosofia do olho por olho dente por dente parece estar se tornando numa rotina da guerra moderna. Dias atrás os soldados americanos recorreram a ela, ao invadir o hotel al-Rashid ? o principal de Bagdá.
Nesse caso não houve uso de armas, e sim de um método pacífico ? mas igualmente lamentável. Os soldados destruíram uma enorme fotografia do ex-presidente George Bush que o governo iraquiano havia colocado junto à porta de entrada do hotel, dez anos atrás, para servir como um capacho. A retirada daquela foto era longamente esperada pelos americanos.
No entanto, eles acabaram se comportando exatamente como os bárbaros inimigos que tanto condenavam, baixando ao seu nível: no lugar da foto de Bush eles colocaram uma de Saddam Hussein, para ser pisada daqui por diante por quem passe por ali.”
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“Comunicado da CNN”copyright O Globo, 14/4/2003
“?A CNN contrata sua própria empresa de segurança, a AKE (com empregados de vários países, mas baseados na Grã-Bretanha), para avaliar riscos e, em ocasiões especiais, esses funcionários viajam com a equipe da CNN. Eles não andam armados, nem os funcionários da CNN. Neste caso particular, a AKE recomendou contratar seguranças locais armados devido ao risco ser considerado alto. Então, dois curdos iraquianos armados foram contratados para acompanhar o grupo da CNN.
?Como sabemos, este é um conflito particularmente perigoso para a mídia. A CNN tem especificamente sido alvo de ataque de algumas facções no Iraque. A segurança de nosso staff é prioridade, e nessa ocasião era apropriado que a CNN fosse acompanhada por segurança armada.
?Hoje, um segurança armado, temendo que nosso pessoal estivesse em perigo fatal, respondeu a tiros e provavelmente salvou suas vidas. Para reiterar, nenhum funcionário da CNN carrega armas de fogo.?”
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“Para RSF, um precedente perigoso”, copyright O Globo, 14/4/2003
“A organização Repórteres sem Fronteiras advertiu ontem que constitui um precedente perigoso o episódio em que um guarda-costas de uma equipe da rede CNN respondeu a tiros a um ataque sofrido perto de Tikrit, no Iraque. Para a organização, o ?comportamento inaugura uma nova prática que contraria todas as regras profissionais? e põe em perigo os outros repórteres.
? Os jornalistas podem e devem utilizar meios para garantir sua segurança, como veículos blindados e coletes à prova de balas, mas o recurso de empresas de segurança só faz aumentar a confusão ? disse Robert Ménard, secretário-geral da organização.”
“Equipe da TV CNN é atacada em posto de controle de Tikrit”, copyright Último Segundo / France Presse, 13/4/03
“Uma equipe da rede de TV americana CNN foi atacada a tiros hoje na cidade de Tikrit (150 km ao norte de Bagdá), segundo as imagens exibidas pela própria emissora.
O jornalistas da CNN, que estavam em um automóvel, foram atacados por elementos de um posto de controle na cidade.
Um guarda armado que acompanha a equipe, dirigida por Brent Sadler, respondeu ao ataque, mas os jornalistas continuavam sob fogo esporádico enquanto tentavam fugir da cidade.”
“Dor e revolta no protesto contra morte de jordaniano”, copyright O Globo, 10/4/03
“Depois de caminhar cabisbaixo durante várias quadras, sob um sol forte, com os olhos vermelhos de choro e carregando no colo a neta Fátima, de apenas 14 meses, o palestino Naim Ayoub, de 60 anos, ganhou forças no final da marcha que liderava ontem pelas ruas de Amã para subir numa mureta e desancar o presidente George W. Bush – a quem denunciou como criminoso.
Na véspera, o seu filho, Tareq Ayoub, um jornalista de 34 anos, tinha sido morto em Bagdá pelo disparo de um tanque americano, que destruiu o escritório da rede de televisão árabe al-Jazeera. Ayoub também trabalhava para o jornal ?Jordan Times? (editado em inglês, em Amã).
– Bush, esse idiota, não quer que o mundo veja os crimes que seus soldados estão cometendo contra o povo iraquiano. O meu filho estava mostrando isso. E pagou com a vida. Ele estava desarmado. Carregava apenas um caderno, uma caneta e um microfone – disse Ayoub a pouco mais de 600 pessoas, a maioria jornalistas, que acompanharam a marcha de protesto.
Tareq Tahboub, ex-presidente do Sindicato dos Farmacêuticos e sogro do repórter morto, também subiu para falar na mureta em frente à sede do ?Jordan Times?, onde também é publicado o diário ?Al Rai? (A Opinião). Exibindo Fátima, a filha única do jornalista à multidão, ele disse:
– Eu desafio Bush, esse cachorro, a olhar nos olhos dessa criança e explicar a ela a morte de seu pai. Ele jamais fará isso, porque é um covarde e também porque sabe que não há explicação para esse crime.
O ?Jordan Times?, que é colorido, saiu ontem com uma edição inteiramente em preto e branco. Uma tarja negra foi colocada junto ao logotipo do jornal. O editorial contava que Ayoub, que vivia em Amã, queria muito ir a Bagdá cobrir a guerra. Ele estava ali há menos de uma semana. ?Tomamos hoje um café amargo com a mulher de Tareq, Dima, e com a mãe dele. Os EUA não devem se enganar acreditando que não há testemunhas. Essas duas mulheres e milhões de outras pessoas eram testemunhas do assassinato: elas estavam assistindo à al-Jazeera?, concluía o editorial, referindo-se ao fato de que Ayoub estava justamente filmando a movimentação de tanques da sacada do escritório da emissora, quando o canhão de um deles girou em sua direção e disparou.
Num discurso inflamado, ao final da marcha de protesto, Tareq Al Momani, presidente do Sindicato dos Jornalistas da Jordânia, também afirmou que a morte do seu colega ?foi uma tentativa criminosa de Bush de calar a verdade?.”